Mercado elogia governo na crise, mas pede maior queda no juro
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Fonte: Redação Terra
Peter Fussy
Direto de São Paulo
Desde as primeiras medidas anunciadas para combater os efeitos da crise, o governo brasileiro avisou que a estratégia não contemplaria um pacote. Seriam doses pontuais, de acordo com a necessidade da economia diante do agravamento das turbulências. Da primeira liberação dos depósitos compulsórios em setembro até a ampliação do seguro-desemprego na última quarta-feira, o governo passou por redução de impostos, ampliação de crédito e incentivos à exportação. Quase 150 dias após a primeira medida, o Terra conversou com líderes do setor público e privado, representantes dos trabalhadores, acadêmicos e com o próprio governo para saber quais destas ações foram mais eficazes, quais foram mais ineficientes e o que mais pode ser feito pelo Estado brasileiro contra a crise.
Os maiores elogios foram direcionados à atitude de reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a indústria automobilística, anunciada em dezembro e que fez com que os emplacamentos de carros novos subissem 1,9% no primeiro mês do ano em relação a dezembro de 2008. Já as maiores críticas foram para a lentidão no corte da taxa básica de juro do País.
Para o presidente do conselho administrativo do Grupo Pão de Açúcar, Abílio Diniz, o Estado não é responsável pela crise e mesmo assim está agindo "com extrema serenidade e muito acerto". "O governo está atento, fazendo a sua parte. É preciso coragem de baixar firmemente a taxa de juros. É uma arma que temos a nosso favor, já que não há clima para inflação, nem possibilidade de danos para a macroeconomia", afirmou Diniz.
Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em janeiro, a taxa Selic foi reduzida em um ponto percentual, de 13,75% para 12,75% ao ano. Porém, o professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luiz Oreiro lembra que este corte representa uma redução de apenas 0,25 ponto percentual com relação à taxa de setembro do ano passado, quando a crise se agravou.
"Pouco antes da eclosão da crise, o Banco Central aumentou a taxa em 0,75 ponto. Foram cinco meses de demora para reduzir em termos líquidos apenas 0,25 ponto", afirmou o economista, que também sugeriu redução do intervalo de cerca de 90 dias entre as reuniões do Copom e o corte de pelo menos um 1 ponto percentual em cada reunião.
Mesmo com o corte de janeiro, a taxa de juros real continua sendo a maior do mundo, lembrou o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna. "A redução da taxa de juro ainda é pequena, porque ela continua uma das mais altas do mundo. Falta ousadia para baixar os juros e ajudar o cidadão. A permanência da taxa de juro alta é negativa para o País em meio a crise", afirmou Juruna.
Embora aprove as ações do governo, o senador Aloízio Mercadante (PT-SP) também acredita que o patamar da Selic está muito alto. "Sempre fomos os primeiros a entrar em qualquer crise, o que não aconteceu agora. A taxa Selic ainda é muito alta, mas o governo têm tomado medidas acertadas, como o aumento do salário mínimo, mesmo com um cenário de crise. Isso ajuda a movimentar o consumo. O governo está se esforçando para manter os investimentos e o crescimento", disse.
Tributos
De acordo com o economista Fabio Pina, da Fecomercio-SP, as ações mais positivas estão relacionadas à redução de tributos para alguns segmentos, como a indústria automobilística, que recuperou parte da queda nas vendas em janeiro com a isenção do IPI para carros 1.0 l e o corte para demais motorizações. A medida vale até o final de março.
"Essas medidas não só reduziram o preço, mas anteciparam o consumo daqueles que iriam comprar no futuro, dando um prêmio por conta da insegurança. Mexe diretamente com o principal problema que é a confiança do consumidor", afirmou. Juruna destacou que um bom ritmo de vendas é garantia de emprego. "É importante porque cada emprego na montadora significa 19 na cadeia produtiva", comentou o representante da Força Sindical.
Também em dezembro, o governo decidiu cortar pela metade a alíquota do Imposto de Renda para contribuintes que ganham entre R$ 1.434 e R$ 2.150 mensais. "O salário aumentava e a tabela não se modificava. As pessoas ganhavam mais e pagavam mais impostos", apontou Juruna. Outra redução de tributos do governo foi com relação ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que caiu de 3% ao ano para 1,5%.
Crédito
Na segunda metade de 2008, o colapso de bancos nos Estados Unidos por conta da crise do subprime provocou uma forte restrição de crédito no mundo inteiro. Uma das primeiras medidas anticrise do governo teve como objetivo restabelecer a oferta, com mudanças no recolhimento dos depósitos compulsórios por parte dos bancos. Segundo o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, as diversas modificações liberaram US$ 99,2 bilhões aos bancos até o final de janeiro.
Além disso, o governo concedeu R$ 36 bilhões das reservas internacionais para empresas brasileiras com dívidas no exterior e uma medida provisória autorizou o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal a comprar carteiras de crédito de bancos privados. Para o diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp, Paulo Francini, estas medidas foram essenciais para combater os efeitos da crise.
"A crise se desenvolve no mundo em torno do tema crédito. E o crédito reduziu-se barbaridade no mundo. Então o governo lança mão de compulsório, lança mão de reservas, de medidas que permitem aos bancos comprar carteiras de bancos. Você vai tomando várias medidas para atender às demandas e o epicentro disso é crédito", afirmou.
No entanto, Oreiro, da UnB, adverte que a liberação dos compulsórios seria mais eficiente acompanhada de redução mais agressiva da taxa básica de juro. "Uma parte do crédito voltou, depois da forte retração em outubro e novembro. O que deveria ter sido feito junto à liberação do compulsório era uma redução mais drástica da taxa de juro. Sem isso, os bancos pegam as reservas e acabam comprando títulos públicos", explicou o economista.
Na opinião de Pina, as ações de distribuição de crédito via redução do compulsório e a disposição de capital de giro para empresas foram tomadas sem um cuidado maior na operação e não tiveram muito efeito. "O BNDES tem linhas que ficam paradas quase todo o ano, agora é pior ainda. Existem os recursos, mas as empresas e os bancos estão desconfiados. É preciso fazer com que os bancos tenham interesse em emprestar", afirmou o economista da Fecomercio-SP.
Futuro
Mesmo com todas essas medidas, a crise financeira ainda gera incertezas nos setores produtivos do País. Nos últimos meses, o medo do desemprego fez os consumidores adiarem compras. Por sua vez, a queda nas vendas pode obrigar as indústrias a cortarem a produção e demitir funcionários. Contra isso, empresários sugerem redução de jornada e de salários.
"Isto está previsto em lei. A Fiesp simplesmente manteve conversações com entidades sindicais quanto à aplicação daquilo que já está previsto em lei", afirmou Francini.
Segundo a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, uma das medidas que assegura um nível de emprego é a manutenção de investimentos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). "Estamos esperando que a dificuldade ocorra em janeiro, fevereiro e março. Estamos certos que vamos manter o nível de investimento. É isso que funciona, é isso que significa investimento público. Ele funciona como um colchão. Por isso, nós colocamos R$ 100 bilhões no BNDES e a Petrobras ampliou o seu investimento em R$ 120 bilhões", afirmou.
Na mesma linha, Pina explica que a antecipação de gastos do governo substitui parte da demanda retraída do setor privado. "Ele dá o seguinte recado: não vou estourar as contas públicas, mas concentrar em um momento em que a demanda privada está pequena. Mas o governo não tem fôlego suficiente para fazer o papel de toda demanda", ressaltou. O economista da Fecomercio lembrou que a entidade já pleiteou junto ao governo isenções para transferência de imóveis e de automóveis, além de retirar o IPVA para veículos novos.
Já Oreiro foca suas propostas na capitalização do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal pelo Tesouro para atender a demanda de crédito para capital de giro e reduzir o spread. "Aumentando o empréstimo e reduzindo as taxas, os dois vão forçar os bancos privados a acompanhar o movimento, até para não perderem participação no mercado", explicou o economista da UnB.
Até o Carnaval, o governou prometeu detalhar um pacote de incentivos para a construção de até um milhão de casas populares, direcionado a famílias com renda de até dez salários mínimos. "Estamos atentos a tudo o que está acontecendo e novas medidas serão tomadas caso haja uma avaliação de que sejam necessárias", disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, na última sexta-feira.
Colaboraram Daniel Ottaiano, Fabiana Leal e Vagner Magalhães.