No último dia do IR, Receita põe à prova sua área de informática
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Infraestrutura: Expectativa é receber 25 milhões de declarações até a meia-noite de hoje
André Borges, de São Paulo
O dia vai ser puxado para a Receita Federal. Mais precisamente, para os computadores da Receita, que até a meia-noite de hoje devem receber a última leva das declarações de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). Tem sido assim desde 1997, quando a Receita disponibilizou pela primeira vez a entrega do IR pela internet. Nos últimos 12 anos, a parafernália de informática ganhou corpo, passou por atualizações e tomou conta de todo o processo.
Hoje não há mais nenhum tipo de intervenção humana em todo o processo de entrega e de processamento das declarações. Do momento em que o usuário baixa em seu computador os programas de geração e de transmissão dos dados até a Receita decidir se uma declaração irá ou não para a malha fina e quando seu pagamento será feito, tudo é decidido pela máquina.
Por trás dessa estrutura está o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), a empresa de tecnologia do governo federal que controla as operações de informática da Receita. Nessa semana, essa parafernália de informática é colocada à prova.
A estimativa da Receita é receber 25 milhões de declarações até a meia-noite de hoje, superando a marca de 23,9 milhões de documentos enviados no ano passado. O contribuinte que perder o prazo de entrega pagará a multa de R$ 165,74, ou máximo de 20% do imposto devido. Até a tarde de ontem, algo próximo de 21 milhões de contribuintes haviam prestado contas ao leão – ou seja, hoje a demora na entrega parece ser algo inevitável.
Em horários de pico, diz André de Cesero, superintendente de negócios de administração tributária e comércio exterior do Serpro, os computadores chegam a receber 300 mil declarações por hora. Para suportar as transações, o Serpro lança mão de um mainframe, um supercomputador, e mais 20 servidores que funcionam paralelamente. Essa estrutura está amarrada a um link de internet com capacidade total de 6 Gbps, distribuídos entre bases de São Paulo e Brasília (ver quadro).
Para acompanhar o andamento das declarações, comenta Cesero, o Serpro montou na semana passada uma sala de controle em sua base de Brasília. Dessa sala, por meio de painéis, cerca de 20 profissionais acompanham o fluxo das declarações e ficam a postos para identificar e evitar possíveis problemas.
O papel da Receita não é de mero coadjuvante. Embora os sistemas usados para a declaração sejam desenvolvidos pelo Serpro, é uma equipe de profissionais da Receita que define as especificações dos sistemas. “Por questão de segurança esse processo é sigiloso”, diz Cesero. “Nós criamos os sistemas e os executamos, mas não sabemos exatamente que uso é feito deles.”
A partir de recursos de inteligência artificial, a Receita consegue saber em tempo real, por exemplo, se uma declaração irá ou não para a malha fina. “No instante em que a declaração entra na base de dados, automaticamente isso é verificado”, diz Cesero. “Só não comunicamos o cidadão no instante seguinte porque, muitas vezes, a sua declaração envolve outros contribuintes que ainda não enviaram suas declarações.”
O Serpro, empresa pública de TI que hoje conta com 10,5 mil profissionais, tem cerca de 2,2 mil funcionários ligados diretamente aos projetos da Receita Federal. De seu faturamento anual de R$ 2 bilhões, cerca de dois terços vêm de serviços prestados à Receita.
Segundo Joaquim Adir, supervisor nacional do Imposto de Renda da Receita Federal, a evolução dos sistemas e da estrutura que suporta o recolhimento do IR tem ajudado a reduzir o tempo de pagamento dos impostos e a priorizar determinados perfis de contribuintes. Com o cruzamento de dados, os sistemas atuais já conseguem, por exemplo, liberar restituições para idosos, pessoas que fizeram a declaração com o uso de certificação digital ou ainda contribuintes portadores de determinadas doenças.
Mas nem tudo é irretocável no mundo “high tech” da Receita. A mesma informatização que virou marca registrada na operação do Imposto de Renda também tem aborrecido contribuintes. Quem tem algum problema no envio da declaração, por exemplo, e tenta manter contato com a Receita Federal, pode se sentir frustrado.
No site da Receita, é grande a dificuldade para encontrar um telefone ou endereço de e-mail para contato. Todas as dúvidas precisam ser resolvidas por meio da leitura de um questionário previamente preparado. De outra forma, é preciso ir pessoalmente a um dos postos da Receita ou apelar para especialistas autônomos.
Alguns contribuintes também têm reportado que o programa da Receita deste ano ficou menos amigável. Na hora de enviar o documento, se houver descuido ao gravar a declaração, fica difícil encontrar o recibo. No programa do ano passado, por exemplo, o recibo aparecia automaticamente.
Se por um lado o avanço da informatização melhorou a declaração, por outro tem dificultado as relações humanas entre o fisco e o contribuinte. Hoje, o contribuinte que cai na malha fina e é chamado a se explicar, não consegue expor seus argumentos a um funcionário. Na delegacia da Receita, ele é atendido por um funcionário que, ao acessar seus dados no sistema, apenas carimba documentos apresentados, para depois enviá-los a um fiscal da Receita. O contribuinte tem de se explicar por meio de uma carta escrita em próprio punho, que é entregue ao fisco com os comprovantes de rendimentos e de despesas do período questionado. Como ninguém no posto da Receita entra no mérito do problema, o contribuinte não tem oportunidade de tirar dúvidas nem de saber onde errou, se for o caso.
Daqui a um mês, diz Joaquim Adir, supervisor nacional do Imposto de Renda, uma equipe nacional da Receita se encontrará para avaliar o resultado da declaração que termina hoje e pensar em mudanças para o ano que vem. “É o momento de avaliar críticas e sugestões”, comenta. “É inegável que a informática tem nos dado uma capacidade de processar e de coletar informações que nunca tivemos e a ideia é aprimorar isso.” (Colaborou Silvia Fregoni)
Fonte: Valor Econômico