Ônus da guerra fiscal fica com o comerciante
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diáriodocomércio
por Renato Carbonari Ibelli
Mudanças no regime do ICMS interestadual envolvem novas obrigações acessórias para as empresas. O prazo para se adequarem à nova sistemática é até janeiro de 2016
A mudança no regime do ICMS para operações interestaduais busca equilibrar o reparte do imposto entre os estados, algo tido como necessário por tributaristas. O problema é que sobrou para o comerciante arcar com o ônus dessa redistribuição das receitas.
A partir de primeiro de janeiro de 2016 empresa que vende para o consumidor final de outro estado terá novas obrigações acessórias a cumprir, entre elas, a adoção de uma nota fiscal com novo leiaute.
As novas regras exigirão que o comerciante calcule o ICMS devido considerando as alíquotas do estado de destino, interestadual e do estado de origem.
Pela nova sistemática, a alíquota do estado para o qual a mercadoria foi vendida terá de ser reduzida da alíquota interestadual. Ao resultado dessa conta será aplicado um diferencial de alíquotas, do qual resultará o valor do imposto que ficará com o estado de destino e com o estado de origem. Em 2016, a origem ficará com 60% e o destino com 40% do reparte.
Por exemplo: quando um comerciante de São Paulo vender para um consumidor em Santa Catarina terá de subtrair 12%, que é a alíquota vigente entre estes estados, de 17%, que é o ICMS interno de Santa Catarina.
Sobre o resultado dessa conta, ou seja, sobre 5%, é que será aplicado o diferencial de alíquota (60%-40%).
O novo leiaute da nota fiscal deverá trazer campos informando quanto do imposto ficará com o estado de origem da mercadoria e quanto irá para o estado onde reside o consumidor final, entre outras alterações normatizadas pela Nota Técnica (NT) 003/2015.
“O fisco transferiu ao contribuinte a responsabilidade de recolher a parte do consumidor de outro estado e de efetuar os cálculos devidos a cada unidade da federação, sujeitando-o ao custo das mudanças necessárias e aos riscos de eventuais erros ou omissões”, afirma Marcel Solimeo, economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
A regra vale para as operações de vendas destinadas ao consumidor final de outros estados, o que afeta principalmente o e-commerce. Essa sistemática não será aplicada quando o transporte for feito pelo comércio responsável pela venda.
As novas diretrizes para o recolhimento do ICMS foram propostas pela Emenda Constitucional 87/2015 e acordadas entre os estados por meio do Convênio 93/2015 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Solimeo reclama do curto prazo que os comerciantes terão para providenciar as alterações exigidas pelo Convênio, que foi publicado em 21 de setembro e prevê as novas regras já para janeiro de 2016.
“A prioridade do comerciante é outra no final de ano”, diz. “Ele estará preocupado com as vendas, principalmente em um momento de economia fraca.”
O Convênio 93 determina que as notas fiscais que forem encaminhadas em desacordo com as novas normas serão rejeitadas pela Fazenda.
Neste ponto, há outro problema. Apesar da punição estar definida, o Convênio ainda não foi regulamentado em muitos estados. Somente com a regulamentação o contribuinte saberá quais procedimentos adotar para estar de acordo com as obrigações.
A SOLUÇÃO SIMPLES FOI IGNORADA
Para Solimeo, esse tipo de guerra fiscal deveria ser resolvido de maneira diferente. “Os estados poderiam criar um fundo responsável pelo reparte correto do ICMS. Seria uma maneira de não onerar mais o comerciante”, diz.
Essa também é a abordagem da advogada Lucia Correia, da Associação Brasileira de Automação Comercial (Afrac). “No regime do Simples Nacional os impostos são recolhidos em uma guia e depois dividido entre união, estados e municípios.
De maneira semelhante, o recolhimento do ICMS poderia ser centralizado em um fundo e depois repartido entre os estados”, comenta a advogada.
Segundo Lucia, o impacto da sistemática trazida pelo Convênio 93 pode chegar aos preços praticados pelo e-commerce. Segundo ela, como os cálculos levarão em conta a alíquota do ICMS do estado de destino da mercadoria ou serviço, e como elas variam de estado para estado, é possível que o varejo eleve os preços para compensar as maiores alíquotas.
A Afrac congrega desenvolvedores responsáveis por fazer as alterações nas notas fiscais. A entidade está organizando um seminário para esclarecer dúvidas sobre as mudanças no regime do ICMS interestadual.
ORIGEM DO PROBLEMA
Hoje, quando se dá uma venda interestadual para o consumidor final, o ICMS fica com o estado de origem, onde está cadastrado o estabelecimento comercial.
Como a maioria do varejo do e-commerce tem sede no Sudeste, os estados de outras regiões passaram a reclamar de perda de receita, que se acentuou à medida que as vendas on-line cresceram.
Alguns estados, especialmente os do Nordeste, chegaram a firmar um convênio anos atrás determinando que o ICMS em operações desse tipo ficasse integralmente com o estado de destino, ou seja, onde está o consumidor.
“O convênio era claramente ilegal. Não tinha unanimidade no Confaz e contrariava a legislação”, diz o advogado Ronaldo Pavanelli Galvão, do escritório Gaiofato e Galvão.
A pressão dos estados do Nordeste prevaleceu, mas um novo acordo precisou ser firmado. “Para que os estados do Sudeste aceitassem as novas regras foi proposta uma transição gradual do modelo atual para o novo. Nesse contexto foi assinado o Convênio 93 do Confaz”, diz Galvão.
Por esse novo acordo, o ICMS correspondente à diferença entre as alíquotas de origem e a interestadual ficará totalmente com o estado de destino somente em 2019. Nesse intervalo, foi proposta uma tabela de transição. Veja o quadro: