Líderes sul-americanos criam Banco do Sul
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Os presidentes de Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia, Equador e Paraguai assinaram ontem, em Buenos Aires, a ata de fundação do Banco do Sul, novo organismo de financiamento da região. O Uruguai também participará da instituição, mas seu presidente, Tabaré Vázquez, não esteve presente no lançamento.
A criação do Banco do Sul foi o último ato do governo do presidente argentino, Néstor Kirchner, que hoje passa o poder à sua mulher, Cristina Fernández de Kirchner, eleita em outubro. Kirchner foi, ao lado do venezuelano Hugo Chávez, um dos principais defensores da criação do banco, ao qual o Brasil hesitou em se somar, por temores de que fizesse parte de um projeto chavista de controle da região.
Ao chegar ontem à Argentina, Chávez afirmou que a criação do Banco do Sul representa a ata de nascimento de um dos instrumentos que serão determinantes no processo de independência de nossos povos. "Bilhões de dólares nossos são colocados nos bancos do Norte, dos EUA e da Europa, e nos pagam por eles juros muito baixos", afirmou Chávez.
A ata de fundação prevê que, nos próximos 60 dias, devem ser tomadas decisões como a composição da direção do banco – o Brasil defende que seja proporcional ao aporte de cada país, hipótese que enfrenta resistência dos sócios mais pobres – e o montante do seu capital social inicial – a previsão é de que sejam US$ 7 bilhões. As especulações sustentam que maiores contribuições a esse capital proviriam do Brasil e da Venezuela, que colocariam entre US$ 2 bilhões e US$ 3 bilhões cada um. Nesta hipótese, a Argentina colocaria US$ 800 milhões. Ainda não foi definido o peso dos votos dos países. Uma das alternativas é que cada país corresponda a um voto. Outra opção é que o voto tenha uma dimensão equivalente ao total depositado pelo país no Banco do Sul, tal como ocorre no Banco Mundial ou no FMI.
Ao chegar a Buenos Aires para participar da cerimônia de fundação do Banco do Sul, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, negou que as maiores economias da América do Sul que vão integrar o banco – Brasil, Argentina e Venezuela – irão comandar a instituição financeira. O banco se propõe a financiar projetos de desenvolvimento da região e ser uma alternativa aos atuais organismos financeiros como o Banco Mundial (Bird), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Ao ser perguntado se o fato de o presidente Hugo Chávez ter sido um dos que lançou a idéia de criar a instituição permitiu que a sede desta ficasse em Caracas, na Venezuela, Mantega disse que os países terão o mesmo peso. "Não existe possibilidade de alguém controlar o banco, porque os países maiores terão limites de capital." O limite da Venezuela será igual ao do Brasil e ao da Argentina. "Teremos, no mínimo, o mesmo peso dentro dele", afirmou Mantega.
O ministro disse que, apesar de a proposta de criação do Banco do Sul ter sido lançada pelos presidentes Chávez e Néstor Kirchner, da Argentina, a instituição é mais um capítulo da integração da América do Sul no que diz respeito ao aspecto financeiro. "Não diria que foi uma idéia do presidente Chávez, porque estamos estreitando laços dentro do Mercosul e da União das Comunidades Sul-Americanas (Unasul). Digamos que Chávez foi um entusiasta da criação do banco", argumentou Mantega.
Além da sede em Caracas, o Banco do Sul terá uma subsede em Buenos Aires. Uma outra subsede prevista para La Paz, na Bolívia, ainda não está definida. O banco não começou a operar, mas organizações da sociedade civil temem que ele siga o modelo de órgãos multilaterais existentes, como o FMI e o Bird, e criticam a falta de participação da sociedade brasileira no processo de criação do banco.
Para Carlos Tautz, da organização Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, o Banco do Sul deve financiar projetos que tentem resolver problemas sociais da América do Sul, como os que visem a reduzir o déficit do saneamento básico, e não os de exportação de produtos. Esses, segundo ele, já recebem crédito dos atuais órgãos financeiros.
"O Banco do Sul tem que, ao mesmo tempo, financiar o atendimento a demandas sociais, como saneamento, habitação, segurança, saúde. Um banco como esse pode ser o financiador de instrumentos de saneamento", diz Tautz, pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).
Tautz reclama que a sociedade civil não foi ouvida sobre a criação do banco e não acredita que o governo brasileiro abrirá o debate.
Para ele, as informações que chegaram à população foram as divulgadas pela imprensa. "Notícias da imprensa dão conta de que a estrutura do banco será uma estrutura tradicional, o que não nos contempla", diz Tautz, acrescentando que um representante da sociedade civil participa da delegação equatoriana que discute o Banco do Sul.
Já o secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Luiz Melin, informa que está nos planos do governo abrir a discussão, porém pondera que nem todas as informações podem ser divulgadas para não colocar em risco decisões dos outros países integrantes do banco. "Há que se lembrar que são negociações entre governos soberanos. Todos os países que estão na mesa têm o compromisso de não fragilizar a posição e as decisões de um outro país que está envolvido na negociação, tornando público cada passo, cada etapa das discussões", explica Melin.
O representante da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip), Adhemar Mineiro, defende que representantes do governo brasileiro no Banco do Sul devem prestar contas à população. "Como se está criando uma instituição, é importante não repetir erros, como ausência de transparência e participação, que já resultaram em outras instituições com perda de eficiência e de legitimidade", salienta ele, que é pesquisador do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).