Poupança com saldo maior pagará IR
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Para evitar custo político, Lula quer excluir mais de 95% dos poupadores da mudança da regra causada pela queda nos juros
Para estimular investidor a permanecer nos fundos de investimento, governo prepara medidas para desonerar o setor
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Com receio do desgaste político, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu anteontem em reunião com a equipe econômica que a maioria dos aplicadores não será atingida pelas mudanças de regras de remuneração que irão fazer a caderneta de poupança render menos.
Segundo a Folha apurou, o governo vai cobrar IR (Imposto de Renda) sobre os rendimentos a partir de um patamar alto de aplicação -o que deixaria, nas palavras de um ministro, “mais de 95%” dos aplicadores com as atuais regras de ganho. Lula pediu que a equipe econômica elaborasse uma proposta para desonerar os atuais fundos de investimento, medida que deverá ser finalizada até a semana que vem.
Dessa forma, Lula estimularia grandes aplicadores a optarem pelos fundos, que recuperariam atrativos apesar da queda da taxa básica de juros, a Selic, que reduz os ganhos dessas aplicações.
Um auxiliar direto de Lula disse à Folha que o temor de dar uma bandeira à oposição na reta final do governo e nas eleições de 2010 levou o presidente a optar por não alterar as regras da poupança para os pequenos e médios aplicadores, a imensa maioria na poupança.
PSDB, DEM e PPS, partidos de oposição, têm criticado a possibilidade de mudança na poupança desde que o governo anunciou que cogitava tal medida após a queda dos juros. Com a redução de 3,5 pontos da Selic desde setembro, os fundos de investimento, que aplicam recursos nos títulos do Tesouro e financiam a dívida pública, perderiam atratividade na comparação com a poupança, que não paga IR e tem remuneração garantida de 6% ao ano mais a variação da TR (Taxa Referencial).
Números do Banco Central mostram que, em dezembro, 80,580 milhões de clientes (89,55% do total) tinham contas com saldo até R$ 5.000,00. Outros 6,578 milhões de contas (7,3% do total) eram de clientes com saldo de R$ 5.000,01 a R$ 20 mil. Menos de 4% dos poupadores possuíam contas acima de R$ 20.000.
Lula fez reuniões com a equipe econômica sob forte contrariedade. Alegava que Fazenda e BC foram imprevidentes ao não alterar com antecedência regras da caderneta e que tomar uma medida impopular na véspera de ano eleitoral seria suicídio político. A decisão de Lula de não mudar as regras para a grande maioria busca minimizar o desgaste político.
As alternativas, avaliou, dariam munição à oposição para falar que o governo “tungou” os pequenos poupadores. O PPS chegou a fazer propaganda na TV comparando a mudança de regras na poupança com o traumático bloqueio de contas do governo Collor, em 1990.
A não alteração das regras para a grande maioria dos aplicadores deverá ser anunciada em breve. Também pesou na decisão de Lula a avaliação de que o espaço para a queda dos juros não será tão grande e permitiria a manutenção do atual formato até o início do próximo governo. A Selic está em 10,25% ao ano, e o mercado prevê 9,25% até dezembro.
Além de tributar parte dos poupadores, Lula recebeu outras propostas da área econômica, que preferia simplesmente acabar com os juros fixos de 6% ao ano. Uma das ideias era vincular o ganho da poupança a um percentual da Selic. Também se cogitaram rendimentos diferenciados de acordo com o saldo ou mudança no cálculo da TR.
Na fórmula decidida por Lula, os grandes aplicadores da caderneta de poupança terão de pagar IR sobre os rendimentos ao fazer a declaração anual. Diante dessa possibilidade, o governo avalia que esses poupadores preferirão aplicar seus recursos nos fundos de investimento. A intenção de desonerar esses fundos seria uma forma de torná-los mais atraentes.
Os fundos de renda fixa são tributados com IR e IOF (Imposto sobre Operação Financeira). O IOF tem uma tabela regressiva. A partir de 30 dias de aplicação, há isenção desse imposto. Já o IR na renda fixa tem uma regressão mais longa.
Até 180 dias, os ganhos nos fundos de renda fixa são taxados em 22,5% de IR. Entre 181 dias e 360, essa cobrança cai para 20%. No intervalo de 361 a 720 dias, há nova queda (17,5%). E acima de 720 dias de aplicação são cobrados 15% de IR. A tributação é feita em maio, outubro ou na data do resgate.
Nos fundos de renda variável, não há cobrança de IOF, mas são pagos 15% de IR no resgate da aplicação.
Mudança terá de passar no Congresso
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA FOLHA ONLINE, EM BRASÍLIA
A cobrança de IR sobre rendimentos da caderneta de poupança, mesmo que só para clientes com saldos elevados, precisará passar no Congresso. A tributação pode ser criada por medida provisória ou projeto de lei.
Nos dois casos, as propostas precisarão ser analisadas pelo Congresso, que poderá fazer alterações ou rejeitá-las. Já a desoneração tributária dos fundos de investimentos, se feita por redução do IR, também precisará de aprovação parlamentar. Dependendo da forma de cobrança, as medidas podem valer para este ano ou 2010.
A mudança nas regras da poupança vem sendo discutida pelo governo pelo menos desde o começo de março. Naquele mês, questionado sobre o assunto em Nova York, o presidente Lula confirmou que o governo estudava o assunto, mas destacou que a intenção era preservar os pequenos poupadores.
O ministro Franklin Martins (Comunicação Social) disse no 1º de Maio que a mudança deve estar concluída até a próxima reunião do Banco Central para determinar a nova taxa de juros, nos dias 9 e 10 de junho.
Desde que o governo admitiu os estudos, os saques vêm superando os depósitos nas cadernetas de poupança. Em abril, o saldo negativo foi de R$ 941,55 milhões. Em março, o resultado ficou negativo em R$ 846,8 milhões.
Neste ano, a poupança já registrou uma saída líquida de R$ 1,523 bilhão. No mesmo período do ano passado, o resultado estava positivo em R$ 1,8 bilhão.
Caderneta, 43, surgiu para a casa própria
DA REDAÇÃO
O embrião da caderneta surgiu em 1966, quando foi decretado o funcionamento das Associações de Poupança e Empréstimo. Segundo o professor Paulo Sandroni, em seu “Dicionário de Economia do Século 21”, a atuação efetiva começou em 1968.
Lei de 1983 definiu o formato de contas sobre cujos depósitos há juros e correção monetária.
Quando o Plano Cruzado 2 extinguiu o Banco Nacional da Habitação, em novembro de 1986, a caderneta passou também a financiar a dívida pública.
Em fevereiro de 1990, semanas antes do Plano Collor, os depósitos na poupança representavam 25% dos ativos financeiros do país. No mês seguinte, houve o traumático bloqueio das aplicações.
Em 1991, o governo criou a TR (Taxa Referencial), para corrigir as obrigações fiscais e remunerar as cadernetas. Com a estabilização da moeda a partir do Plano Real, em 1994, a poupança se revigorou.
A TR é obtida a partir da média do pagamento de CDBs (Certificados de Depósitos Bancários) dos 30 maiores bancos, depois ajustada por um redutor, para retirar o efeito de tributos sobre essas aplicações. A caderneta de poupança vai render 0,6372% de 6 de maio a 6 de junho, para uma TR de 0,1365%.
Dos 89,981 milhões de clientes da poupança no país, 89,6% têm saldo de R$ 100 a R$ 5.000.