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Lei anacrônica barra venda de terras a estrangeiros no Brasil

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Portal Exame

Se o Brasil não quiser, esse dinheiro vai para o Leste Europeu, para a África e outros lugares

Imagine um Boeing sobrevoando o Brasil com 3 bilhões de dólares para ser investidos aqui nos próximos dois anos. A aeronave prepara-se para o pouso quando chega o aviso de que há um terremoto. O piloto arremete o avião e fica à espera de um sinal de que o perigo passou. O combustível, porém, vai acabar.

Em algum momento será preciso pousar — se não no Brasil, em qualquer outro lugar do mundo que possa receber os bilhões a bordo —, nem que seja numa pista esburacada. A parábola foi criada pelo americano Chris Erickson, diretor da HighQuest Partners, consultoria especializada em agronegócio com sede em Boston, nos Estados Unidos.

É uma analogia para explicar por que investidores internacionais que miram projetos no campo estão evitando o Brasil, apesar de considerá-lo um celeiro do mundo. O avião representa 54 fundos de investimento dos Estados Unidos e da Europa ouvidos numa pesquisa da HighQuest.

O terremoto, por sua vez, é a decisão do governo brasileiro de limitar a compra de terras por estrangeiros. A mudança ocorreu em agosto de 2010 e travou os negócios no setor. “Os investidores querem o Brasil”, afirma Erickson. “Mas, se o governo não revisar a restrição, o dinheiro vai para Ucrânia, Romênia, Zâmbia, Uruguai e outros países.”

Um levantamento realizado por EXAME apurou que a decisão está custando caro. Incluindo os recursos dos fundos, estima-se que estejam represados 60 bilhões de reais que deveriam ser investidos até 2017 em quatro setores: grãos (soja e milho), algodão, papel e celulose e açúcar e álcool.

A polêmica em torno dos estrangeiros no campo não é nova, mas ninguém imaginou que poderia jogar um país com o perfil agrícola do Brasil em tal impasse. “Os defensores da reforma agrária sempre quiseram manter o máximo possível de hectares em poder de brasileiros para facilitar desapropriações e assentamentos”, diz um executivo que conhece os meandros da discussão. “Eles pressionaram o governo por anos para deter os estrangeiros, mas os argumentos nunca convenceram.”

Em meados de 2010, no entanto, circulou a informação de que a China usaria um fundo soberano para comprar áreas amplas no interior brasileiro. Conter os estrangeiros virou, então, questão de segurança nacional. Para acalmar os ânimos num ano eleitoral, o governo recorreu a uma estratégia atípica: encomendou um parecer da Advocacia Geral da União sobre a questão.

A resposta foi que toda empresa controla­da por estrangeiros, mesmo que registrada no Brasil, é subordinada a uma lei de 1971 e não pode comprar terras sem autorização do Incra ou do Congresso Nacional (no caso de áreas acima de 10 000 hectares).

“O parecer foi assinado pelo presidente da República e saiu no Diário Oficial”, diz o advogado Alexandre Clápis, sócio do escritório Machado Meyer. “Quando isso ocorre, tem o efeito de uma lei para órgãos da admi­nistração direta e indireta, como cartórios e juntas comerciais.” Hoje, qualquer compra de terras, bem como fusões e aquisições de empresas com propriedades rurais, deve passar pelo crivo oficial.

Tiro no pé

De acordo com André Pessoa, sócio da consultoria Agroconsult, o país deu “um tiro no pé”. “Quem perde são os brasileiros”, diz ele. Bancos internacionais, como o Rabobank, fornecedores de insumos e trading companies — como Bunge e Cargill —, que são tradicionais financiadores do plantio de soja, não podem mais aceitar imóveis rurais como garantia de empréstimo.

O uso de outras garantias nos negócios com fazendeiros já encareceu em 20% o crédito no setor. Mais de 60% do financiamento da soja provém de instituições internacionais. Há prejuízo também para quem quer acelerar o ritmo dos negócios. Desde julho do ano passado, a Agropecuária Jacarezinho, de Valparaíso, no interior paulista, prospecta estrangeiros interessados em comprar uma fatia de 20% de seu capital.

O dinheiro iria para o cultivo de soja, algodão, eucalipto e para a criação de gado no oeste da Bahia. “Havia 20 fundos animados com o projeto”, diz Ian Rios, diretor da Jacarezinho, controlada pelo empresário Alexandre Grendene, do setor de calçados. “Quando saiu o parecer, 17 desistiram, três visitaram nossas instalações, mas nenhum bateu o martelo.”

No médio prazo, entrou em xeque a velocidade do desenvolvimento do país, principalmente no interior. Hoje há 37 bilhões de reais suspensos em expansões no setor de celulose e papel devido às restrições — e cada bilhão represado representa outros bilhões de riqueza desperdiçada.

Veja o exemplo da americana International Paper, que há dois anos inaugurou uma fábrica em Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul, após investir 1,1 bilhão de reais. Antes do projeto, iniciado com a compra de terras e o plantio de mudas ainda nos anos 80, Três Lagoas era uma pequena cidade dependente da pecuária.

Entre 2005, quando iniciaram as obras, e 2009, ano da inauguração da fábrica, o município virou um pujante polo industrial e hoje responde por mais de 10% do PIB estadual. A transformação ocorreu porque a International Paper levou para lá 14 fornecedores e foi chamariz de novos empreendimentos, como uma fábrica de fertilizantes da Petrobras. Numa visão mais abrangente do problema, até as grandes cidades tendem a sofrer.

Cerca de 30% das usinas de etanol, combustível menos poluente do que a gasolina e o diesel, estão com empresas estrangeiras. “Como essas empresas vão ampliar a produção no Brasil se tiverem restrição para comprar terras?”, pergunta Marcos Jank, presidente da Única, a entidade do setor.

Em busca de uma solução política para o impasse, associações e representantes de governos estaduais têm organizado caravanas à Esplanada dos Ministérios, em Brasília. “Precisamos de uma nova legislação, clara e coerente com a realidade do agronegócio brasileiro, para resgatar a segurança jurídica perdida com o parecer da AGU”, afirma o ex-ministro Roberto Rodrigues.

Enquanto o Brasil patina numa discussão anacrônica, países antes fechados buscam o investimento externo. É o caso da Ucrânia, ex-integrante da Cortina de Ferro que chegou a ter todas as terras estatizadas. Segundo o consultor ucraniano Sergey Feofilov, diretor da Ukr AgroConsult, o financiamento lá é escasso e caro: “O dinheiro estrangeiro é fundamental para nosso desenvolvimento agrícola. Na Ucrânia, ele é bem-vindo”. Por que não no Brasil?