Reforma faria profissional liberal e sócio de empresa pagarem mais imposto
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UOL – Reforma Tributária
A reforma do Imposto de Renda (IR) apresentada pelo governo, se aprovada, aumentará a carga tributária para alguns profissionais liberais e sócios de empresas, por causa da tributação de lucros e dividendos. Essa é a principal forma de remuneração de categorias que prestam serviço por meio de pessoa jurídica, que muitas vezes é um CNPJ de um sócio apenas.
Pagaria mais IR quem recebe qualquer distribuição de lucros e dividendos de empresa com faturamento acima de R$ 4,8 milhões e quem recebe mais de R$ 20 mil de lucros e dividendos de pequenas e médias empresas. MEIs (microempreendedores individuais) não seriam prejudicados.
A distribuição de lucros e dividendos hoje é isenta de Imposto de Renda. Ou seja, o sócio ou investidor que recebe não precisa pagar uma parte à Receita Federal, como fazem os empregados em relação aos seus salários.
O governo propõe recolher na fonte 20% sobre lucros ou dividendos, com uma exceção que beneficia sócios de pequenas e médias empresas (entenda mais abaixo).
Segundo especialistas, quem tiver de pagar o imposto sobre a distribuição de lucros e dividendos vai sair prejudicado mesmo com a atualização da tabela do IR, que alivia a alíquota final cobrada de todas as pessoas físicas.
Isenção para dividendos de micro e pequenas empresas
Pelo projeto, haveria uma isenção de R$ 20 mil por mês por pessoa física se a distribuição vier de microempresa ou empresa de pequeno porte. A medida beneficiaria quem recebe lucros e dividendos de pessoas jurídicas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões.
Caso alguém receba mais de R$ 20 mil de micro ou pequenas empresas, seria cobrado 20% sobre o valor excedente, considerando a soma total vinda daquelas pessoas jurídicas.
Se o profissional recebe lucros ou dividendos de empresa com faturamento anual maior que R$ 4,8 milhões, qualquer valor seria taxado em 20%.
Assim, a tributação ficaria mais pesada para um médico que recebe R$ 5.000 por mês dos lucros de uma grande empresa do que para um médico que montou uma empresa individual e ganha R$ 20 mil por mês em distribuição de lucros.
A classificação do porte da empresa é feita conforme o faturamento anual:
-ME (Microempresa): até R$ 360 mil
-EPP (Empresa de Pequeno Porte): acima de R$ 360 mil até R$ 4,8 milhões
-Média empresa: acima de 4,8 milhões até R$ 300 milhões
-Grande empresa: acima de R$ 300 milhões
As pessoas jurídicas podem ser classificadas também pela forma como se organizam, considerando número de sócios, responsabilidade dos sócios, abertura de capital etc. Nessas categorias estão, por exemplo, MEI, EI (Empresário Individual), Eireli (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada), LTDA (sociedade limitada) e SA (sociedade anônima).
Lucros e dividendos são diferentes de pró-labore e PLR
O lucro de uma empresa é o resultado positivo calculado após as despesas e pagamento de impostos. Em geral, as empresas de capital fechado dividem lucros proporcionalmente ao investimento de cada um de seus sócios, enquanto as de capital aberto distribuem dividendos proporcionais ao número de ações que a pessoa possui.
Donos de empresas ou sócios que trabalham para a pessoa jurídica podem receber em troca um pró-labore. Há divergências sobre a obrigatoriedade de se pagar pró-labore para sócios administradores. De acordo com Ângelo Peccini, especialista em direito tributário, o pró-labore geralmente leva em consideração o salário médio no mercado para o profissional que exerce função semelhante.
Sobre o pró-labore são cobrados IR e contribuição previdenciária (INSS). Por isso, é comum que a maior parte da remuneração dos donos e sócios, mesmo quando trabalham na empresa, seja repassada por meio de distribuição de lucros e dividendos, que é isenta.
A distribuição de lucros e dividendos também é diferente da PLR (Participação nos Lucros e Resultados), que é uma espécie de bônus pago aos funcionários, proporcional ao lucro da empresa. A PLR tem desconto de Imposto de Renda.
Mais imposto para profissionais liberais
José Arnaldo Fonseca Filho, advogado especialista em direito tributário, afirma que a tributação de lucros e dividendos faz parte de um projeto do governo para alcançar profissionais liberais e prestadores de serviços que se organizaram na forma de pessoas jurídicas.
Durante muitos anos os escritórios de advocacia, empresas médicas, empresas de jornalismo, de tecnologia e de publicidade começaram a investir dessa forma. Em vez de serem empregadas, as pessoas eram sócias e recebiam remuneração sempre como participação do resultado, ou seja, lucros e dividendos.José Arnaldo Fonseca Filho, do escritório Godke Advogados
Se aprovada a tributação de dividendos, esses profissionais pagariam mais Imposto de Renda. Na opinião do advogado, esse custo tende a ser repassado para o preço do serviço, o que terá um impacto negativo na economia.
Regra valeria para MEI, mas não teria impacto
Por lei, o MEI (microempreendedor individual) é uma modalidade de microempresa. Assim, mais 12,4 milhões de pessoas ficariam sujeitos à tributação de lucros e dividendos.
Mas como o faturamento anual do MEI não pode passar de R$ 81 mil, o empresário dificilmente receberia mais de R$ 20 mil em lucros e dividendos num mês.
Em regra, um MEI pode distribuir para a conta da pessoa física de 8% a 32% do faturamento na forma de lucros e dividendos isentos de IR. O percentual depende da natureza da atividade realizada.
Tributação de dividendos é justa?
O advogado Ângelo Peccini diz que a reforma proposta pelo governo não é ideal, mas representa um avanço em termos de justiça fiscal. O advogado afirma que a tributação de dividendos ajuda a compensar o aumento no limite de isenção para R$ 2.500, que vai beneficiar os mais pobres e a economia como um todo.
O ajuste na tabela do Imposto de Renda dá às pessoas físicas mais liberdade de consumo, e isso é vantajoso para as empresas.Ângelo Peccini, sócio do escritório Peccini Neto Advocacia
Segundo José Arnaldo Fonseca Filho, a tributação de dividendos será um desestímulo ao empreendedorismo. Ele afirma que essa não é a melhor medida para compensar a perda de arrecadação com nova tabela do IR. “É o governo dando com uma mão e tirando com a outra.”
O projeto prevê uma redução na alíquota geral do Imposto de Renda das empresas de 15% para 10% a partir de 2023. Esse alívio não compensa a tributação de lucros e dividendos, segundo o advogado.
Na opinião de Fonseca Filho, o governo deveria ter aumentado o imposto sobre o sistema financeiro, especialmente sobre os bancos, que continuam com grandes benefícios tributários.