Quem está (e quem não está) obrigado a observar a Lei nº 11.638/07 para fins tributários
Publicado em:
1. Introdução
Neste breve estudo pretendo discutir se a Lei n. 11.638 deve ou não ser observada por todos os contribuintes do IRPJ calculado com base no lucro real, independentemente do revestimento societário adotado.
Desde o advento do Decreto-lei n. 1.598/77, por força do caput do seu artigo 6º, lucro real é definido como sendo o lucro líquido do exercício ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação tributária. Em seguida, o artigo 7º estabelece que o lucro real deverá ser determinado com base na escrituração que o contribuinte deve manter, com observância das leis comerciais e fiscais. Portanto, em apertada síntese, o lucro real tem como ponto de partida o lucro líquido que deve ser determinado com observância das leis comerciais.
A Lei n. 11.638, toda gente sabe, integra o rol das “leis comerciais” e, portanto, é razoável inferir que, à primeira vista, ela deve ser observada pelos sujeitos passivos que recolhem o IRPJ calculado com base no lucro real. Todavia, quando se constata que a Lei n. 11.638 não se aplica a todas as sociedades, surge a dúvida se ela deve ser adotada por todos os contribuintes que apuram o lucro real, ou se, ao contrário, aplica-se a apenas uma parte deles. Se procedente a dúvida, o conceito de lucro real seria variável em razão da diversidade semântica que se possa atribuir à expressão “leis comerciais”, de modo que, em suma, o conceito seria dado pelo contexto da interpretação em cada caso e isto teria conseqüências práticas que não podem ser desprezadas.
2. O Início de Tudo: O Decreto-Lei N. 1.598/77
Salvo erro ou omissão, a expressão “lucro real” foi adotada pela primeira vez na Lei n. 4.506/64. De fato, o parágrafo 2º do artigo 37 da citada Lei dispunha que: “Considera-se lucro real, para os efeitos desta lei, o lucro operacional da empresa, acrescido ou diminuído dos resultados líquidos de transações eventuais”. O Decreto-lei n. 1.598 modificou profundamente esse conceito, como visto.
O Decreto-lei n. 1.598/77 foi editado após o advento da Lei n. 6.404/76 que, à época, foi considerada um marco em matéria de direito contábil porque – como nunca antes – continha regras sobre contabilidade acerca do registro e mensuração das mutações patrimoniais. O citado Decreto-lei foi editado com a finalidade de adaptar a legislação tributária ao novo quadro do direito contábil; todavia, acabou por colocar a Lei 6.404, – na parte em que regulava a apuração do lucro líquido – como parte integrante do seu próprio texto ao dizer (no item XI do artigo 67) que o lucro real seria apurado de acordo com a Lei n. 6.404/76. Assim, apesar de algumas hesitações iniciais, ficou assentado que a expressão “leis comerciais” contida no texto do artigo 7º do Decreto-lei n. 1.598/77 fazia alusão à Lei n. 6.404/76, de modo que o contribuinte do IRPJ calculado com base no lucro real, fosse qual fosse o revestimento societário que viesse a adotar, estaria sujeita à apuração do lucro líquido de acordo com o estabelecido na Lei que foi editada para regular exclusivamente as sociedades por ações.
A rigor, a lei tributária adotou a lei societária por um processo de aglutinação, de modo que esta passou a ser de observância obrigatória para o fim de apuração do lucro real mesmo pelas sociedades que não fossem constituídas sob a forma de sociedades por ações.
Esse quadro não mudou com o advento do parágrafo 1º do artigo 37 da Lei n. 8.981/95 que repetiu o texto do Decreto-lei n. 1.598/77 e está reproduzido no parágrafo 1º do artigo 247 do RIR/99. Também não houve mudança com o advento do Código Civil de 2002 que introduziu uma série de regras contábeis para as sociedades nele reguladas. As regras do Código Civil, afinal, estavam em linha com as contidas na Lei n. 6.404/76 a despeito da existência de lacunas abismais no seu texto. A rigor, para fins fiscais, o Código Civil deveria mesmo ter sido ignorado em razão da vigência do item XI do artigo 67 do Decreto-lei n. 1.598/77.
3. O Advento da Lei 11.638
Para compreender os efeitos da Lei n. 11.638 nesta matéria é imprescindível estabelecer uma separação entre o plano do direito societário e o plano do direito tributário.
Para fins societários a Lei n. 11.638 aplica-se a todas as sociedades por ações (na medida em introduz modificação no texto da Lei n. 6.404/76) e, por força do seu artigo 3º – aplica-se às sociedades de grande porte (cuja definição é encontrada no parágrafo único do artigo 3º) ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações. Logo, no plano societário, estão fora do campo de incidência da Lei n. 11.638 as sociedades limitadas (simples ou empresárias); as sociedades em conta de participação, as sociedades em comandita simples e as sociedades em nome coletivo e as demais sociedades previstas em leis especiais, como são as cooperativas etc.
No plano tributário é possível afirmar que todos os contribuintes que recolhem o IRPJ com base no lucro real estão sujeitos à referida Lei n. 11.638. Essa conclusão é facilmente justificável se partirmos do pressuposto de que ela apenas modificou a Lei n. 6.404, que – como visto – continua agregada ao Decreto-lei n. 1.598/77. Assim, essa conclusão implica em afirmar que a Lei n. 6.404, com a nova configuração, deveria ser observada por todos os contribuintes que apuram o IRPJ com base no lucro real, inclusive por aqueles que por força da própria societária não estão sujeitos a ela.
Essa conclusão tem como esteio atual vigência da regra do item XI do artigo 67 do Decreto-lei n. 1.598 que é enfático ao estabelecer que “o lucro líquido do exercício deverá ser apurado, a partir do primeiro exercício social iniciado após 31 de dezembro de 1977, com observância das disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976“. Ora, estando essa norma em vigor, parece claro que a Lei n. 6.404/76 ainda compõe o campo material do Decreto-lei n. 1.598, como visto.
Se a norma do artigo 67 do Decreto-lei 1.598 não estivesse em vigor (o que suponho apenas para argumentar), o conceito de lucro real seria variável em função da diversidade de significação que se pudesse atribuir à expressão “leis comerciais”, nos distintos contextos de aplicação. Deste modo, por exemplo, as sociedades limitadas não incluídas dentre as consideradas de “grande porte” poderiam deixar de observar a Lei n. 11.638 para fins tributários porque essa “lei comercial” não deveria ser pó ele observada. Essa desobrigação, ao menos à primeira vista, seria uma solução elogiável se considerarmos que a referida Lei impõe a adoção de procedimentos contábeis de complexa ou difícil implementação para certas empresas como são, por exemplo, os procedimentos relativos à determinação do valor presente de ativos e passivos e as análises de imparidade de ativos operacionais. À dificuldade operacional seria agregada a questão da relativa inutilidade destes procedimentos se as demonstrações financeiras não devem ser publicadas e nem servem para orientar possíveis investidores.
Ocorre, porém, que a legislação tributária deve ser orientada em função do princípio da generalidade, de modo que não pode atribuir tratamento diferente a contribuintes em razão do revestimento societário adotado. Assim, se as sociedades por ações que sejam fechadas e que estejam abaixo dos patamares de ativos e de receita estabelecidos no parágrafo único do artigo 3º da Lei n. 11.638, devem se submeter à Lei, não é razoável que, para fins fiscais, uma sociedade que adote um tipo societário, e que esteja em iguais ou equivalentes condições, não deva. Enfim, a lei societária pode discriminar, mas a lei tributária não pode com base neste exclusivo critério – o do tipo societário “a” ou “b”.
As conseqüências da adoção obrigatória da Lei 11.638 serão desprezíveis para os contribuintes que vierem a optar pelo RTT ao menos enquanto for mantido o quadro normativo atual e enquanto perdurar o RTT; os contribuintes que não optarem por este regime ficam obrigados a suportar os efeitos fiscais decorrentes da observância da citada Lei e da Medida Provisória 449.
Edmar Oliveira Andrade Filho*