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Três cidades inovadoras

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Como soluções criativas na gestão pública ajudaram a melhorar a vida dos habitantes de três municípios do Rio de Janeiro, de Goiás e Minas Gerais

Murilo Ramos e Nelito Fernandes, com Frederico Alberti

Em boa parte dos 5.562 municípios brasileiros, a administração pública ainda segue métodos de gestão do início do século passado. A relação de funcionários é anotada à mão em fichários amarelados. Folhas de cheque avulsas, guardadas em bolsos de prefeitos, são usadas para despesas gerais. Faltam livros contábeis para controlar gastos e receitas dos municípios. Em meio a esse cenário, é fácil entender o mau uso do dinheiro público e a corrupção na administração dos orçamentos municipais, que, em conjunto, somam R$ 142 bilhões, valor próximo ao faturamento da maior empresa do país, a Petrobras.

Os municípios de Goianésia, em Goiás, Piraí, no Rio de Janeiro, e Santa Luzia, em Minas Gerais, escapam do roteiro descrito acima. Eles foram selecionados como modelos de inovação por ÉPOCA, com a ajuda de técnicos do Ministério da Fazenda, responsáveis pelo Programa Nacional de Apoio à Gestão Administrativa e Fiscal dos Municípios Brasileiros (PNAFM). Os três adotaram soluções criativas que melhoraram as condições de vida da população sem precisar recorrer a aventuras financeiras. Piraí popularizou a internet. Goianésia estimula seus funcionários públicos a produzir mais para ganhar gratificações. Santa Luzia promove cursos de MBA para melhorar a qualidade dos servidores públicos. A seguir, a história de cada uma dessas cidades.

Uma revolução digital

As aulas de Artes da professora Flavia Rocha Pereira a um grupo de alunos da 3a série do ensino fundamental numa escola pública municipal de Piraí incluem lições sobre o pintor abstracionista russo Wassily Kandinsky (1866-1934). Os estudantes assistem à aula num laboratório de informática, com computadores conectados com a internet em banda larga. Flavia pede aos alunos que entrem no Google Images e vejam as obras do pintor. Jéssica Doledo, de 10 anos, acha rapidamente os quadros, amplia a imagem e exclama admirada: "Os desenhos são muito legais". Em outra escola, os alunos trocam experiências com estudantes da Alemanha por meio de videoconferências.

Em Piraí, município de 22 mil habitantes a 74 quilômetros do Rio, todas as 23 escolas municipais têm laboratórios de informática conectados com a internet. Da mesma forma, a cidade inteira está plugada à rede. Em quatro telecentros, qualquer pessoa pode sentar-se durante meia hora e navegar gratuitamente. Quiosques espalhados pelos bairros também dão acesso gratuito aos moradores. Quem quiser ligar para a Prefeitura pode usar telefones públicos com base na tecnologia de conexão pela internet (VoIP), sem pagar nada. Todos os 39 prédios públicos estão conectados, e os órgãos também se falam pelo VoIP. Essas são realizações do projeto Piraí Digital, iniciado em 2002, com apenas R$ 150 mil financiados pelo BNDES.

Regra simples: O prefeito Lage na nova sede da Prefeitura de Goianésia: funcionário que trabalha bem ganha mais

O projeto começou depois de um baque sofrido pela cidade. Em 1997, a Light foi privatizada e houve uma reformulação da maior fábrica de Piraí. Mil e duzentos moradores ficaram sem emprego. O então prefeito, Luiz Fernando Pezão (PMDB), hoje vice-governador do Rio, reuniu cérebros e chamou pesquisadores para desenvolver um plano estratégico e descobrir novas vocações para a cidade. A idéia inicial era que todos tivessem acesso sem fio à rede, mas o custo foi proibitivo. Entrou em ação o jeitinho brasileiro. A conexão chega por fibra óptica ao ponto mais alto da cidade. Dali é transmitida pelo rádio para cinco retransmissores, que levam a internet por cabo a pontos espalhados pelo município. Dessa forma, o projeto custou um quarto do previsto. A conexão cobre hoje os 520 quilômetros quadrados do município e contribuiu para atrair 18 indústrias para a cidade. "Em oito anos multiplicamos por quase cinco a arrecadação de ICMS – de R$ 17 milhões para R$ 76 milhões", diz o vice-governador Pezão.

O acesso à informação é levado tão a sério em Piraí que foi incluído entre os direitos básicos do cidadão, ao lado de saúde, educação e emprego. "Não existe inclusão social sustentável sem inclusão digital", afirma Franklin Dias Coelho, professor da Universidade Federal Fluminense e coordenador do projeto. Em breve, a rede hospitalar estará pronta para enviar exames pela internet a outros municípios. "Se um paciente precisar de um especialista que não temos em Piraí, poderá fazer o exame na cidade e enviá-lo ao médico em outro lugar", diz o assessor de informática Leonardo Rosa, de 31 anos. Antes do Piraí Digital, Leonardo era jardineiro. Hoje, dá cursos de capacitação em informática aos 400 professores locais.

Incentivo à meritocracia

Encravada no Vale do São Patrício, a 180 quilômetros ao norte de Goiânia, a cidade de Goianésia, com 52 mil habitantes, é conhecida pela pujança na produção da cana-de-açúcar, da borracha e da pecuária de corte. O agronegócio fez a prosperidade do município e estimulou um clima de empreendedorismo. Hoje, ele se infiltra na administração pública. Inspirada pela experiência das empresas instaladas nos arredores da cidade e nos conselhos de uma s consultoria particular, a administração do prefeito Otávio Lage Filho (PSDB) implementou um plano de carreira que incentiva o mérito no serviço público. O plano prevê gratificações salariais para os funcionários públicos atreladas à dedicação e à qualidade dos serviços prestados por eles. Criou-se, assim, um ciclo virtuoso em que os empreendimentos públicos decolam graças à melhoria do desempenho dos funcionários.

Ajudou o plano a adoção de um sistema de mapeamento, por imagens aéreas, dos estabelecimentos comerciais e residenciais da cidade. O objetivo era localizar inadimplentes no pagamento de impostos para cobrá-los. Estimulados pela promessa de conseguir gratificações pelo desempenho, os fiscais foram às ruas. Entre 2000 e 2006, a arrecadação de Goianésia subiu de R$ 827 mil para R$ 7,2 milhões. Com o dinheiro extra nos cofres, dezenas de obras foram realizadas. A obra da nova sede da Prefeitura paralisada havia 18 anos foi concluída. Um aterro sanitário, um parque de lazer e um bairro de casas populares também foram construídos.

Na Secretaria de Infra-Estrutura, responsável pelas obras, com o plano de carreira, os funcionários podem receber até 50% de gratificações sobre os salários, desde que cumpram suas metas. Se um caminhão consome gasolina de forma regular e suas molas não quebram, o funcionário responsável pelo veículo ganha pontos. Outro quesito extra é a assiduidade ao trabalho. "O salário-base é mantido, mas quem falta ganha menos. Simples assim", afirma o prefeito Otávio Lage. O resultado, segundo o secretário de Infra-Estrutura, Ronaldo Peixoto, foi uma revolução. "Os funcionários vivem loucos atrás de trabalho. Estão acostumados com os benefícios e não querem perdê-los. Não esperava ver isso numa Prefeitura", diz Peixoto.

Fazer mais com menos

Pelo menor preço: A central de processamento de merendas de Santa Luzia: refeições melhores e mais baratas nas escolas

Santa Luzia, município de 170 mil habitantes na região metropolitana de Belo Horizonte, se tornou modelo em melhoria do atendimento de programas sociais com redução de gastos. O município criou uma central de processamento para produzir as 18 mil refeições diárias servidas na rede municipal de ensino. A centralização proporcionou melhoria da qualidade das merendas, controle mais rigoroso do estoque de alimentos e redução no índice de desperdício. Como a distribuição das merendas passou a ser de responsabilidade da Prefeitura, e não mais dos fornecedores, o custo de transporte foi eliminado dos contratos. O resultado global foi a queda no custo unitário das refeições escolares, de R$ 0,60 para R$ 0,24 – um alívio para os cofres municipais.

A Prefeitura de Santa Luzia usa recursos do governo federal para investir na capacitação dos servidores públicos. A primeira iniciativa foi criar, em parceria com uma faculdade privada, um MBA executivo em gestão pública municipal. "Todas as disciplinas e os trabalhos apresentados nas salas de aula referem-se a projetos reais da Prefeitura", diz o prefeito José Raimundo Delgado (DEM). "É uma maneira de aprender e aplicar as técnicas da iniciativa privada na gestão pública." A primeira turma do MBA, com o prefeito e mais 33 servidores municipais, se formará no fim do ano.

"Há muitas prefeituras mergulhadas nas sombras", diz o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski. "Mas existe em muitos municípios uma preocupação crescente com a modernização e a transparência." Goianésia, Piraí e Santa Luzia são exemplos inspiradores para que mais municípios trilhem o caminho da boa gestão pública.