Um quadro fiscal positivo, mesmo sem a CPMF
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20 de Dezembro de 2007 – A rejeição pelo Senado Federal da proposta de prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CMF) provocou especulações quanto aos possíveis impactos fiscais para o próximo ano. A questão fundamental, do ponto de vista do mercado, é a preservação da meta de superávit primário de 3,8% do PIB, o que parece bastante factível, como veremos a seguir.
Embora seja inegável que a diminuição da receita possa afetar programas ligados à saúde pública e os investimentos públicos, inclusive do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), há várias alternativas para a solução deste problema, mesmo porque a desaprovação ocorre em um momento particularmente bom para o País. Com o crescimento esperado do PIB a taxas próximas de 5% ao ano, a receita tributária tem apresentado forte crescimento, podendo compensar a perda da receita da CPMF.
Uma análise que realizei com o economista Rodrigo Hisgail Nogueira, da Siemens, com base nos dados das receitas da União divulgados pela Receita Federal, indica que a arrecadação de tributos em 2008 deverá compensar a perda da CPMF, a partir do próprio desempenho da economia brasileira.
Em 2007, por exemplo, a arrecadação federal com tributos nos dez primeiros meses do ano foi de R$ 484,7 bilhões, em comparação a R$ 425,0 bilhões no mesmo período de 2006. Ou seja, o acréscimo de arrecadação de R$ R$ 60 bilhões foi equivamente a quase duas vezes a receita anual prevista de R$ 35 bilhões para a CPMF em 2007. O crescimento da economia propicia ampliação do faturamento e do resultado das empresas, da renda, assim como do consumo da população, o que faz com que haja a ampliação da base tributada, ampliando a arrecadação do governo.
Isso quer dizer que, mantendo-se o crescimento econômico de 2008, o que é bastante provável, o acréscimo de arrecadação dos demais impostos deverão compensar em grande parte a "perda" prevista de R$ 40 bilhões da CPMF. Para isso, a premissa é que o governo federal não expanda adicionalmente seus gastos correntes, o que permitiria realizar os investimentos previstos na esfera da saúde, a principal área a sofrer ameaças de corte.
Apesar do cenário de aumento das arrecadação decorrente do crescimento do PIB, o governo já analisa alternativas para compensar a falta dos R$ 40 bilhões da CPMF. Dentre as medidas cogitadas estão o aumento da alíquota de outros impostos e, ao mesmo tempo, a redução de gastos do orçamento. Dentre as alternativas, a mais provável é que o governo aumente a alíquota de alguns impostos que não dependam da aprovação prévia do Congresso. Dentre eles estão Imposto sobre Produtos Industrilizados (IPI), Imposto de Importação e Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O aumento de outros impostos – como Imposto de Renda (IR), Contribuição Previdenciária, Cofins, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), PIS/Pasep – também está em análise, porém depende da aprovação do Congresso .
A outra proposta que tem sido bastante estudada é a da redução de gastos públicos e despesas do orçamento. A medida deverá ser realizada gradualmente junto as outras possibilidades de aumento de tributos como alternativa do governo para garantir o cumprimento da meta fiscal (superávit primário de 3,8% do PIB) em 2008.
O fim da CPMF, embora cause transtornos, não altera substancialmente o quadro positivo da economia brasileira. O crescimento econômico combinado com inflação e quadro fiscal dentro da meta não representa risco para o cenário do próximo ano. A verdadeira luz amarela está mesmo na questão cambial e no balanço de pagamentos. Como já tive oportunidade de abordar em artigos anteriores, a contínua e persistente valorização do real frente a outras moedas representa um fator de risco para a economia, na medida em que provoca efeitos diretos sobre a sustentabilidade da conta de transações correntes do balanço de pagamentos e alterações significativas na estrutura produtiva e de comercio internacional.
A questão fiscal é relevante, e a questão da CPMF só ressalta a necessidade e premência de uma ampla reforma tributária, que atenda aos principios da eficácia, competitividade e justiça social. Em paralelo, é também fundamental aperfeiçoar o arcabouço das politicas monetária e cambial para garantir que o crescimento econômico de 5% em 2007 não seja apenas episódico, mas represente a consolidação de um ciclo longo de crescimento para os próximos anos.
(Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 3) ANTONIO CORRÊA DE LACERDA* – Economista-chefe da Siemens e professor doutor do Departamento de Economia da PUC-SP. Próximo artigo do autor em 10 de janeiro de 2008)