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Secretário municipal não pode ser autoridade coatora

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Consultor Jurídico

Por Cleide Regina Furlani Pompermaier

É muito comum, no meio jurídico, a impetração pelo contribuinte de mandados de segurança para proteger direito líquido e certo em matéria tributária, mormente no que concerne a questões atinentes à constituição do crédito tributário. Nos municípios, como nem poderia deixar de ser, não é diferente, estando o nosso estudo voltado à análise da sujeição passiva do secretário da Fazenda municipal como autoridade coatora, nas hipóteses que dizem respeito diretamente ao lançamento tributário.

O conceito de lançamento tributário pode ser depreendido do artigo 142, do Código Tributário Nacional, que assim dispõe:

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

Por outro lado e já adentrando nos elementos da ação mandamental, segundo se abstrai da dicção do parágrafo 3º do artigo 6º da Lei 12.016/2009, considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática.

Indaga-se então: pode o secretário da Fazenda municipal ou também nominado secretário de Finanças ser apontado como autoridade coatora, em caso de inconformidade ou justo receio de autuação pelo Fisco municipal?

Em nosso entendimento, a resposta há de ser negativa, se este não estiver investido do cargo de auditor, ou outra denominação que se queira dar ao agente público detentor de cargo de provimento efetivo, cuja lei lhe dê poderes para lançar tributo, principalmente diante do real significado e amplitude do termo “administração tributária”, oferecido pela Constituição Federal (artigo 37, inciso XXII) e pelo Código Tributário Nacional (artigo 142 cumulado com o artigo 194 a 200 do CTN) e de como o seu conceito está equivocado

É muito comum, no meio jurídico, a impetração pelo contribuinte de mandados de segurança para proteger direito líquido e certo em matéria tributária, mormente no que concerne a questões atinentes à constituição do crédito tributário. Nos municípios, como nem poderia deixar de ser, não é diferente, estando o nosso estudo voltado à análise da sujeição passiva do secretário da Fazenda municipal como autoridade coatora, nas hipóteses que dizem respeito diretamente ao lançamento tributário.

O conceito de lançamento tributário pode ser depreendido do artigo 142, do Código Tributário Nacional, que assim dispõe:

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

Por outro lado e já adentrando nos elementos da ação mandamental, segundo se abstrai da dicção do parágrafo 3º do artigo 6º da Lei 12.016/2009, considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática.

Indaga-se então: pode o secretário da Fazenda municipal ou também nominado secretário de Finanças ser apontado como autoridade coatora, em caso de inconformidade ou justo receio de autuação pelo Fisco municipal?

Em nosso entendimento, a resposta há de ser negativa, se este não estiver investido do cargo de auditor, ou outra denominação que se queira dar ao agente público detentor de cargo de provimento efetivo, cuja lei lhe dê poderes para lançar tributo, principalmente diante do real significado e amplitude do termo “administração tributária”, oferecido pela Constituição Federal (artigo 37, inciso XXII) e pelo Código Tributário Nacional (artigo 142 cumulado com o artigo 194 a 200 do CTN) e de como o seu conceito está equivocado, mormente em nível municipal.

Já nos pronunciamos em artigo publicado em data recente[1], no sentido de que a competência para executar as ações realizadas pela administração tributária pertence tão-somente aos auditores fiscais e que a administração tributária é representada por esses respectivos servidores, os quais têm prerrogativas especiais.

Em resumo, os auditores fiscais municipais estão para a administração tributária como os promotores de Justiça estão para o Ministério Público estadual. Como carreira de Estado, estes profissionais públicos, obrigatoriamente, devem ter carreira específica, nos termos evidenciados pelo artigo 37, inciso XXII, da Constituição Federal.

Tanto isso é verdade que, no âmbito federal, o que se vê é exatamente isso: uma carreira independente para os auditores fiscais da Receita Federal do Brasil, os quais, após se submeterem a rígidos concursos públicos, prestam seus serviços em unidades exclusivas, frisando que o comando da repartição, em tese, é sempre de um membro de carreira.

Assim, no caso dos municípios, o secretário da Fazenda, se comissionado, assume uma posição política de gestão de pessoas e projetos, mas não com interferência nas questões técnicas de lançamento tributário. Voltando ao exemplo anterior, os auditores fiscais municipais, neste particular, estão para o secretário da Fazenda como os promotores de Justiça estaduais estão para o governador do estado.

Note-se que tanta é a importância das administrações tributárias, no sentido de aperfeiçoar a entrega de dinheiro pelo contribuinte ao Estado quando devido, que o artigo 52, inciso XV, da Constituição Federal, trazido ao mundo jurídico por meio da EC 42/2003, determina que cabe ao Senado da República, ressalte-se, privativamente, avaliar periodicamente o desempenho das administrações tributárias da União, dos estados e do Distrito Federal e dos municípios.

Assim, mostra-se ilegítima a figura do secretário da Fazenda municipal como autoridade coatora nos mandados de segurança, em que se discute o lançamento tributário, se este não estiver investido no cargo de auditor, desde a sua forma até o seu conteúdo material, porque, além de não ter competência para realizar o ato, não tem competência para desfazê-lo.

O secretário da Fazenda municipal até pode fazer a análise das impugnações administrativas tributárias formuladas pelos contribuintes, nos municípios em que não existe a instituição de um “Conselho de Contribuintes” como órgão paritário; lembrando, entretanto, que uma coisa é ter legitimidade para lançar tributo e outra bem diferente é analisar o lançamento tributário como julgador.

Ora, não é preciso fazer muito esforço para perceber que aqui a relação é outra. O secretário da Fazenda na condição de agente político, investido na função de julgar o crédito tributário constituído pelo auditor, deve atuar de forma técnica e com imparcialidade diante dos argumentos trazidos pelo contribuinte, dizendo, em suma, quem tem razão, se o auditor ou se o contribuinte, mas nunca de forma discricionária em função da hierarquia do cargo, poderá desfazer o ato de lançamento.

Ou seja, sua função, em resumo, está em interpretar e aplicar a lei tributária, sendo obrigado a fundamentar suas decisões administrativas, obedecendo os limites que a legislação lhe impõe, com o fim máximo de distribuir justiça, papel este que não é, essencialmente, do auditor tributário municipal, o qual tem a missão de arrecadar, fiscalizar e controlar a entrega do dinheiro pelo contribuinte ao Estado, sem, obviamente, deixar de cumprir seus deveres como respeito no trato com o contribuinte, por exemplo.

Ainda que a estrutura organizacional do município, instituída mediante lei municipal, dê poderes ao secretário da Fazenda para efetuar lançamento tributário, mesmo assim, se o motivo da impetração do writ for o lançamento, este não poderá integrar o mandado de segurança como autoridade coatora, se não estiver investido no cargo de auditor, porque, em nosso entendimento, esta lei seria inconstitucional.

No STJ, a matéria relativa à ilegitimidade do secretário da Fazenda como autoridade coatora em relação a questões de lançamento tributário tem se destacado nos últimos tempos, conforme se depreende dos recentes julgados a seguir transcritos:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. AUTUAÇÃO FISCAL. SECRETÁRIO DE FAZENDA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. INAPLICABILIDADE.
1. Hipótese em que a empresa pretende afastar autuação fiscal relativa ao ICMS paraense.
2. O delegado Regional Tributário é autoridade competente para autuar. O julgamento de impugnação é realizado pelo Diretor da julgadoria de primeira instância e, em segunda instância administrativa, pelo Tribunal Administrativo de Recursos Fazendários, nos termos da Lei estadual 6.182/1998.
3. A autoridade impetrada (secretário de Fazenda) não tem competência para autuar a contribuinte, tampouco para rever o lançamento realizado pela autoridade fiscal.
4. O secretário de Fazenda secunda o governador na elaboração e implantação das políticas fiscais, o que não se confunde com lançamento, cobrança de ICMS ou análise de pedidos de restituição.
5. Inaplicável a Teoria da Encampação, pois haveria ampliação indevida da competência originária do Tribunal de Justiça.
Precedentes do STJ.
6. Nos termos do artigo 161, I, "c", da Constituição estadual, o TJ julga originariamente Mandado de Segurança impetrado contra secretários de Estado, mas não contra diretor de Receita Pública ou autoridades integrantes dos órgãos de julgamento administrativo.
7. Recurso Ordinário não provido.
[2]

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. INCONSTITUCIONALIDADE DAS ALÍQUOTAS MAJORADAS. COMPENSAÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE RECOLHIDOS. SECRETÁRIO DE FAZENDA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. INAPLICABILIDADE. 1. Hipótese em que a empresa pretende impedir o lançamento de diferenças relativas às alíquotas majoradas do ICMS, ou à compensação realizada com base nos valores indevidamente recolhidos, por reputá-las inconstitucionais. Impetrou writ contra o secretário de Fazenda. O TJ extinguiu o feito sem julgamento do mérito, por ilegitimidade passiva. 2. O diretor de Fiscalização em Estabelecimentos é a autoridade responsável consoante o artigo 114 do Regimento Interno da Secretaria da Fazenda do Distrito Federal (Portaria SEFP 648/2001). O Secretário de Fazenda secunda o governador na elaboração e implantação das políticas fiscais, o que não se confunde com lançamento, cobrança de ICMS ou análise de pedidos de restituição. 3. Inviável aplicar a Teoria da Encampação, pois haveria ampliação indevida da competência originária do Tribunal de Justiça. Precedentes do STJ. 4. Nos termos do artigo 8º, I, "c", da lei que dispõe sobre a organização judiciária do Distrito Federal e Territórios, o TJ julga originariamente Mandado de Segurança impetrado contra Secretários de Estado, mas não contra diretor de Fiscalização em Estabelecimentos. 5. Recurso Ordinário não provido.[3]

Vencida esta etapa e afastada, dependendo do caso, a legitimidade do secretário da Fazenda municipal para figurar como autoridade coatora de ação mandamental, em matéria de lançamento tributário, faz-se outra e não menos importante indagação: quem deve figurar então no pólo passivo do mandamus?

Num primeiro momento, poderíamos responder com segurança que a autoridade impetrada, nestes casos, é o superior hierárquico dos auditores fiscais municipais. Ocorre que, para a máxima valer, é necessário que este também tenha se submetido a concurso público para o cargo de auditor, posto que sem este requisito, esta autoridade não terá competência para lançar e, assim, consequentemente, nem para determinar o desfazimento do ato administrativo, donde se conclui que também não poderá ser apontado como autoridade coatora nos mandados de segurança em que se discute conteúdo formal ou material de lançamento tributário.

Assim, nos municípios onde tanto o secretário da Fazenda como o diretor de Receita ou outra titulação que se queira dar ao responsável pela “turma” da administração tributária municipal, que é representada pelos auditores fiscais, forem comissionados, a única autoridade legitimada para responder ao mandamus é o próprio auditor que formalizou o crédito tributário pelo lançamento.

Vejamos agora, alguns contornos da teoria da encampação em matéria de lançamento tributário e se há possibilidades da mesma ser arguida e aproveitada pelo contribuinte quando houver manifestação sobre o mérito pela autoridade coatora dita ilegítima. Entendemos que não.

Segundo jurisprudência consolidada pela 1ª Seção do STJ, a partir do julgamento do MS 10.484/DF, de relatoria do então ministro José Delgado (DJ de 26/9/2005), para a aceitação da teoria da encampação, devem estar presentes três requisitos, cumulativamente, quais sejam: (a) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; (b) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas; e (c) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição da República.

Ora, como se viu acima, a existência de vínculo hierárquico entre os auditores tributários municipais e o secretário da Fazenda limita-se a questões ligadas a cumprimento de horário, disciplina em suas ações, deveres éticos, implantação de políticas fiscais, mas jamais na constituição do crédito tributário, sendo unicamente do auditor esta competência, tanto que se o lançamento não for realizado ou for efetuado de forma negligente, o auditor deverá ser responsabilizado funcionalmente mediante instauração de processo administrativo disciplinar, conforme interpretação do parágrafo único, do artigo 142, do Código Tributário Nacional.

Por este motivo, e considerando que a formalização do crédito tributário não pode sofrer interferência do secretário da Fazenda municipal ou de outro superior hierárquico que não esteja investido no cargo de auditor tributário, ainda que haja manifestação sobre o mérito do ato impugnado, mesmo assim não poderá haver prevalência da teoria da encampação, em face da impossibilidade de caracterização de um dos requisitos exigidos, qual seja, aquele relativo à existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a aquela que praticou o ato impugnado.

A doutrina assim se manifesta sobre o primeiro requisito para a caracterização da encampação:

O primeiro requisito determina a existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou às informações e a que ordenou a prática do ato impugnado. Em suma, a autoridade superior avoca o ato de seu subordinado como sendo seu, prestando as informações como se fosse o titular do ato impugnado. [4]

Veja-se como tem se pronunciado o STJ nessa questão em particular, em transcrição de trecho de decisão lavrada pelo ministro Félix Fischer:

A teoria da encampação, segundo o entendimento da doutrina e da jurisprudência, é aplicada quando a autoridade – embora não responsável pela prática do ato – é apontada como coatora no mandamus e, ao prestar suas informações, assume a defesa do ato praticado pela autoridade subordinada.
Contudo, observo que a relação de subordinação entre a autoridade que efetivamente pratica o ato e a indicada no mandamus como coatora deve ser de grau imediato, ou seja, a autoridade que efetivamente praticou o ato inquinado deve ser subordinada diretamente à autoridade que o encampou. A não ser assim, ter-se-ia que admitir, v.g., que um mandado de segurança no qual se impugna ato de um chefe de departamento de determinado órgão da União Federal, seja apreciado diretamente pelo Supremo Tribunal Federal, pelo simples fato de que tenha também sido indicado como autoridade coatora o presidente da República, o qual, em razão do princípio da eventualidade, além de alegar sua ilegitimidade passiva, acabou por defender o ato indicado como coator. Nessa hipótese, estar-se-ia legitimando a supressão de instância, mediante a aplicação da chamada teoria da encampação.
[5]

Assim, sempre que um contribuinte resolver impetrar mandado de segurança por ato administrativo relativo à constituição de crédito tributário pelo lançamento, mormente em questões de Direito Tributário municipal, deve cercar-se de cautelas preventivas, no sentido de apontar corretamente a autoridade coatora, que na realidade, dependendo do caso, poderá ser o próprio auditor, sob pena de ter seu processo judicial extinto sem julgamento do mérito.

REFERÊNCIAS

Art. 142, art. 194 a 200, todos do Código Tributário Nacional.

Art. 6º § 3º da Lei nº 12.016/2009.

Art. 37, inciso XXII, da Constituição Federal.

POMPERMAIER, Cleide Regina Furlani. Administração tributária nos municípios: a carreira do auditor fiscal municipal e a legitimidade do crédito tributário. Disponível no seguinte endereço eletrônico: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18401/administracao-tributaria-nos-municipios>. Acesso em 02 de março de 2011.

Emenda Constitucional nº 42/2003.

Art. 52, inciso XV, da Constituição Federal.

STJ – RMS 29478 / PA RMS 29478 / PA DJe 23/06/2010.

STJ – RMS 32342 / DF Ministro HERMAN BENJAMIN DJe 02/02/2011

STJ – MS 10.484/DF, Ministro JOSÉ DELGADO DJ de 26.9.2005

RAMOS, Diego da Silva. Teoria da encampação e sua aplicação. Disponível no seguinte endereço eletrônico <

STJ – MS 12.056/DF, FÉLIX FISCHER, Terceira Seção, DJ de 4/10/06.


[1] POMPERMAIER, Cleide Regina Furlani. Administração tributária nos municípios: a carreira do auditor fiscal municipal e a legitimidade do crédito tributário. Disponível no seguinte endereço eletrônico: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18401/administracao-tributaria-nos-municipios>. Acesso em 02 de março de 2011.

[2] STJ – RMS 29478 / PA RMS 29478 / PA DJe 23/06/2010.

[3] STJ – RMS 32342 / DF Ministro HERMAN BENJAMIN DJe 02/02/2011

[4] RAMOS, Diego da Silva. Teoria da encampação e sua aplicação. Disponível no seguinte endereço eletrônico < http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=4577> Acesso em 04 de março de 2011.

[5] STJ – MS 12.056/DF Terceira Seção, DJ de 4/10/06.