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O País nunca precisou tanto de seus contabilistas

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Célia Demarchi

As empresas de contabilidade estão vivendo o melhor momento dos últimos 40 anos, na opinião de José Maria Chapina Alcazar, presidente do Sindicato das Empresas Contábeis e de Assessoramento no Estado de São Paulo (Sescon-SP). Nunca houve tamanha demanda por contabilistas, nem se viu tal preocupação com qualificação profissional: “Estamos caminhando para o aprimoramento, a qualidade, e deixando para trás a imagem de executores de tarefas”.

É o melhor momento dos últimos 40 anos para as empresas de contabilidade – resultado de alguns anos de estabilidade e crescimento da economia, do processo de globalização e do desenvolvimento tecnológico.

No pano de fundo dessa quase euforia estão alguns anos de estabilidade e crescimento da economia, o aprofundamento do processo de globalização e o desenvolvimento tecnológico. Hoje, há quase 400 mil contabilistas ativos no País, mais de metade na região Sudeste – e 109 mil apenas no Estado de São Paulo.

O avanço da informatização é um dos fatores mais comemorados, pois libertou os profissionais do trabalho meramente burocrático, que ocupou a maior parte de seu tempo durante as últimas quatro décadas, para desempenhar sua verdadeira função: “Com os novos softwares e programas eletrônicos dos governos, o trabalho passa a ser mais intelectual. Agora, precisamos gerir, auferir, analisar, validar, dar sustentação técnica a documentos”, diz o presidente do Sescon. “E ser precisos, sob o risco de ter de responder solidariamente a eventuais irregularidades”.

Enquanto a informática se impôs, o mercado cresceu, com vigor, com ênfase no ano passado. Os motivos são vários.

Em 2007, as mudanças na legislação, fato corriqueiro no Brasil, foram especialmente expressivas, com a edição da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas e do Simples Nacional, ou Super Simples. Estima-se que essas duas leis contribuíram para o boom de abertura de firmas no período – 529 mil, 13% mais que em 2006.

Mas o crescimento da economia mundial e nacional (a expansão do PIB brasileiro superou as expectativas, ao atingir 5,4% no último ano) pode ter sido ainda mais decisivo para a corrida rumo aos contabilistas. Refletiu-se na abertura e formalização de negócios, mas também no incremento do comércio exterior, no aumento do volume de investimentos, inclusive os do governo com as obras do PAC e os produtivos, nacionais e estrangeiros – traduzidos em ampliações, fusões, aquisições de empresas e, ainda, no aumento do número de companhias que abriram o capital – quase 100, de 2006 a 2007.

“Todos esses processos têm de passar pelo contabilista”, lembra Silvia Mara Leite Cavalcante, vice-presidente do Conselho Federal de Contabilidade. “É demanda que agente já não tem condições de atender”.

A dificuldade que as empresas tiveram no ano passado para contratar profissionais, principalmente auditores, comprova essa afirmação. Os grandes escritórios sequer conseguiram todos os 200 a 300 trainees de que precisavam, segundo Marcos Sanches, sócio da BDO Trevisan, até porque nem sempre as qualificações dos candidatos corresponderam às necessidades.

Aprimoramento, especialização, qualificação são termos dos mais ouvidos e repetidos entre os contabilistas nos últimos anos. Os cursos de reciclagem e treinamento, promovidos por órgãos oficiais e entidades de classe, se multiplicam, e aumentam as vagas em bacharelado, mestrado e pós-graduação na área contábil.

As novas legislações, as mudanças freqüentes de normas e portarias, a alteração, em dezembro, da lei das sociedades anônimas e o próprio e auspicioso fato de os contabilistas estarem voltando a ser provedores de informações para a gestão das companhias explicam esse cenário: “É muita mudança para ser acompanhada. Se o profissional viajar para o Exterior e ficar fora um ano, quando retornar notará que está totalmente desatualizado”, diz Sanches.

Perspectivas

Se 2007 exigiu muito dos contabilistas, este e os próximos anos prometem ser ainda mais desafiadores. Mesmo que se desacelere o crescimento econômico, esses profissionais certamente terão de se desdobrar. E apenas duas, das várias razões que deverão justificar o esforço, serão suficientes para absorver quase toda sua atenção: a eventual aprovação da reforma tributária e a adoção pelo País das normas internacionais de contabilidade, IRFS (International Financial Reporting Standards).

Se for aprovada no Congresso, a proposta de reforma do governo deverá facilitar a vida dos contabilistas, pois simplifica o sistema. Mas, antes, eles terão de digerir o pacote, que prevê unificar numa só alíquota (IVA) Cofins, PIS, Cides e salário educação; transformar IR e contribuição sobre lucro num único imposto; reduzir a contribuição previdenciária das empresas; alterar o ICM; instituir o imposto sobre grandes fortunas.

Se a reforma, em suas linhas gerais, é bem-vinda, mas incerta, as IRFS, que há tempos freqüentam os escritórios das grandes empresas, agora despencam sobre o mercado como um todo, pois terão de ser aplicadas nos relatórios contábeis das companhias abertas e grandes empresas de capital fechado a partir de 2010, como determinam o Banco Central e a Companhia de Valores Mobiliários (CVM), agora com respaldo da lei 11.638, das sociedades anônimas. A lei federal foi alterada no final do ano passado com o objetivo, principalmente, de possibilitar a convergência das normas nacionais com as globais.

Os contabilistas terão, portanto, de debruçar sobre calhamaços de milhares de páginas escritas em inglês e por enquanto sem versão para o português para dominar as IRFS e também as ISA (International Standards on Auditing), concebidas para auditá-las. Ainda assim, eles estão satisfeitos: a partir de agora, poderão falar uma só linguagem contábil para demonstrar o desempenho das companhias que, em certos casos, demandavam relatórios de acordo com até três normas: as brasileiras, as americanas e as internacionais.

Além de acompanhar as constantes mudanças de normas e leis, os contabilistas que pretendem permanecer na atividade têm mais desafios a vencer. Eles devem ser afiados nos conhecimentos técnicos gerais da área e se manter atualizados sobre os fatos e tendências do mundo dos negócios: “Especialização em determinadas áreas é sempre ótimo, mas quanto mais generalista o contabilista for, melhor. A grande tendência é o profissional completo”, diz José Heleno Mariano, presidente do Sindicato dos Contabilistas de São Paulo (Sindcont).

Assim, compreender informações relacionadas a meio ambiente e sustentabilidade é tão necessário quanto saber interpretar dados de fluxo de caixa e avaliar custos administrativos.

Domínio de inglês e espanhol é fundamental – grandes companhias e escritórios nem começam a conversa com candidatos monoglotas a suas vagas. “Hoje, o contabilista precisa conhecer economia, comércio exterior, legislação corporativa, normas internacionais”, afirma Mariano.

Dos pequenos escritórios, o mínimo que se exige é acompanhamento da evolução tecnológica. E a grande maioria dessas empresas ainda não percebeu isso, de acordo com Sérgio Prado de Mello, presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo: “Quem não mudar de perfil, ficará sem trabalho”.