A US Securities and Exchange Commission (SEC) – a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) dos Estados Unidos – passou a exigir desde o início deste ano que as empresas que seguem as regras contábeis americanas façam uma abertura detalhada, em seus balanços, de todas as posições fiscais de imposto de renda consideradas incertas, mesmo aquelas que ainda não foram fiscalizadas pela Receita Federal. Isto significa que os planejamentos tributários e o uso de incentivos ficais terão que ser informados e em alguns casos as empresas terão até mesmo que fazer provisões, caso já exista jurisprudência desfavorável ao uso destes instrumentos para abater o imposto. A exigência é fruto de uma nova regra contábil dos Estados Unidos, apelidada de "FIN 48", que trará reflexos para os balanços das empresas brasileiras que têm ações negociadas na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE).
A preocupação das empresas brasileiras deve ser grande, segundo o diretor executivo da Ernst & Young, Erik Smith. Isto porque, pela nova regra, elas precisam fazer um detalhamento completo e documentado – uma verdadeira "due dilligence" – de todas as suas decisões sobre o pagamento de imposto de renda dos últimos cinco anos. Este período corresponde ao prazo prescricional para possíveis autuações da Receita Federal. A documentação detalhada não precisa ser divulgada aos investidores ou repassada à SEC, mas abre caminho para uma fiscalização muito mais acirrada e efetiva, já que os fiscais da Receita podem pedir à empresa o documento produzido em função da FIN 48 – e nele vão encontrar todos os caminhos usados pela empresa para economizar imposto de renda.
Até agora poucas companhias brasileiras divulgaram balanços em US GAAP (que segue as regras contábeis americanas) porque a divulgação trimestral não é obrigatória. Por enquanto, há informações prestadas pela Gerdau, TAM, Gol, Vale do Rio Doce e Petrobras. Todas dizem que a adoção da nova regra da Junta de Normas de Contabilidade Financeira (FASB, na sigla em inglês) não trouxe impactos significativos em seus balanços. Mas alguns sinais já foram demonstrados.
A Gerdau, por exemplo, informou que tem R$ 22 milhões de benefícios fiscais não reconhecidos em seu balanço, dos quais R$ 19 milhões, se reconhecidos, reduziriam a alíquota do imposto de renda. A companhia foi procurada para explicar melhor a nota explicativa, mas até o fechamento desta edição sua assessoria de imprensa não respondeu à reportagem. No balanço em US GAAP da Petrobras também pode se notar a diferença. A parte das notas explicativas que trata de informações de imposto de renda e contribuição social está agora mais detalhada. Por meio de sua assessoria de imprensa, a companhia informou que, de fato, o detalhamento já é um reflexo da adoção das normas da FIN 48.
O real impacto, entretanto, só poderá ser mensurado em meados do ano que vem, quando as empresas brasileiras divulgam o chamado formulário 20F, que seria o equivalente aos balanços anuais divulgados no Brasil. A aplicação das regras pelas empresas americanas e pelas brasileiras pode trazer impactos diferenciados. Isto porque nos Estados Unidos é usual a negociação de débitos com o fisco sem um processo administrativo nos moldes brasileiros, segundo explica Roberto Haddad, sócio da KPMG especialista em tributação internacional. Com isso, as regras de provisionamento em função da FIN 48 são mais flexíveis nos Estados Unidos do que no Brasil.
Uma pesquisa da Ernst & Young mostra que, no primeiro semestre deste ano, 44% das empresas de capital aberto americanas reduziram o valor de suas provisões ao seguirem a FIN 48. Cerca de 27% tiveram que aumentá-las e apenas 6% não fizeram nenhuma alteração nos balanços. Mas o diretor executivo da Ernst no Brasil, Erik Smith, diz que diretores da SEC já se manifestaram publicamente dizendo que a abertura de posições fiscais feita até agora não é suficiente.
O sócio da área de auditoria da Deloitte, Bruce Mescher, explica que a FIN 48 é uma tentativa americana de criar mais consistência nas informações prestadas pelas empresas. "As regras de contingências existentes são focadas apenas no passivo", diz Mescher. "A FIN 48 muda a perspectiva, pois é focalizada no ativo, no benefício fiscal". Isto significa que, para fins contábeis, a empresa não tem o direito de reconhecer o benefício e tem que provar que a posição fiscal adotada é sustentável.
Essa posição fiscal sustentável afeta diretamente os planejamentos tributários. As auditorias independentes passam a ser obrigadas a exigir das empresas pareceres independentes para confirmar se determinada posição é ou não sustentável. A regra diz que uma posição fiscal incerta só pode ser reconhecida quando a probabilidade de êxito frente a uma possível contestação for maior que 50%. A partir disso, é preciso comunicar no balanço e fazer uma provisão para fazer frente a uma eventual perda.
O advogado Plínio Marafon, do escritório Braga & Marafon, diz que nos últimos meses já fez cinco pareceres para empresas que precisavam sustentar seus planejamentos tributários e, assim, evitar a exigência de sua divulgação ou provisionamento no balanço. Mesmo os planejamentos tributários ainda em andamento já estão sendo afetados. "As empresas querem saber se o planejamento se enquadra na FIN 48", diz Marafon. Desta forma, evitam ter que dar a informação "de bandeja" ao fisco, já que a regra diz que as empresas precisam divulgar planejamentos tributários antes mesmo de sofrerem autuações.
O gerente de normas contábeis da CVM, José Carlos Bezerra da Silva, diz que a Deliberação nº 489 do órgão tem o mesmo tipo de previsão da FIN 48, ou seja, de divulgação de planejamentos tributários questionáveis. Mas auditores e advogados entendem que a regra da CVM é uma regra sobre contingências, ou seja, quando a posição fiscal já foi questionada pelo fisco. Bezerra diz que as demonstrações financeiras em balanço que seguem as regras contábeis brasileiras deveriam ser as mesmas que as prestadas à SEC. Na prática, porém, isto não acontece, segundo alguns auditores – por ser a fiscalização da SEC mais austera do que a da CVM e também pelas regras rígidas da Lei Sarbanes Oxley.
As regras da FIN 48 também afetam as subsidiárias de empresas americanas instaladas no Brasil. Mas, neste caso, a abertura é menor porque a informação acaba diluída no balanço consolidado nos Estados Unidos.