Luciane Medeiros
A data de hoje, 5 de dezembro, marca o Dia Internacional do Voluntariado. Nos últimos anos, iniciativas de responsabilidade social e voluntariado apresentam crescimento no Brasil. São as atividades do chamado Terceiro Setor, que englobam entidades sem fins lucrativos como fundações, associados, assistência social e organizações não-governamentais (ONGs), entre outras.
No Rio Grande do Sul, a ONG Parceiros Voluntários conta com o apoio de 247 mil pessoas como a psicopedagoga Tânia Franciosi, que trabalha na Casa da Criança Nossa Senhora Auxiliadora, em Porto Alegre. Criada em 1997 para desenvolver a cultura do trabalho voluntário organizado, a Parceiros exibe uma rede única no País de 77 unidades distribuídas pelas cidades gaúchas. Possui mais de 93 mil jovens engajados, além das 1.974 escolas, 1.986 empresas e 2.287 organizações sociais conveniadas.
As ações desenvolvidas pela Parceiros Voluntários já beneficiaram um universo de 900 mil pessoas no Estado, entre crianças, adolescentes, idosos, portadores de necessidades especiais e comunidades em situação de risco.
O desenvolvimento das ONGs e entidades beneficentes requer atenção aos aspectos tributários. Assim como em uma empresa, a contabilidade no terceiro setor possui responsabilidades e obrigações tributárias. Normas específicas emitidas pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) regulamentam os procedimentos. Elas recebem benefícios de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e de cota patronal, CPMF e folha de pagamento, nos casos em que atendem às áreas sociais e de saúde.
"Como as ONGs apóiam o Estado nos serviços que ele não consegue prestar à população, recebem vantagens e isenções", explica o titular do Conselho Nacional de Assistência Social Euclides Machado, também professor e contabilista. No caso do trabalho do profissional contábil, há algumas diferenças. As sociedades de fins econômicos são regidas pela Lei das Sociedades Anônimas (SAs – Lei 6.404/76) e pelas Normas Contábeis.
As entidades com fins não-lucrativos também são regidas pela mesma lei, mas devem observar, além das Normas Contábeis, as específicas para cada entidade e a concessão do Certificado do CNAS. "O contador deve ter conhecimento de tudo o que se passa na entidade para, através dos números contábeis apresentados, dar transparência e suporte às ações socioassistenciais realizadas."
Atuação dos contadores é importante para acompanhamento da legislação
O papel dos profissionais contábeis nas entidades do terceiro setor, em especial as ONGs de caráter assistencial, é importante pelo acompanhamento das normas tributárias que atendem ao segmento. A legislação do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) deve ser observada, assim como as normas relacionadas ao INSS e questões tributárias. "A empresa que trabalha em um determinado ramo apresentará suas peças contábeis em função dos resultados que obtêm nas atividades que executa. As entidades e ONGs precisam demonstrar em suas peças onde atuam e deixar espelhado na contabilidade", ressalta o conselheiro do CNAS Euclides Machado.
A divulgação do balanço é obrigatória para todas as entidades. Se ela recebe verbas federais, é obrigada a publicar suas receitas e despesas em veículos de comunicação. "Dependendo do seu porte, ela faz questão de mostrar à sociedade que está cumprindo com as suas obrigações."
Nenhuma instituição está dispensada da apresentação do Balanço Patrimonial, da Demonstração do Resultado do Exercício, da Demonstração de Mutação do Patrimônio, da Demonstração das Origens e Aplicações de Recursos e Notas Explicativas, que devem evidenciar o que fazem pelo social. "O contador que atua nessa área é de grande importância, uma vez que ele será o responsável pelas práticas contábeis adotadas e pelos demonstrativos."
O vice-presidente da Parceiros Voluntários, contador Geraldo Tofanello, também considera importante o envolvimento dos profissionais contábeis. Segundo ele, cada vez mais a responsabilidade social é empregada nas empresas, inclusive nas de pequeno porte, embora os aspectos legais nem sempre sejam conhecidos. "Muitos empresários desconhecem os benefícios que podem tirar desse envolvimento, como as isenções. Cabe ao contador orientar sobre as vantagens e sugerir ações a serem desenvolvidas."
O diretor de captação de recursos da ONG S.O.S. Mata Atlântica, Adauto Basílio, considera que os profissionais contábeis podem contribuir para o desenvolvimento do terceiro setor na atuação criteriosa dos dados. A orientação sobre os aspectos tributários e sugestão de melhorias nas ferramentas de controle e análise das demonstrações contábeis também podem ser empregadas por eles.
Profissionais podem apoiar ações de gestão
Assim como nas empresas privadas, o desenvolvimento do plano de contas é fundamental para o bom desenvolvimento dos trabalhos em uma ONG ou entidade assistencial. "Apenas dois profissionais podem elaborar um plano de contas: o contador e o dono do negócio", compara o conselheiro do Conselho Nacional de Assistência Social Euclides Machado.
O vice-presidente da Parceiros Voluntários Geraldo Tofanello lembra que a organização do Terceiro Setor em ONGs vem crescendo pelo fato de o segmento ter responsabilidades junto ao Ministério Público. "Há carência no que diz respeito à gestão das ONGs. Boas entidades atingem resultado pelo suor de quem trabalha nelas, de pessoas que têm o ideal da causa, mas, infelizmente, nem sempre sabem como gerenciar a entidade."
Para atingir os seus objetivos, a Parceiros Voluntários desenvolve ferramentas de gestão pela qualidade, definidas dentro de um plano de ação. É feito o acompanhamento de indicadores na concepção do Plano Gaúcho de Qualidade e Produtividade (PGQP). "Gerenciar é medir resultados através de indicadores. A entidade se vale disso e utiliza como mapa estratégico para acompanhamento."
A Parceiros trabalha para instituir modelos de gestão, que serão distribuídos às entidades que fazem parte da rede de trabalho para uso no seu dia-a-dia. "Assim, elas poderão trabalhar na causa e deixar para os técnicos a gestão. Nisso o contador pode muito, pois falar em gestão é pensar na classe. Além de conscientizarmos os empresários sobre os benefícios tributários, temos, nessa tarefa, a possibilidade de prestar um trabalho voluntário, ajudando as instituições a qualificar o seu trabalho e garantir transparência", diz Tofanello.
Outra ferramenta empregada é a submissão dos seus números à auditoria, feita de forma voluntária pela PricewaterhouseCoopers desde a sua constituição.
Norma regulamenta apresentação de doações
A Norma Brasileira de Contabilidade 10.19, emitida pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), determina que as receitas e despesas devem ser reconhecidas mensalmente, respeitando os Princípios Fundamentais da Contabilidade, em especial da Oportunidade e da Competência. As doações, subvenções e contribuições patrimoniais, inclusive as arrecadadas na constituição da entidade, são contabilizadas no patrimônio social.
Em doações para custeio sem restrições doadas em dinheiro à entidade, o registro se dá a débito no caixa e a crédito na demonstração de superávit, como receita. Quando a doação for sob forma de outros ativos patrimoniais não-destinados ao custeio, a partida do registro deverá ser efetuada, observando a conta de aplicação dos recursos e a contrapartida diretamente no patrimônio social da entidade. Para o caso de um bem permanente recebido como doação, o registro ocorrerá a débito na conta do ativo imobilizado e a crédito de conta do patrimônio social.
A norma determina ainda que as receitas de doações, subvenções e contribuições recebidas para aplicação específica, mediante constituição ou não de fundos, devem ser registradas em contas próprias segregadas das demais contas da entidade. Na Parceiros, nas situações em que há isenção do IR, não ocorre o encargo do imposto sobre a diferença entre receitas de doações e custos para manutenção da entidade.
O vice-presidente da ONG, Geraldo Tofanello, explica que a avaliação final positiva normalmente é apresentada como uma verba patrimonial e não um lucro distribuível. Não há remuneração de dirigentes, todos desempenham suas atividades de forma voluntária. As ONGs apresentam algumas particularidades na sua contabilidade em relação às empresas comerciais, como títulos e expressões diferentes.
"Nas ONGs, quando sobra algum recurso de um exercício, não se fala em lucro, mas em superávit, visto que não têm fins lucrativos e essas sobras de recursos geralmente estão comprometidas com projetos", diz Adauto Basílio.
Certificado de Assistência Social garante vantagens
O Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas), emitido pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), garante às entidades isenções, benefícios e responsabilidades a cumprir. Para obter o certificado, a entidade deve desenvolver atividades sem fins lucrativos de proteção à família, infância, maternidade, adolescência e à velhice, bem como amparo às crianças e adolescentes carentes, ações de prevenção, habilitação, reabilitação e integração à vida comunitária de portadores de deficiência e ao mercado de trabalho, assistência educacional ou de saúde e desenvolvimento da cultura.
A entidade beneficente de assistência social deve demonstrar, cumulativamente, estar legalmente constituída no País e em efetivo funcionamento por três anos imediatamente anteriores ao requerimento, inscrição no Conselho Municipal de Assistência Social do município de sua sede ou no Conselho Estadual de Assistência Social.
De acordo com o conselheiro do CNAS Euclides Machado, um dos requisitos importantes para a manutenção do certificado é a comprovação, por meio da contabilidade, de que aplica anualmente, em gratuidade, pelo menos 20% da receita bruta proveniente da venda de serviços, acrescida da receita decorrente de aplicações financeiras, locação de bens, venda de bens não-integrantes do ativo imobilizado e de doações particulares, cujo montante nunca será inferior à isenção de contribuições sociais usufruídas. "Para tanto, a entidade deve apresentar relatórios das suas atividades acompanhadas das peças contábeis dos três exercícios anteriores ao ano do pedido", esclarece.
O certificado dá às entidades condições de requerer os benefícios concedidos pelo poder público federal, dentro da sua área de atuação. Machado destaca a isenção das contribuições sociais a encargo da entidade, conhecida como cota patronal do INSS.
Empresas e pessoas físicas podem se beneficiar ao contribuir com entidades
O engajamento no movimento voluntário pode partir não só das empresas como também das pessoas físicas. As empresas podem colaborar por meio das contribuições em dinheiro, enquanto a população em geral, no desenvolvimento das atividades. Ao doar, uma empresa pode deduzir o valor do benefício do Imposto de Renda limitado até 2% do seu lucro tributável.
A Parceiros Voluntários possui o Programa Voluntário Pessoa Jurídica, que permite que as empresas ganhem ao otimizar seus investimentos na área social, oportunizando o envolvimento do quadro funcional em projetos comunitários, mobilizando clientes e fornecedores e fortalecendo sua imagem na sociedade. Por meio do programa, é proposto um modelo de transferência do maior capital que as empresas possuem: a emoção, o tempo e o conhecimento de seus profissionais, rompendo o paradigma de que a participação da empresa na área social se restringe à contribuição financeira ou material.
Assim, as empresas levam para o Terceiro Setor a sua larga experiência em atingir objetivos, visando um melhor atendimento das pessoas beneficiadas pelas organizações sociais. A grande maioria dos dirigentes das empresas já está se adaptando às novas regras do mercado, introduzindo em suas estratégias de gestão a Responsabilidade Social Empresarial (RSE).
O trabalho das ONGs não contempla apenas as ações sociais. No Brasil, a preocupação com a preservação do meio ambiente conta com a ação de diversas entidades. A manutenção da Mata Atlântica, área devastada no Brasil, deu origem à S.O.S. Mata Atlântica, criada em 1986. Atua com vários programas e projetos em áreas como políticas públicas, mobilização e campanhas; educação ambiental e voluntariado; proteção da biodiversidade, manejo de ecossistemas e recursos hídricos; informação, documentação e comunicação; desenvolvimento institucional.
Segundo o diretor de captação de recursos da entidade, Adauto Basílio, grande parte da receita utilizada nos projetos provém da iniciativa privada, empresas e instituições bancárias. "Os sócios, de diversas regiões do País, contribuem com 25% do arrecadado." A ONG possui 45 funcionários diretos, além da equipe de campo contratada nos períodos de produção dos viveiros de mudas nativas e outros consultores eventuais.
A S.O.S. Mata Atlântica possui um orçamento anual institucional (projetos e custeio) que é monitorado mensalmente, além da gestão do fluxo de caixa e ferramentas de gestão dos projetos, da mesma forma que a Parceiros Voluntários. As contas são submetidas a auditorias há vários anos, apresentadas trimestralmente, abrangendo os aspectos tributários, demonstrações contábeis e procedimentos internos de controle. "Ao final de cada ano, há a auditoria de fechamento do exercício", esclarece.
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