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Novo imposto seria justo ao taxar desempregados e quem não tem carteira?

Publicado em:

UOL – Economia

 

 

 

 

 

 

A proposta do secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, de criar um novo tributo sobre transações financeiras no lugar da contribuição previdenciária, causou polêmica. Apesar de o presidente Jair Bolsonaro negar a criação de um novo tributo, ficaram várias dúvidas sobre como funcionaria a eventual nova taxação.

O que aconteceria com quem trabalha sem carteira assinada? Como seria calculado o valor da aposentadoria? Todos teriam direito à Previdência, mesmo os sem-carteira? E os desempregados? Como se comprovaria tempo de contribuição? Essas e outras questões são apontadas como dúvidas importantes por especialistas. Além disso, o imposto teria uma alíquota única, o que pesa mais no bolso dos mais pobres.

Cintra não deu muitos detalhes, mas a ideia apresentada por ele é acabar com a contribuição previdenciária, que incide sobre a folha de pagamentos das empresas. Em seu lugar, seria criado um tributo sobre todas as transações financeiras, com alíquota de 0,9%, e dividido entre quem recebe e quem paga, chamado CP (Contribuição Previdenciária).

Esta troca, segundo especialistas ouvidos pelo UOL, pode ter efeitos controversos. Seria positiva para as empresas e para quem tem emprego com carteira assinada, mas representaria uma cobrança extra para os outros cidadãos, como quem trabalha sem carteira, desempregados e aposentados. Também poderia ajudar a estimular o mercado de trabalho, mas, em contrapartida, poderia causar um aumento dos preços.

Perguntas sem resposta

O UOL levantou algumas dúvidas junto aos especialistas que, com as informações apresentadas, ainda não podem ser respondidas:

– O que acontece com quem trabalha sem carteira assinada? Sua contribuição também será extinta ou terá de pagar em dobro para ter direito à Previdência?
– Como seria calculado o valor do benefício?
– Todos teriam direito à Previdência, mesmo os informais?
– Como funcionaria para os desempregados?
– A reforma da Previdência acaba com a aposentadoria por tempo de contribuição, mas, se ela não passar, como seria contado este tempo? Haveria um tempo mínimo?
– Pela proposta da reforma, é obrigatório ter 20 anos de contribuição para se aposentar. Como isso seria contado no caso dos trabalhadores sem carteira?

O UOL entrou em contato com as secretarias da Receita Federal e da Previdência, além do Ministério da Economia, para ter a confirmação se a ideia poderia ser levada à frente e como seriam respondidas estas questões. Apenas a Previdência respondeu, afirmando que não iria comentar o tema.

Mais barato para empresa contratar

De acordo com Edmundo Medeiros, professor de Direito Tributário do Mackenzie, acabar com a incidência sobre a folha de pagamentos não é uma ideia nova e pode trazer bons frutos para empresas e trabalhadores contratados com carteira assinada.

Hoje, o trabalhador médio com CLT [regime de Consolidação das Leis do Trabalho] tem descontado na folha de 8% a 11% do salário. Fora isso, há os 20% que a empresa paga por funcionário. Hipoteticamente, ele trocaria isso por uma alíquota de 0,9%. É positivo, não?
Edmundo Medeiros, professor de Direito Tributário do Mackenzie

Segundo ele, uma proposta desse tipo tende a ter apoio das empresas porque traria uma redução direta do gasto com a folha de pagamento. “O custo para contratação formal [CLT] ficaria muito menor.”

Como ficam os autônomos sem carteira?

Cintra não especificou os detalhes do possível imposto e usou como exemplo os empregados formais. Os especialistas não conseguem precisar como ele se comportaria com o autônomo, que contribui por fora, mas ponderam que não extinguir esta contribuição seria inconstitucional.

“O que o autônomo paga de forma avulsa nada mais é que uma versão do desconto em folha do assalariado. Ele escolhe a faixa e faz o recolhimento direto”, disse Medeiros. “Dessa forma, pelo que foi explicado, a mudança extinguiria também esta contribuição.”

“Se fosse fazer, teria de fazer para todos. Se não, feriria o Artigo 5º da desigualdade entre os iguais, são todos trabalhadores”, explicou o advogado Cássio Faeddo, especialista em direito do trabalho. “É uma ideia de socializar uma despesa e dar um colchão social para todos. Se fosse [retirar] apenas do assalariado, muda a ideia totalmente.”

Os especialistas avaliam, no entanto, que o governo tem de explicar melhor de que forma essa contribuição diferiria os valores de aposentadoria. “Hoje, você de fato escolhe a faixa de contribuição. Como viraria um imposto geral, eles teriam de explicar como funcionaria essa ideia”, afirmou Faeddo.

Afetaria os cidadãos mais pobres

Por outro lado, pessoas que trabalham sem carteira assinada ou estão desempregadas, que hoje contribuem de formas diferentes para a Previdência, ou aposentados, que já recebem seus benefícios, sofreriam a nova tributação.

Este é o ônus: literalmente todo mundo passaria a contribuir
Edmundo Medeiros, professor de Direito Tributário do Mackenzie

O advogado tributário Daniel Grazjer pensa de forma semelhante. Segundo ele, contribuição sobre transações financeiras seria mais eficiente que sobre folha de pagamentos, mas pesaria mais sobre os que mais pobres.

No âmbito universal apontado por Cintra, a tributação atingiria a todos de forma indistinta, afetando diretamente os cidadãos mais pobres
Daniel Grazjer, advogado tributário

Pode estimular emprego CLT…

Especialistas concordam que há uma motivação econômica clara na proposta de Cintra: retirar a tributação da folha de pagamentos para tentar estimular a contratação de trabalhadores com carteira assinada.

A alta carga tributária sobre a folha de pagamentos de fato impacta diretamente na atividade empresarial, de modo que, desafogá-la, pode significar uma melhora na economia e um estímulo à contratação
Daniel Grazjer, advogado tributário

“Idealmente falando, tributar salários não é uma boa ideia, porque a empresa passa a régua ao fechar a folha e sempre vai ter de acrescentar 20%. A empresa já considera isso na hora da contratação”, afirmou Medeiros.

Lucilene Prado, professora do Insper Direito, pondera que outros fatores devem ser considerados.

Será que simplesmente desonerar a folha de pagamentos vai trazer uma mudança nos empregos? Há uma série de fatores que têm de ser levados em consideração, de educação ao atual mercado de trabalho, não só o sistema tributário
Lucilene Prado, professora do Insper Direito

…mas pode causar aumento de preços

Para Lucilene Prado, a medida pode “gerar um efeito econômico perverso”, levando a um aumento de preços.

Vai colocar um tributo na economia e achar que vai ser neutro só porque desonerei em outra parte? Temos um sistema tributário preservo, mal desenhado. Quem recebe o aumento, vai repassar
Lucilene Prado, professora do Insper Direito

É o que os especialistas chamam de “efeito cascata” do imposto. Ao tributar todas as transações financeiras, cria-se um ciclo de cobranças que pode chegar ao consumidor.

Ele [imposto] acaba sendo cumulativo porque vai incidir em toda transferência. Então, quando você compra do supermercado, que já comprou do produtor, ele não é abatido, está sempre embutido
Vitor Monteiro, especialista em direito tributário

Proposta é parecida com CPMF

Desde a campanha, Bolsonaro nega a retomada da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), que vigorou no Brasil de 1997 a 2007. O discurso foi repetido por Cintra, que disse que esse novo imposto seria “muito mais amplo”. Para os especialistas, a CP pode não sera mesma coisa que a CPMF, mas tem a mesma essência.

“Ambas são tributações sobre transações financeiras. As duas grandes diferenças são que esta é mais ampla do que a CPMF e, ao contrário dela, não tem caráter provisório. A CPMF tinha um fim específico [voltado à saúde] e tempo determinado. Esta, segundo apresentaram, seria permanente”, afirmou Monteiro.

Prado disse não ver muita diferença. “Se ela é um tributo sobre transações financeiras, a CPMF também era. Pode mudar o nome do tributo, mas a essência não muda”, afirmou.