O Fantasma da Inflação e as Multas Tributárias
Publicado em:
Portal Exame
Elder de Faria Braga
Há pouco tempo atrás, pedi para um estagiário atualizar um valor de um processo de mais de dez anos. Ele arregalou os olhos e me olhou de modo estranho… Poucos segundos de papo e descobri o problema: o rapaz, de 20 anos de idade, não tinha ideia do que era inflação, ou “atualizar o valor de um processo”…
Tenho 48 anos e para os de minha geração, atualizar dívidas é algo natural. Crescemos com inflação de mais de 10% ao mês, às vezes muito mais que isso. É difícil para nós imaginar que quem nasceu em 90 não viu um mês sequer de mega-inflação após ter aprendido a escrever…
Esta nova geração não tem ideia do que era ir ao supermercado sem saber o preço de nada e tendo de comprar todo o possível rapidamente, pois o salário “derretia” ao longo do mês. Lembro de meus pais fazendo compras e precisando de três carrinhos para levar tudo (e o mais impressionante é que não éramos exceção: todo mundo comprava comida para um ou dois meses). Depois, chegávamos em casa e tudo ia para o freezer (todo mundo que eu conhecia tinha freezers enormes). O princípio era simples: comprar rápido.
Apesar desses tempos terem ido embora (tomara que para sempre), deixaram algumas lembranças amargas espalhadas na legislação. Talvez a mais danosa delas se esconda nas gigantescas multas impostas pelo nosso sistema tributário. Quem comete uma infração fiscal no Brasil pode ter de pagar multas de 20%, 100% e até 300% sobre o valor da operação (repare que apesar das multas serem gigantescas, muitas vezes não se aplicam sobre o tributo, mas sobre o valor integral da operação!!). Outras vezes existe uma penalidade fixa sobre o valor de cada infração (em geral no caso de obrigações acessórias, como a entrega de documentos), mas sem qualquer teto máximo, gerando valores aberrantes…
Essas multas absurdas foram criadas por uma razão compreensível na época: Como o governo mentia (governos mentem…) sobre a inflação por razões que iam desde a manutenção da imagem até a redução da folha de pagamentos, os índices que corrigiam os tributos eram sempre menores do que a inflação real. Ao longo do tempo, o inadimplente era muito beneficiado, pois a dívida tributária ia “diminuindo” em relação à inflação e acabava por tornar-se pequena.
Para responder a isso, o governo passou a aplicar multas cada vez maiores nos casos de inadimplência. Chegou mesmo ao absurdo de corrigir o tributo devido pela SELIC (que é uma taxa de juros que já considera a inflação) e acrescentar juros de 1% ao mês! No caso do ICMS, multas de 200% e 300% são comuns.
A ideia, na época, foi compreensível. Se algo não fosse feito, ninguém de bom senso iria pagar imposto. Para quem não entendeu o problema, uma explicação rápida: Suponha que Juquinha devesse 1.000,00 de impostos em 1980. Após 3 anos, o valor corrigido pelos índices oficiais daqueles 1.000 poderia ser, digamos 4.000 e o valor corrigido pela inflação real deveria ser 8.000, por exemplo.
Assim, se não houvesse algo como uma multa de 200%, Juquinha teria levado uma enorme vantagem em não pagar o imposto, pois os preços de sua empresa, certamente eram ajustados pela inflação real diariamente (sim, os preços mudavam todos os dias). Se Juquinha tivesse um concorrente, digamos, Joãozinho, que tivesse pago todos os impostos em dia, teria levado sobre ele uma vantagem enorme e injusta.
Porém, em um mundo de inflação anual de um dígito, as multas tributárias gigantescas, tornam a atividade empresarial altamente arriscada e muitas vezes quebram a empresa. Recentemente vi uma loja com faturamento mensal de cerca de R$ 200.000,00 receber uma multa de mais de R$ 20.000.000,00 por não entregar os arquivos eletrônicos do ICMS. Ora, qual a finalidade de uma multa como essa? Alguém já parou para pensar que se o empresário tivesse optado pela informalidade total, pagaria multas muito menores??
Já passou da hora do Poder Executivo entender que alíquotas menores aumentam a arrecadação e multas menores incentivam a regularização das empresas . A mega-inflação acabou há 20 anos, as multas tributárias gigantescas são restos do seu cadáver insepulto que ainda assombram nossa economia, destruindo empresas, incentivando a corrupção e criando insegurança jurídica. É tempo de mudar isso!
Bons negócios!
Elder de Faria Braga