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Supremo julga processo da década de 50

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Valor Econômico.

O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que a doação de terras que foi feita em 1952 no antigo Estado do Mato Grosso, numa área superior a 40 mil km², foi irregular. Mas como passou mais de um século, a maioria dos ministros decidiu não anulá-la.

O caso era o mais antigo em tramitação na Corte e gerou uma divisão entre os ministros. A doação foi feita pelo antigo Estado do Mato Grosso, antes da divisão e a criação de Mato Grosso do Sul. O problema é que não houve autorização do Senado para a doação e a Constituição de 1946 estabelecia essa necessidade. Várias empresas conseguiram terras na região, como a Camargo Corrêa.

O relator, ministro Cezar Peluso, verificou que houve irregularidade na doação, mas ressaltou que seria um problema revogá-la passados 60 anos. "Eu não vejo como, mais de meio século depois, suscitar a nulidade das doações pelo Estado do Mato Grosso. Cidades formaram-se nessas áreas", afirmou Peluso.

"É uma situação absolutamente irreversível", completou o ministro Luiz Fux. Segundo ele, o Estado do Mato Grosso informou que anular os títulos de terras na região seria desalojar milhares de trabalhadores.

"Mas o que houve foi uma ilegalidade", protestou o ministro Marco Aurélio Mello. Ele lembrou que foi aberta uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), nos anos 50, para investigar o caso. "Na época, foi um verdadeiro escândalo institucional", continuou. Marco Aurélio disse que a doação vai contra as Constituições de 1946, 1967, 1969 e 1988.

"No meu ponto de vista, nós não podemos destruir relações de vida estabelecidas. Isso significaria todo o tipo de transtornos", insistiu Peluso. Ele advertiu que anular a doação de terras permitiria a abertura de milhares de ações na Justiça. "Imaginem quantos negócios jurídicos foram celebrados com a garantia dessas propriedades."

Mas a polêmica continuou. "Data vênia, eu não me sinto à vontade para regularizar toda essa extensa área, que equivale a duas vezes o tamanho do Estado de Sergipe", afirmou o ministro Ricardo Lewandowski. "Há um ambiente de nebulosidade quanto aos beneficiários dessas terras", completou Carlos Ayres Britto. Ele disse não ter certeza a respeito de quais empresas seriam favorecidas no julgamento.

Ewerton Azevedo Mineiro, advogado da Camargo Corrêa, afirmou aos ministros que os contratos de terras foram firmados diretamente entre o antigo Estado do Mato Grosso e os colonos da região. "Não há uma folha (no processo) dizendo que a empresa A, B ou C é proprietária. Os proprietários são os colonos. Não há concessão para as empresas, e sim para os colonos", enfatizou o advogado.

Após um intenso debate, prevaleceu a solução de declarar que houve inconstitucionalidade na doação das terras, ressalvando, porém, que essa declaração não implica na anulação dos contratos de terras.

A decisão foi tomada por cinco votos a três. A maioria foi formada por Peluso, Fux, José Antonio Dias Toffoli, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Rosa Weber. Já Marco Aurélio, Lewandowski e Britto ficaram vencidos.

O processo chegou ao STF em 17 de junho de 1959, quando a Corte ficava na avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, e não na Praça dos Três Poderes, em Brasília.