Médicos são obrigados a receber pró-labore quando são sócios de clínicas médicas?
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Portal Fenacon
A remuneração por meio de pró-labore não é sempre desejada pelos participantes de uma sociedade. Não é que não se queira, por óbvio, receber remuneração. É que quando se trata de pró-labore, é a forma como se recebe que não faz brilhar os olhos dos sócios das sociedades.
Isso decorre da tributação incidente sobre tal natureza de remuneração, passível de exigência do INSS e de imposto de renda, tal como os salários convencionais. A comparação que se faz quase que intuitivamente é sempre com os lucros recebidos das empresas, isentos de imposto de renda e fora do campo de incidência do INSS.
No caso dos médicos essa objeção se agrava, haja vista que é muito comum aos profissionais dessa classe terem simultaneamente relações de naturezas distintas: como sócios de consultórios, clínicas ou hospitais, recebendo pró-labore; e, ao mesmo tempo, como funcionários de sociedades ou entidades de saúde, muitas vezes públicas, recebendo salários.
Esse fenômeno faz com que as remunerações oriundas das diversas fontes pagadoras se somem, ou seja, salários e pró-labores recebidos, e com que o leão abocanhe boa parte dos rendimentos dos médicos no momento da declaração anual de ajuste por meio da tributação do imposto de renda.
Se o mesmo não acontece com o INSS, já que é possível aos médicos evitarem que o tributo seja retido por uma fonte pagadora informando que o teto já foi retido por outra, essa reunião de remunerações faz com que os médicos alcancem mais rapidamente o valor máximo da contribuição.
Pois bem. Se o pró-labore traz esses indesejáveis efeitos tributários, por que os médicos participantes de suas sociedades simplesmente não deliberam para deixar de pagá-lo?
É aí que entra a Instrução Normativa RFB Nº 971, de 13 de novembro de 2009, que em seu art. 57, § 5°, diz o seguinte:
Art. 57. As bases de cálculo das contribuições sociais previdenciárias da sociedade e do equiparado são as seguintes:
(…)
5º No caso de Sociedade Simples de prestação de serviços relativos ao exercício de profissões legalmente regulamentadas, a contribuição da sociedade em relação aos sócios contribuintes individuais terá como base de cálculo:
I – a remuneração paga ou creditada aos sócios em decorrência de seu trabalho, de acordo com a escrituração contábil da sociedade, formalizada conforme disposto no inciso IV do caput e no § 5º do art. 47;
II – os valores totais pagos ou creditados aos sócios, ainda que a título de antecipação de lucro da pessoa jurídica, quando não houver discriminação entre a remuneração decorrente do trabalho e a proveniente do capital social, ou tratar-se de adiantamento de resultado ainda não apurado por meio de demonstração de resultado do exercício ou quando a contabilidade for apresentada de forma deficiente. (os grifos são nossos)
Uma decorrência lógica inafastável é a seguinte: o médico que é sócio de uma clínica ou consultório efetua atendimentos e serviços médicos em favor dos seus pacientes, gerando receita. Trata-se de trabalho, portanto, e deve ser remunerado (se remunerado) por meio de pró-labore, já que o conceito é juntamente o de se tratar (o pró-labore) da remuneração pelo trabalho dos sócios. Essa é a lógica que inspira o preceito legal reproduzido.
Nessa linha, é de se notar 4 (quatro) situações apontadas pela norma federal supramencionada para ensejar a tributação de INSS e, consequentemente, do imposto de renda: (i) o próprio pró-labore, ou seja, o que se declarou como remuneração pelo trabalho do sócio; (ii) qualquer remuneração que se pague ao sócio, caso não se tenha destacado o pró-labore; (iii) as antecipações de lucros mensais não lastreadas na DRE do período a que se refere o lucro distribuído; e (iv) qualquer valor que o sócio receba quando sua contabilidade não estiver atendendo às exigências da lei societária.
Não é outra coisa que o que consta na Solução de Consulta COSIT Nº 120/16:
O sócio da sociedade civil de prestação de serviços profissionais que presta serviços à sociedade da qual é sócio é segurado obrigatório na categoria de contribuinte individual, conforme a alínea “f”, inciso V, art. 12 da Lei nº 8.212, de 1991, sendo obrigatória a discriminação entre a parcela da distribuição de lucro e aquela paga pelo trabalho.
O fato gerador da contribuição previdenciária ocorre no mês em que for paga ou creditada a remuneração do contribuinte individual.
Pelo menos parte dos valores pagos pela sociedade ao sócio que presta serviço à sociedade terá necessariamente natureza jurídica de retribuição pelo trabalho, sujeita à incidência de contribuição previdenciária, prevista no art. 21 e no inciso III do art. 22, na forma do §4º do art. 30, todos da Lei nº 8.212, de 1991, e art. 4º da Lei nº 10.666, de 8 de maio de 2003.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei 8.212, de 1991, art.12, inciso V, alínea “f”, art. 21, art. 22, inciso III, art.30 §4º; Lei nº 10.666, de 2003; art.4º. RPS, aprovado pelo Decreto 3. (os grifos são do autor)
Portanto, alguns cuidados devem ser tomados pelos médicos sócios de consultórios e clínicas no tocante à remuneração que recebem de suas sociedades.
O primeiro é que, se estiver destinando remuneração ao sócio, a clínica ou o consultório deve necessariamente destacar um percentual dela (remuneração) para que sirva de pró-labore. Isso deve ser alvo de deliberação entre os sócios e ser detalhadamente combinado com o escritório contábil responsável, pois é a contabilidade que irá promover essa adequada segregação de rendimentos e produzir os registros contábeis comprobatórios. Caso haja pagamento de remuneração e não se verifique o pró-labore, o fisco federal entenderá que toda a remuneração recebida é pró-labore e exigirá o pagamento dos competentes tributos (INSS e imposto de renda) acrescidos de pesada multa e juros.
Não podemos olvidar que esse exercício de segregação de remuneração só será necessário no caso dos médicos serem remunerados pela sociedade. Do contrário, não há que se exigir que a clínica ou consultório necessariamente pague pró-labore ao médico. Isso encerra a questão proposta no título desse artigo, ou seja, o médico sócio só está obrigado a ter retirada de pró-labore quando estiver recebendo remuneração da sociedade. Do contrário não.
Ocorre também situações em que o médico é sócio, mas não trabalha pela clínica ou consultório (sócio investidor), não havendo que se falar em obrigatoriedade de pagamento do pró-labore.
Essa situação é bastante comum em clínicas que segregaram suas atividades em duas ou mais sociedades para adotar em uma delas o regime de Lucro Real para apuração do imposto sobre a renda. Essa forma de planejamento tributário se torna cada vez mais comum na atividade médica. Estando no Lucro Real, deslocam a maior parte dos gastos dedutíveis para essa sociedade (optante pelo Lucro Real), evitando-se com isso a formação de lucro e, consequentemente, a incidência de tributos sobre o lucro e a renda. Assim, não havendo lucro, ou seja, não havendo o que se distribuir a título de lucro aos sócios, impensável e inócuo se obrigar a sociedade a pagar pró-labore aos seus titulares.
Outro cuidado digno de nota é o seguinte: é prática corrente entre clínicas e consultórios médicos o pagamento de antecipações de lucros mensais, entretanto nem a legislação societária nem a legislação do imposto sobre a renda preveem essa figura.
É bem verdade que já houve na legislação infra legal autorização para não se tributar os “lucros creditados ao sócio ainda que por conta de período-base não encerrado”, desde que não excedentes aos lucros apurados na escrituração contábil (art. 48 da IN SRF 093/97), todavia essa Instrução Normativa foi integralmente revogada pela IN 1.515/14.
Dessa forma, os sócios só poderão rigorosamente fazer jus ao recebimento da fração de lucro isenta do imposto de renda que lhes cabe, depois de apurado o resultado contábil do período e desde que de fato haja lucro ao final do período.
Nessa mesma linha, as clínicas e consultórios médicos também devem se atentar para a regularidade de sua contabilidade, pois, como dito algures, somente o lucro lastreado em demonstrações contábeis formalmente regulares poderá ser distribuído com isenção do imposto sobre a renda. Caso a sociedade médica não possua escrituração contábil criteriosa e correta, só poderá distribuir a parcela do lucro que estiver abaixo do percentual do lucro presumido (32% da receita bruta) subtraída de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, sob pena do excedente ser tributado na pessoa física do sócio. Não é outra coisa o que diz o Ato Declaratório Normativo COSIT Nº 4/96:
I – no caso de pessoa jurídica submetida ao regime de tributação com base no lucro presumido ou arbitrado, poderá ser distribuído, a título de lucros, sem incidência do imposto, o valor correspondente à diferença entre o lucro presumido ou arbitrado e os valores corresponndentes ao imposto de renda da pessoa jurídica, inclusive adicional, quando devido, à contribuição social sobre o lucro, à contribuição para a seguridade social – COFINS e às contribuições para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP.
Por fim, vale destacar um último e importantíssimo cuidado: outro requisito fundamental para a distribuição de lucros aos sócios, que muitos empresários fazem vista grossa ou desconhecem, é o da regularidade fiscal junto à União. Com efeito, caso o consultório ou a clínica tenha débitos tributários não garantidos juntos à Fazenda Nacional, não poderá distribuir lucros aos seus sócios, sob pena de incorrerem (sócios, clínica e consultório) em exorbitante multa de 50% (cinquenta por cento) do valor distribuído (art. 32 da lei 4.357/64). Caso possuam débitos, mas os tenham parcelados, há espaço para se arguir a possibilidade de distribuição regular de lucros, consoante já orientou a Superintendência Regional da RF da 4ª Região Fiscal (Solução de Consulta 82/2005):
A pessoa jurídica que possui débitos parcelados para com a União, relativos a tributos administrados pela Receita Federal do Brasil, pode, sim, distribuir bonificações a seus acionistas, dar ou atribuir participação de lucros a seus sócios ou cotistas, bem como a seus diretores e demais membros de órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos, ainda que o respectivo parcelamento não exija a prestação de garantia, visto que este suspende a exigibilidade do crédito tributário.