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Mais impostos, mais gastos

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A noção de causalidade é muito intuitiva, e pode ser aplicada a variáveis econômicas. Um exemplo típico é o do investimento. Quando uma fábrica está produzindo a plena capacidade, é preciso investir para que produza mais. Ou seja, primeiro investe-se, depois vem o aumento de capacidade e a conseqüente maior produção. Neste caso, o investimento causou o aumento da produção. Esta idéia foi generalizada por Clive Granger que definiu um conceito de causalidade estatística. Em termos gerais, uma variável A causa a outra B, se um movimento de A no passado influencia B no presente.

 

No exemplo do investimento, vê-se que o investimento (variável A) causa o aumento de produção (variável B). Em geral, a definição de Granger permite qualquer combinação possível: (I) A causa B mas B não causa A, (II) B causa A, mas A não causa B, (III) A causa B e B causa A, ou (IV) nem A causa B nem B causa A. Para que serve esta noção?

 

Ora, se uma variável A causa a outra B, então pode-se agir sobre A para fazer com que B seja afetada. Assim, se há uma política que estimule o aumento do investimento, sabe-se que a produção futura aumentará mais.

 

Este teste para a causalidade é usado amplamente na literatura econômica e financeira. Uma pergunta muito interessante é: será que o governo que é forçado a gastar mais, tem que aumentar impostos no futuro? E vice-versa, será que a maior arrecadação de tributos acarreta maior despesa pública?

 

Um estudo de João Paulo Brunet, do Banco Itaú, mostrou o seguinte para o Brasil: (I) o aumento de gasto não causa a elevação de imposto, e (II) o aumento de imposto causa a elevação dos gastos. Adicionalmente, verificou-se que um aumento de 1 real de tributos leva a um aumento idêntico da despesa no longo prazo. Em outras palavras, tudo que o governo arrecadar além do esperado também será gasto. Daí, enquanto a carga tributária continuar elevando-se, não adianta esperar que haja um alívio de impostos futuros ou que o excesso de arrecadação seja utilizado para abater mais rapidamente a dívida pública. Simplesmente, o aumento de tributos será despendido. Uma verificação deste fenômeno pode ser vista no seguinte: todos os anos, desde 2003, a receita real do governo federal foi maior que a estimada no orçamento geral da União. Em média, entre 2003 e 2007, a arrecadação federal ficou 4% acima do número que é apresentado no orçamento. Por outro lado, não houve diminuição de impostos ou abatimento de dívida pública relevante no período.

 


Vários movimentos que aconteceram no país na tentativa de conscientizar a população de que o governo deveria conter suas despesas não surtiram efeito

 

Isto joga luz sobre um problema que tem sido observado: a carga tributária tem sido constantemente elevada. Com efeito, esta saiu de 30,3% PIB em 1999 para 35,8% PIB (estimada) em 2007. E o gasto público também tem aumentado. A elevação de arrecadação do período redundou apenas em aumento de gastos do governo, que naturalmente são úteis em alguma medida. Mas, desde 2003 eles têm crescido à alarmante taxa de 9,5% reais ao ano, muito mais que o crescimento médio do PIB. Se a despesa pública cresce acima do PIB, ela toma espaço do setor privado, através da arrecadação de recursos tributários, que poderiam ser usados para o consumo ou investimento privados. No caso do Brasil, a despesa do governo há muito passou do ponto ideal. Quando compara-se o gasto não financeiro do nosso país com o de outras economias, isto fica muito claro. Enquanto no Brasil o gasto não financeiro alcança 34,1% do PIB, essa relação nos EUA é 18%; na Inglaterra 11,5%; na Espanha 33%; na Rússia 18,8%; na África do Sul 25,4%; no México 17,9%; e na Turquia 22,4%. Percebe-se que o tamanho do gasto público no Brasil é muito maior do que a média internacional de países emergentes similares e comparável à de alguns países europeus.

 

A importância de detectar que a arrecadação tributária causa despesa pública (mas não o oposto) é grande. Sugere de maneira muito clara que pressionar para evitar que o setor público aumente seus já elevadíssimos gastos só será eficaz se houver um corte na receita tributária. Assim, vários movimentos que aconteceram no país na tentativa de conscientizar a população de que o governo deveria conter suas despesas não surtiram efeito. Isto porque a carga tributária continuou subindo.

 

Dessa forma, a maneira mais adequada de controlar o crescimento das despesas públicas é pela diminuição dos impostos. A extinção da CPMF (Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira) foi uma das medidas mais eficazes nesta direção.

 

O governo anunciou um corte de 20 bilhões no orçamento, por conta da perda de receita da CPMF. E, além disso, ainda elevou o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líqüido). Estes aumentos de tributos são desnecessários diante dos resultados fiscais atuais. Basta esta diminuição de despesas de 20 bilhões para que a dívida pública continue seu caminho de queda (como proporção do PIB). O resultado da causalidade dos impostos para os gastos mostra com clareza que estas elevações de tributos apenas redundarão em mais despesas no futuro.

 

Observe ainda que, se o orçamento não tivesse sido cortado, a despesa pública de 2008 cresceria 12,8% reais, e mesmo considerando-se o corte de R$ 20 bilhões anunciados, o gasto governamental aumentará 8,5% em termos reais neste ano! Lembre-se que o crescimento do PIB deverá estar entre 4 e 5%, de modo que o gasto público seguirá seu caminho de alta como proporção do produto.

 

O Brasil já tem uma enorme carga tributária, muito maior que a de países comparáveis. A chance do Poder Executivo propor reduções significativas nos impostos é remota, pois a arrecadação tem sido sistematicamente utilizada para aumentar os gastos. Portanto, sempre que for possível, o Congresso deveria aproveitar a oportunidade para diminuir tributos ou não aprová-los. A rejeição da prorrogação da CPMF foi uma medida de grande importância para conter o crescimento dos gastos públicos. Da mesma forma, o Congresso não deveria aprovar a Medida Provisória 413/2008, que eleva a CSLL.

Sérgio Ribeiro da Costa Werlang, diretor-executivo do Banco Itaú e professor da Escola de Pós-graduação em Economia da FGV, escreve mensalmente às segundas-feiras.