Repasse obrigatório de empresa ao governo é criticado por especialistas
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R7
Projeto que prevê que companhias sejam obrigadas a emprestar dinheiro para o governo combater a pandemia pode ter urgência votada na quarta
Está prevista para a sessão virtual da próxima quarta-feira (22), na Câmara dos Deputados, a votação da urgência do projeto de lei complementar 34/20, que institui o empréstimo compulsório de empresas para o governo. Pelo texto, o dinheiro emprestado só pode ser usado para pagar despesas urgentes causadas pela situação de calamidade pública em função da pandemia do novo coronavírus.
A proposta é polêmica porque obriga as maiores empresas do País a emprestar dinheiro ao governo, em um momento em que elas também lutam para manter suas atividades e empregos.
O texto, de autoria do líder do PL, deputado Wellington Roberto (PB), obriga as companhias com sede no Brasil, com patrimônio líquido igual ou superior a R$ 1 bilhão, a emprestar ao governo federal de forma obrigatória até 10% do lucro líquido apurado em 2019. O percentual de cada setor será definido pelo Ministério da Economia.
Entre as empresas que têm patrimônio líquido maior que R$ 1 bilhão, de acordo com ranking da Revista Exame de 2017, estão a Petrobras, Vale, Telefônica, Ambev, Metrô, Repsol, JBS, Gerdau, Redecard, Bovespa, Furnas, Tim, Sabesp, Claro, Eletronorte, Telemar, ArcelorMittal, Fibria e Usiminas, só para citar as maiores.
O empréstimo da Petrobras ao governo, por exemplo, poderia ser de até R$ 4 bilhões, uma vez que a empresa teve lucro líquido de R$ 40 bilhões em 2019. Já a Vale ficaria desobrigada pois registrou prejuízo no ano passado.
Os valores, de acordo com o texto da Câmara, teriam que ser pagos ao governo em até 30 dias após a publicação da nova legislação, caso aprovada. E o governo teria até quatro anos, após o fim da pandemia, para restituir os valores emprestados às empresas, em parcelas mensais, com juros (Selic).
Para o especialista em Direito Tributário e professor do Ibmec Brasília Thiago Sorrentino, a proposta é bem-intencionada e se justifica no sentido de que todos devem fazer sacrifícios financeiros em momento da pandemia. Do ponto de vista tributário, no entanto, não é a melhor forma de aumentar os recursos do Executivo.
“A Constituição prevê essa possibilidade dos empréstimos compulsórios, que na verdade têm esse nome, mas são tributos, porque se submetem a todas as regras do sistema tributário. Eles foram muito utilizados no Brasil na década de 80, sobre combustíveis ou passagens aéreas, mas deixaram de ser utilizados por dois motivos. Primeiro, porque a União tinha dificuldade de devolver esse dinheiro e queria pagar em ações, bônus, mas a legislação tributária prevê o pagamento em dinheiro. O outro motivo é que o governo tem outras formas de arrecadar sem ter que pagar com juros depois. Com impostos, por exemplo”, explica.
Outro problema do projeto que tramita na Câmara, apontado por Sorrentino, é a possibilidade de a medida acabar deixando as empresas em dificuldades, precisando de ajuda do governo para manter atividades e empregos.
“O grande problema do compulsório como foi proposto é que olha para o passado das empresas (patrimônio) e pede para que elas paguem hoje. Ela ter um patrimônio líquido não significa que hoje ela esteja em boa situação financeira. E mesmo que tenha tido lucro do ano passado, esse recurso já pode ter sido destinado a outros investimentos. Esse dinheiro pode estar imobilizado. Isso pode trazer um descompasso. O governo pode pegar com uma mão e ter que devolver depois lá na frente”, complementa o especialista.
Ainda para o professor, os Poderes Executivo e Legislativo deviam tratar de soluções conjuntas, e não pontuais, para resolver os desafios da pandemia.
“Há outras formas de financiamento na Constituição, e as medidas para a pandemia deveriam ser olhadas como um todo. A Constituição prevê outros mecanismos, do que o próprio autoendividamento, com emissão de títulos ou se desfazendo de bens desnecessários. A ideia dos compulsórios é bem-intencionada, mas ruim nesse momento”, avisa.
A CNI (Confederação Nacional da Indústria) também considera a apresentação do projeto de lei equivocada. “O PLP 34 vai na direção contrária aos desafios da indústria de manter produção, abastecimento e empregos neste momento de retração econômica”, diz em nota.
O presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, alerta que o momento requer medidas como a flexibilização monetária, redução de juros, abertura de linhas de crédito e adiamento do pagamento de tributos.
“A hora é de viabilizar a continuidade de negócios e a manutenção de empregos. Esse projeto traria grande impacto econômico às empresas, gerando sem dúvida o efeito contrário ao esperado. A proposta vai na contramão das medidas adotadas pelo governo de promover a liquidez e ampliar a oferta de recursos voltados para a manutenção dos empregos, e não leva em consideração a essencialidade dos setores atingidos, o planejamento de investimentos e os compromissos assumidos pelas empresas”, acrescenta.
Apesar da polêmica, o autor da proposta, Wellington Roberto (PL-PB), defende a medida, justificando que Constituição Federal prevê, em seu artigo 148, a possibilidade de se instituir empréstimos compulsórios para custear despesas extraordinárias em cenários de calamidade pública. Ele diz ainda que não se trata de ação constritiva ou confiscatória do patrimônio, já que é obrigatório determinar prazos e condições de resgate dos empréstimos. “Esse projeto vai arrecadar recursos que poderão servir a ajudar a combater imediatamente o coronavírus, numa situação de extrema gravidade com o País quebrado”, acrescenta.
O texto é de fato constitucional, como explica o professor de Direito Constitucional do Ibmec Paulo Palhares: “Há previsão constitucional para empréstimos compulsórios por lei complementar. É um empréstimo vinculado. Ou seja, só pode ser usado para o combate à covid-19”.
Apesar da constitucionalidade, Palhares também faz ressalvas: “Por ser um empréstimo ele precisa ser devolvido e o governo nos próximos anos pelos gastos com a covid-19 vai precisar de reforço de caixa para devolver o dinheiro, com ajuste do fluxo de caixa do governo. Há outras opções, como a implementação do imposto sobre grandes fortunas, que também tem previsão constitucional. Há resistência política e precisaria de estudo mais aprofundado dos impactos, mas nesse caso o governo não teria a obrigação de devolver os recursos”.
O deputado Arthur Lira (PP-AL), líder do bloco PP, PL, PSD, MDB, DEM, Solidariedade, PTB, Pros, Avante e Patriota, foi o autor do pedido de urgência para a proposta.