STJ restringe o uso de créditos do ICMS para supermercados
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Tributário: Empresas buscam benefício para gastos com energia elétrica em produção
As redes de supermercados viram frustrada ontem a tentativa de ter reconhecida a possibilidade de uso dos créditos do ICMS referentes à energia elétrica. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que as redes de supermercado Carrefour e Sendas não podem utilizar esses créditos, que na prática reduziriam a carga tributária das empresas.
Com o revés no STJ, as empresas apostam agora em um julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter o entendimento, a partir de debate amplo sobre o princípio da não cumulatividade do ICMS. Na corte está para ser julgado um recurso sobre o tema e uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) proposta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). No entanto, as chances de êxito seriam reduzidas, pois já existem precedentes no Supremo favoráveis ao fisco.
A Lei Complementar nº 87, de 1996, a chamada Lei Kandir, – alterada em 2000 pela Lei Complementar nº 102 – autorizou apenas três situações em que as empresas poderiam aproveitar os créditos do ICMS relativos à compra de energia elétrica. A primeira seria para o caso da energia consumida no processo de industrialização, a segunda quando for objeto de operação de saída de energia elétrica – uma empresa distribuidora de energia, por exemplo -, e a última alternativa seria no caso de exportação.
Os supermercados, porém, defendem que possuem atividades industriais, realizadas dentro dos estabelecimentos, que gerariam o direito a esses créditos. Seria o caso, por exemplo, das panificadoras e do sistema desenvolvido para o congelamento de produtos. "A lei complementar de 1996 deu uma interpretação restritiva ao princípio constitucional da não cumulatividade dos impostos", afirma o advogado Roque Carraza, que atuou na defesa do Sendas.
Na ação movida pelo Carrefour, o aproveitamento do ICMS foi pleiteado para período anterior à Lei Complementar nº 87. No processo do Sendas, o pedido de creditamento foi posterior à lei. O entendimento da corte, no entanto, foi o mesmo para os dois casos.
O ministro Luiz Fux, relator dos recursos, diz que o regulamento do IPI esclarece a dúvida em relação à caracterização da atividade de panificação e congelamento que ocorre dentro dos supermercados. Pelo regulamento, não é considerado industrial o preparo de produtos alimentares e a embalagem dos mesmos. O voto foi seguido pelos demais ministros e apenas a ministra Eliana Calmon decidiu de forma contrária.
Os ministros do STJ decidiram julgar os recursos ainda que o Supremo vá analisar o tema em um recurso extraordinário e uma Adin. No caso do Supremo, porém, os advogados esperam que a discussão seja mais abrangente e que aborde o princípio da não cumulatividade. Para o advogado Marcos Joaquim Gonçalves Alves, do Mattos Filho Advogados, um entendimento novo sobre esse princípio afetaria os tributos federais, como o PIS, a Cofins e o IPI. "O julgamento pode dar espaço para que sejam revistos velhos dilemas, como o creditamento de produtos com alíquota zero do IPI, já definido pela corte", diz Alves.
Ao reconhecer a repercussão geral do tema, os ministros do STF consideraram que é preciso definir o alcance do princípio constitucional da não cumulatividade, tendo em vista um "sem número" de processos discutindo a matéria na Justiça.
O recurso a ser julgado pelo Supremo é de um supermercado de Criciúma, Santa Catarina, que busca o direito ao uso de créditos do ICMS de energia. Segundo o advogado da empresa, Adolfo Manoel da Silva, do escritório que leva o mesmo nome, há uma verdadeira indústria dentro do supermercado, que é a padaria e a confeitaria – atividades que consomem mais de 80% da energia elétrica paga pelo supermercado. "Se a mesma estrutura fosse fora do supermercado, teria direito ao creditamento", diz Silva. Segundo o procurador do Estado de Santa Catarina, Rogério de Luca, a linha de defesa do Estado no Supremo será com relação à não limitação do princípio da não cumulatividade pela lei de 1996 e também pela analogia ao regulamento do IPI.
Ao que tudo indica, o Supremo deve julgar este recurso antes da Adin ajuizada pela CNI, cuja liminar concedida foi favorável ao fisco. Em decisões monocráticas, alguns ministros se baseiam na decisão liminar para negar os recursos de empresas que pleiteiam o creditamento do ICMS incidente sobre o valor pago de energia.
Setor de telecomunicações discute o tema
O setor de telecomunicação também tenta obter na Justiça o direito ao creditamento do ICMS relativo ao valor pago pela energia elétrica consumida. Nas ações judiciais sobre o tema, as empresas reclamam que a Lei Complementar nº 87, de 1996, limitou o princípio da não cumulatividade do ICMS. Em dezembro de 2008, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou a questão e decidiu a favor do fisco, ou seja, pela impossibilidade de aproveitamento dos créditos.
As empresas defendem que o Decreto nº 640, de 1962, equiparou o setor à atividade industrial e que, portanto, poderiam ser enquadradas nas hipóteses de direito ao aproveitamento de créditos do ICMS incidente na compra de energia elétrica. Os Estados, por sua vez, alegam que para ser considerado industrial, o setor de telecomunicações deveria realizar verdadeira transformação da matéria-prima, o que não ocorreria.
De acordo com os ministros da Segunda Turma, em matéria tributária, a definição de atividade industrial é dada pelo Código Tributário Nacional (CTN), lei posterior ao decreto, e pela qual considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.
Ao que se tem notícia, o tema ainda não chegou ao Supremo. O advogado Igor Mauler Santiago, do Sacha Calmon Mizabel Derzi Advogados, que atua em diversos processos na defesa de empresas de telecomunicação, afirma que a jurisprudência de primeira e segunda instância não é pacífica, e em breve o escritório ajuizará um recurso no Supremo sobre a questão. "A lei complementar deve receber uma interpretação conforme a Constituição", diz Santiago. O advogado explica que o princípio constitucional da não cumulatividade possui um conteúdo mínimo, que é permitir o aproveitamento dos créditos do ICMS incidente sobre a energia sempre que esta possa ser qualificada como insumo indispensável à prestação de um serviço. "O setor de serviço está abrangido pelo ICMS e sem energia não há telecomunicação." (LC)