Produção de carvão vegetal desponta como alternativa no semiárido
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Jornal da Paraíba
Além de ser rentável economicamente, a produção de carvão ecológico, não agride a natureza e apresenta uma série de outras vantagens
Valéria Sinésio
Em um local onde a chuva demora a chegar e o amanhã é sempre uma incerteza, a saída é buscar uma atividade sustentável, capaz de gerar lucro sem causar danos ao meio ambiente. É nesse cenário que a produção de carvão ecológico surge como um negócio promissor na região do semiárido paraibano. Além de ser rentável economicamente, não agride a natureza e apresenta uma série de outras vantagens. O ‘mapa da mina’ foi encontrado graças à uma ideia ousada do microempresário Victor Teotonio, que instalou em Emas, no Sertão da Paraíba, a primeira unidade de fabricação de carvão vegetal do Estado, a Ecocarvão. Ele explora uma área de manejo florestal sustentado, totalmente legalizada nos órgãos ambientais.
O jovem empresário de 26 anos desenvolveu um equipamento, patenteado, que se chama carbonizador metálico semicontínuo. Através dele a produção chega a 60 mil quilos de carvão ecológico por mês. Dentre os muitos benefícios da atividade se destacam a baixa emissão de gases na atmosfera, devido à diminuição do consumo de lenha, e a não geração de resíduos nos pátios de produção. Além disso, a qualidade do carvão produzido no carbonizador é superior a outros tipos provenientes dos métodos tradicionais.
Enquanto alguns se arriscam na ilegalidade, Teotonio foi por outro caminho. Ele enfrentou a burocracia e formalizou a atividade. “A produção de carvão utilizando os carbonizadores obrigatoriamente tem que respeitar todos os parâmetros ambientais necessários e nós temos esse cuidado”, explicou. Segundo o empreendedor, a produção de carvão vegetal apresenta muitas vantagens, sendo uma delas a humanização do trabalho.
Teotonio explicou que o trabalhador da biomassa renovável está sempre ao ar livre, sem exposição ao pó do carvão, diferente do que acontece no sistema tradicional, no qual o trabalhador entra no forno de barro, com o interior a 70º C, temperatura que ameaça sua saúde.
Sem concorrentes direto na Paraíba, Teotonio explicou que o foco da empresa é o desenvolvimento de tecnologias e a geração de energia elétrica através do carvão vegetal. “Vendo por esse prisma, não há concorrente direto, porém, na produção e comércio de carvão existem sim, mas em sua maioria atua na ilegalidade”, declarou o empresário.
O principal mercado para o carvão vegetal é a indústria de ferro gusa. “O carvão entra na liga deste ferro, ou seja, não entra apenas como fonte de calor, mas sim como um componente do produto, que é a matéria-prima de aços nobres”, afirmou.
Quando se fala em carvão vegetal, os principais consumidores, na Paraíba, são as churrascarias, segundo Teotonio, embora no momento o fornecimento esteja suspenso porque a empresa está focada no desenvolvimento dos equipamentos e no estudo de mercado para lançar os saquinhos de supermercado do carvão.
Empreendedorismo que vem de família
O espírito empreendedor de Victor Teotonio ele traz no sangue. O avô, um autêntico sertanejo nascido em 1918, decidiu sair da zona rural e estudar em João Pessoa. Era um inconformado, e acabou se tornando exemplo – e fazendo seguidores. “Através desse esforço ele se tornou um homem de muito sucesso. Além dele, meus pais também têm essa vontade de crescer”, afirmou. Os melhores exemplos, portanto, o jovem encontrou dentro de casa.
Ao terminar o ensino médio, Teotonio começou a trabalhar com o pai em um projeto inovador, que resultou no equipamento utilizado para a produção de carvão vegetal, aumentando a eficiência energética e a sustentabilidade da atividade. Nesse período, o jovem começou o curso de Engenharia Ambiental, e agregou conhecimento acadêmico à prática que aprendeu no campo, em família. Com isso, ele e o pai conseguiram melhorar a capacidade da máquina que estava sendo criada. Durante os cinco anos de faculdade, Teotonio realizou estudos em campo em parceria com órgãos ambientais e fundações voltadas à sustentabilidade e eficiência energética.
No ano passado, a Ecocarvão foi contemplada no setor de energia com recursos do programa Tecnova, através da Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (Fapesq), do governo do Estado. “Atualmente estamos trabalhando em um equipamento que irá gerar energia elétrica através do carvão vegetal produzido em nossa propriedade, utilizando uma biomassa renovável para gerar eletricidade de forma correta do ponto de vista ambiental”, frisou. O projeto está em ritmo acelerado de desenvolvimento.
Diante da crise energética que o país enfrenta, a atitude empreendedora do jovem promete render bons frutos. “Vejo um mercado em contínuo crescimento para o segmento que estamos nos inserindo”, declarou. Além da Ecocarvão, Teotonio também é sócio em uma empresa de consultoria voltada a projetos e licenciamentos ambientais. “Essa ideia surgiu diante da demanda crescente do serviço em nosso Estado”, contou. Os conselhos do jovem para quem deseja montar um empreendimento são determinação e foco. “Outra coisa que não pode faltar é a excelência no que se deseja executar”, afirmou.
Especialista afirma que produção deve ser sustentável
A importância de buscar a sustentabilidade na produção de carvão vegetal é a mesma para qualquer outro produto, segundo explicou o mestre em engenharia de produção, Lídio Pinheiro. “A produção de carvão vegetal pode e deve ser sustentável. Para que isso ocorra, temos que ter a exata noção do que é sustentabilidade”, declarou. Ele explicou que o termo muitas vezes é atribuído única e exclusivamente à questão ambiental – o que é um erro, conforme Pinheiro.
Na época da pesquisa de mestrado, realizada entre os anos de 2010 e 2012, Pinheiro constatou que a Paraíba contava com apenas uma carvoaria legalizada (exatamente a Ecocarvão). “Apesar de o Estado produzir uma quantidade considerável de metros cúbicos de madeira para a queima, a grande maioria era de forma ilegal e comercializada ilegalmente através de nossas fronteiras”, explicou.
Ainda de acordo com Pinheiro, no Brasil, a maior parte do carvão vegetal é utilizado no aquecimento das caldeiras das siderúrgicas aqui instaladas. “Cabe aos produtores de carvão vegetal optar por uma linha de produção mais limpa e o Estado exercer corretamente o poder de fiscalização e legislar para que essa atividade possa atingir o objetivo da sustentabilidade”, frisou.