Responsabilidade dos sócios nas execuções fiscais
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O caput do artigo 135 do Código Tributário Nacional prescreve que: “são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes as obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”.
Assim, a regra gizada no mencionado artigo, limita taxativamente o alcance para a imputação da responsabilização dos sócios perante as execuções fiscais, determinando prova do excesso de poderes ou infração a lei, contrato social ou estatutos. Importa destacar que é muito comum o fisco requerer o redirecionamento das execuções fiscais em detrimento dos sócios em virtude do inadimplemento da obrigação tributária, ou sob uma certa presunção de dissolução irregular de sociedade.
Nesse diapasão, é imperioso destacar que a responsabilidade solidária na redação clara do artigo 265 do Código Civil, não se presume, resulta da lei ou vontade das partes, cabendo trazer a baila desse entendimento à decisão contida na Revista dos Tribunais 155:706, 109:465 em que destaca: “A solidariedade é sempre convencional, sendo oriunda de contrato ou testamento, logo não pode ser instituída por lei. Se a lei não impuser ou o contrato não estipular, não se terá solidariedade”.
Dessa forma, a simples presunção de que o inadimplemento da obrigação tributária é motivo plausível a justificar a inclusão do sócio no pólo passivo da execução, afronta os limites da própria redação do artigo 135 do CNT, haja vista, que o referido dispositivo não encerra a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, posto que apenas cuida da responsabilidade pessoal daqueles que representam a pessoa jurídica quando agem com excesso de poderes ou infração de lei contrato social ou estatutos, e que na maioria dos casos, o fisco não traz elementos sólidos a comprovar tal ilícito, submetendo terceiros a participarem da tortuosa constrição de bens e do constrangimento de serem incluídos no pólo passivo das execuções fiscais.
Destaca-se que em qualquer espécie de sociedade comercial é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas obrigações contraídas pelas dívidas sociais. Os representantes legais, como diretores ou gerentes não respondem pessoalmente por dívidas contraídas em nome da sociedade, porém, respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente em virtude de excesso de mandato e pelos atos praticados com violação ao estatuto ou contrato, desde que comprovado o dolo ou a fraude.
A obrigação do recolhimento do tributo devido pela empresa é da pessoa jurídica, e não do diretor ou sócio gerente, uma vez que com ele não se confunde. Bem se vê que nas sociedades anônimas a responsabilidade dos sócios, participantes ou acionistas, limita-se ao montante das ações por eles subscritas ou adquiridas, conforme inciso I e II do artigo 158 da Lei 6.404/76. O mesmo ocorre nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Os sócios, diretores, gerentes ou representantes da sociedade, somente são responsáveis por substituição, ou seja, pelos créditos decorrente de atos ou fatos maculados de excesso de poderes.
Ressalta-se que a prova incumbe ao fisco, e uma vez que este não tenha trazido aos autos quaisquer indícios de prática de atos previstos no aludido artigo 135 do CTN, não estará configurada a obrigação tributária do sócio-gerente, implicando em sua ilegitimidade para figurar no pólo passivo da execução fiscal. As hipóteses de responsabilidade tributária prevista no artigo 135 do CTN não se fundam no mero inadimplemento da sociedade, mas na conduta dolosa ou culposa, especificamente apontada pelo legislador, por parte do gestor da pessoa jurídica.
Por outro lado, aliado com a alegação do inadimplemento da obrigação tributária, o sujeito ativo da execução, quando não localiza o executado (pessoa jurídica), parte para a presunção da suposta dissolução irregular da sociedade. Essa simples alegação, não possui amparo no ordenamento jurídico, posto que a matéria que regula dissolução de sociedade é eminentemente de direito privado e o seu conceito não pode ser esgarçado pelo fisco, por suposições, ou presunções.
Veja-se a redação do art. 1.033 do Código Civil e seus incisos: “Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: I — o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; II — o consenso unânime dos sócios; III — a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; IV — a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; V — a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar”.
Como se observa no rol do artigo acima mencionado, a denominada dissolução irregular de sociedade não está inserida no ordenamento, o que caracteriza a mera presunção para uma eventual responsabilização. Assim, dentre os requisitos para consubstanciar a responsabilidade tributária, do sócio-gerente, inclusive na eventual argumentação de dissolução irregular da sociedade, está o elemento subjetivo, ou seja, a atuação dolosa ou culposa, vedado ao intérprete da lei em esgarçar o seu conceito ou alcance a ensejar a imposição da “responsabilidade” em detrimento de diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
A questão merece raciocínio lógico e uma aplicação interdisciplinar entre o Direito Privado e o Direito Tributário, para tanto, traz-se à colação o entendimento do eminente Ruy Barbosa Nogueira que ensina: “…quando as categorias de Direito Privado estejam apenas referidas na lei tributária, o intérprete há de ingressar no Direito Privado para bem compreendê-las, porque neste caso elas continuam sendo institutos, conceitos e formas de puro Direito Privado, porque não foram alteradas pelo Direito Tributário, mas incorporadas sem alteração e portanto vinculada dentro deste[1]”.
Importa destacar que o artigo 110 do CTN arremata: “A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.
O Superior Tribunal de Justiça, em especial a 1ª Turma e a 2ª Turma, vem apreciado a matéria e decidindo reiteradamente pela impossibilidade de imputação de responsabilidade ao sócio-gerente de sociedade, caso não se tenha demonstrado que a pessoa física tenha agido com excesso de poderes ou infração a lei, contrato social ou estatutos nos termos do artigo 135 do Código Tributário Nacional. Assim demonstra os precedentes das seguintes decisões: AgREsp 638.326, Ministro Francisco Falcão, REsp 641.407-RS Ministro Franciulli Netto, AgrRg no Ag 684.639-MS Ministro José Delgado, REsp 700.711 e EDcl no Ag 666.250, Ministro João Otávio de Noronha.
Conclui-se, portanto que: i) a responsabilidade dos sócios, em relação às dívidas fiscais da pessoa jurídica contraída por esta, somente se afirma se aquele, no exercício da gerência ou de outro cargo na empresa, agiu com abuso de poder ou infringiu a lei, o contrato social ou estatutos; ii) a responsabilidade societária, não se caracteriza pelo mero descumprimento da obrigação principal — na exata dicção do que dispõe o parágrafo 1º do artigo 113 do CTN —, se não for comprovado o dolo ou fraude. A simples mora da sociedade devedora contribuinte, inadimplemento que encontra nas normas tributárias adequadas as respectivas sanções, não se traduz em ato violador da norma a ensejar a responsabilidade tributária nos termos do artigo 135 do CTN: iii) A prova da materialidade do suposto “ilícito” incumbe somente a exeqüente; iv) o conceito de dissolução de sociedade é matéria de direito privado não podendo tolerar interpretação alheia a que o próprio artigo 1.033 do Código Civil prescreve e; v) necessário sempre observar a citação válida do sócio da pessoa jurídica dentro do prazo prescricional de cinco anos.
[1] NOGUEIRA, Ruy Barbosa, Curso de Direito Tributário, 4ª edição. Ed. Saraiva, 1995, p. 104