Não atualização do IRPF fere garantias constitucionais
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Consultor Jurídico
Por Walter Alexandre Bussamara
Por muitos já considerada, até mesmo, verdadeiro e velho expediente de nosso governo federal para fins de contínua elevação da (já onerosa) carga tributária, a não atualização da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), por conta dos índices de inflação verificados, agora, em mais este exercício que se passou, de fato, acaba por colidir com garantias atualmente bem constitucionalizadas em nosso ordenamento jurídico, representativas, no que ora nos interessa, dos princípios da capacidade contributiva e da vedação ao confisco[1]. Em relação àquele, é claro o texto constitucional, em seu artigo 145,parágrafo 1º, segundo o qual, “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”.
Como fica fácil de se perceber, então, a referida garantia, que acaba por reforçar o próprio primado constitucional republicano, assentado que é na igualdade tributária, assume verdadeira diretriz em face do exercício da competência tributária pelas pessoas políticas, quando da instituição de impostos: “(…) O princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos” (Roque Carrazza)[2]. Daí conferir-se à capacidade contributiva o status de verdadeiro princípio informador da tributação por meio da aludida modalidade tributária (imposto).
De fato, o primado da igualdade, em matéria tributária, reduzir-se-ia, assim podemos afirmar, justamente, ao princípio da capacidade contributiva, cuja materialização deverá, de rigor, sempre ocorrer, em sua forma objetiva, consideradas as manifestações de riqueza do contribuinte, ou seja, os seus fatos-signos presuntivos de riqueza[3]. Aliás, a supremacia[4] (cogência) deste primado constitucional também nos é luminosamente asseverada, novamente, por Roque Carrazza:
(…) o art. 145, § 1º da CF não encerra mera diretriz programática, incapaz de produzir efeitos, seja junto ao legislador, seja junto ao juiz. Hodiernamente, a doutrina, de um modo geral, está de acordo quanto à natureza obrigatória do vínculo decorrente das normas constitucionais ditas ‘programáticas’ e, destarte, quanto à inconstitucionalidade das leis que as afrontem [5].
Parece-nos pacífico, então, voltando ao tema ora eleito (atualização da tabela do IRPF), estarmos diante de verdadeiro problema de aritmética jurídica, em que o contribuinte, sempre que manifestar riqueza objetiva, será tributado tal como graduado na respectiva legislação tributária.
Queremos com isto significar que a não atualização da tabela do IRPF acaba por criar, por decorrência lógica, em face da paralela atualização monetária que se vê em âmbito de vencimentos laborais, uma falsa ideia de riqueza objetiva, donde uma das seguintes possibilidades, por certo, ocorrerá: 1ª) quem já era contribuinte do IR poderá ser, falsamente, por ele mais onerado ou, 2ª) quem era isento, contribuinte poderá se tornar, especialmente nas faixas mais próximas dos limites legais de isenção.
Seria como que se estivéssemos num contexto de aplicação às avessas do princípio da capacidade contributiva que passaria a se assentar, a bem da verdade e de forma desfigurada, na incapacidade econômica objetiva dos contribuintes então atingidos, em detrimento da segurança jurídica e do próprio poder aquisitivo da moeda conforme concretizado na men legis da normatização contemporânea à (última) data de atualização monetária realizada para fins de cálculo e escalonamento das alíquotas do IRPF. A vitória caminharia ao lado da inflação.
Noutras palavras, a não atualização da tabela do IRPF equivaleria à tributação além da conta, com a atribuição de falso poder aquisitivo, objetivo, à imensidão de contribuintes da nação.
Aliás, há noticias de que o governo federal arrecadará, adicionalmente, apenas por conta desta pseudomatemática, cerca de R$ 5,7 bilhões, em valores que foram sugeridos pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese)[6], ou seja, comodamente, recolher-se-á imposto sem a correspectividade de seus fatos imponíveis tributários próprios, in casu, representados pela manifestação objetiva de poder de riqueza individual.
Por fim, ainda, entendemos que a referida situação acaba por resultar, igualmente, em flagrante ato confiscatório por parte do governo que se apropriará, sem qualquer causa jurídica justa, de propriedade legítima de contribuintes, ou seja, de propriedade alheia (riqueza), em contundente afronta à Constituição Federal, em especial, aqui, ao seu artigo 150, IV, a bem justificar, portanto, as mobilizações sociais que atualmente estão sendo deflagradas e noticiadas.
[1] Para Geraldo Ataliba, “…princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm de ser prestigiados até as últimas consequências”. República e Constituição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1985, pp.6 e 7.
[2] Curso de Direito Constitucional Tributário. 23ª ed., rev., ampl. e at.. São Paulo: Malheiros, 2007, p.87.
[3] Da mesma forma, para Elizabeth Nazar Carrazza, in Progressividade e IPTU. Curitiba: Juruá Editora, 1992, p.48.
[4] Segundo teorizado por Hans Kelsen, a Constituição “representa o escalão de Direito Positivo mais elevado”. Por sua vez, para Gomes Canotilho e Vital Moreira, “(…)a principal manifestação da preeminência normativa da Constituição consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida à luz dela e passada pelo seu crivo, de modo a eliminar as normas que se não conformem com ela”. Fundamentos da Constituição. Coimbra Editora: Coimbra, 1991, p.45.
[5] Idem ob. cit., pp.93 e 94.
[6] Segundo recente matéria publicada no jornal O Estado de S.Paulo.