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Reforma tributária, Simples Nacional e pequenas empresas

Publicado em:

André Silva Spínola
 

 

 

 
Em fevereiro último, a proposta de Emenda à Constituição nº 233, de 2008, foi encaminhada ao Congresso Nacional com o maior intuito de simplificar o esquizofrênico sistema tributário brasileiro. Conseqüentemente, também elenca como objetivo ampliar o crescimento e a competitividade das empresas, justamente pelo desembaraço que irá causar na atividade empresarial e nos investimentos. A redução de carga tributária não é o foco principal da proposta, mas acabará por acontecer por via transversal à racionalização da tributação sobre a produção e investimentos e desde que se efetive a desoneração da folha de pagamentos.

 

Em linhas gerais, a proposta extingue a Cofins, o PIS, a Cide-Combustíveis e o Salário-Educação, substituindo-os pelo Imposto sobre Valor Adicionado Federal (IVA-F), incidente sobre operações com bens e serviços. Prevê também a fusão do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Em um segundo momento, seria realizada a redução gradativa da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento de 20% para 14%.

 

Já com relação ao ICMS, responsável pelas maiores atrocidades tributárias dos últimos tempos, está prevista a uniformização de sua incidência, por meio de uma lei complementar que substituiria as legislações estaduais e suas milhares de páginas. Caberia aos Estados a regulamentação interna e os ajustes necessários para manutenção da sua arrecadação. Isto em uma transição de oito anos após aprovação reforma.

 

Estão previstos instrumentos como o crédito presumido para investimentos e alíquotas reduzidas para os produtos da cesta básica, em um ambiente de não cumulatividade e de incidência majoritária no destino das mercadorias. É bastante provável que as alterações da PEC nº 233 tragam para os pequenos negócios considerável parte dos benefícios previstos para as demais empresas, principalmente no campo de incidência do ICMS – a pedra no sapato do Simples Nacional e do sistema tributário brasileiro.

 


Não é possível mensurar o impacto do novo ICMS nos optantes do Simples Nacional, mas um bom caminho é trilhado


 

O Simples Nacional entrou em vigor em 1º de julho passado e, após quase um ano de vigência, trouxe alguns desapontamentos ao segmento empresarial. Menos pelos seus dispositivos e muito mais pela forma como foi recepcionado por alguns Estados, que boicotaram o novo regime, abusando da substituição tributária e da cobrança de ICMS nas fronteiras, com a aberração do "ICMS Garantido Integral", bem como distorcendo a exigência do diferencial de alíquota nas operações interestaduais. Isto sem contar a incompreensível resistência em manter mecanismos de incentivo contidos nos Simples estaduais, revogados pela Lei Complementar nº 123, de 2006, que, a seu turno, previu a manutenção e melhoria destes benefícios, na forma de seu artigo 18, parágrafo 20, com a alteração apenas da forma de cobrança, que deve se dar em consonância com o novo sistema. Com o tempo estas distorções vêm sendo resolvidas, até porque fica claro para os governantes que os pequenos negócios, apesar do seu grande número, respondem por uma parcela ínfima na arrecadação tributária do país.

 

Em relação à arrecadação do ICMS, nenhum Estado brasileiro teve recuo na arrecadação tributária após a vigência do novo regime. Só para se ter uma idéia, de acordo com dados da declaração de IRPJ de 2004, 97,6% das empresas do país têm receita bruta anual inferior a R$ 2,4 milhões e respondem por apenas 13,8% das receitas declaradas. A representatividade da empresa optante pelo Simples Nacional no bolo tributário nacional é residual, haja vista, além da pequena representatividade no universo de receitas declaradas, as receitas tributárias relativas à substituição, diferencial de alíquota, limite regionais inferiores a R$ 2,4 milhões, ICMS de energia elétrica, telefonia, bebidas e automóveis, além de retenções e da considerável quantidade de empresas de serviços impedidas de usufruir deste regime.

 

Para as pequenas empresas, o atual texto da reforma prevê um tratamento diferenciado e favorecido conforme a redação proposta para o artigo 146, inciso III, alínea "d" da Constituição Federal. Ficam preservados o sistema unificado de arrecadação e a simplificação das obrigações tributárias vigente, enquanto que os problemas relativos a operações interestaduais tendem a ser resolvidos.

 

O texto da Lei Complementar nº 123 deverá ser alterado, no sentido de ajustar a partilha tributária prevista em relação aos novos tributos criados e extintos. Ainda não é possível mensurar o impacto do novo ICMS nos optantes pelo Simples Nacional, mas um bom caminho é trilhado, com a tributação no destino e uniformização da incidência. Como a maioria dos optantes é composta por contribuintes finais da cadeia produtiva, a proposta de redução da cumulatividade propiciada pelo IVA-F pode reduzir a carga tributária destas empresas, desde que seja levado em conta que o Simples Nacional incide sobre a receita bruta de seus optantes e haja um conseqüente ajuste.

 

Em linhas gerais, a reforma, se exitosa, trará grandes avanços para o país, proporcionando menos burocracia, redução contundente do câncer da guerra fiscal, tributação mais uniforme, mais investimentos, mais competitividade, dentre outros resultados. No entanto, não será suficiente para colocar o Brasil no rol de países com melhores práticas de tributação. Mesmo assim, podemos considerar que temos uma boa oportunidade de realizar uma boa reforma e devemos ponderar que, às vezes, "o bom é inimigo do ótimo", principalmente em um país complexo como o Brasil, preso em uma teia de interesses federativos e corporativistas bastante complexa.

 

André Silva Spínola é advogado e analista técnico da unidade de políticas públicas do Sebrae Nacional

 

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