Jurista defende uma reforma que respeite diferenças regionais
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Marta Watanabe
O octogenário jurista Alcides Jorge Costa defende uma reforma tributária muito mais profunda do que as que já foram discutidas no Congresso. Para ele, uma reforma deve levar em consideração as diferenças econômicas entre as regiões do país. Segundo ele, não é possível pensar numa solução sem levar em consideração a diversidade entre uma São Paulo industrializada e um Estado como o Pará, baseado em economia extrativista. "É preciso uma reforma que permita a aplicação de várias políticas tributárias com flexibilidade."
Costa é um dos três especialistas em impostos mais admirados pelo governador de São Paulo, José Serra. Mas dessa lista, é o único que não trabalha ou nunca trabalhou para o poder público. A relação com o governador tem mais de 20 anos. Costa e o então deputado federal José Serra fizeram parte da subcomissão de assuntos tributários da Constituinte, formada em 1986. Dez anos depois, o jurista participou ativamente da elaboração da Lei Kandir, que desonerou as exportações da tributação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Costa conta que hoje acompanha como interessado as discussões do Legislativo. Para ele, as reformas que estão sendo discutidas são "cosméticas". "Reforma não é algo que possa ser decidido por três ou quatro pessoas, para ser aplicada dali a 15 dias. Precisa de estudos profundos", diz.
Professor aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Costa acredita que a proposta de substituição do atual ICMS por um Imposto sobre Valor Adicionado Estadual (IVA-E) é meramente cosmética. "Estamos vendo mais do mesmo", diz. O jurista concorda com a proposta de alterar a forma de tributação da origem para o destino, mas levanta questões que, para ele, estão sendo esquecidas.
Costa acredita que eventuais perdas iniciais – São Paulo alega que teria arrecadação reduzida com a mudança de cobrança para destino – poderiam ser ressarcidas. "Mas esse seria um ressarcimento transitório, para que o Estado pudesse se adaptar e se recompor", defende. Ele lembra que São Paulo também poderia ganhar com o decorrer do tempo, porque a tributação no destino eliminaria a guerra fiscal, que tem no Estado um dos principais alvos.
O problema, diz ele, são as diferenças econômicas regionais. Ele dá como exemplo o impacto da desoneração das exportações para Estados como o Pará, que tem o recolhimento baseado em indústria extrativista muito voltada para o mercado externo. "Não há dúvida que as exportações precisam ser desoneradas, mas é preciso estudar uma solução para a arrecadação dessas regiões." Nesse caso, a solução, diz, não seria um ressarcimento via governo federal.
"Esse tipo de ressarcimento seria apenas paliativo. É preciso encontrar um sistema que permita várias políticas tributárias para resolver isso." Ele lembra que o ressarcimento aos Estados em função da desoneração das exportações, por exemplo, foi resolvido às pressas na discussão da Lei Kandir e, inicialmente, duraria apenas quatro ou cinco anos. Atualmente, porém, dez anos depois, os Estados ainda continuam negociando com a União a devolução do ICMS perdido.
Um exemplo de solução mais permanente, diz, seria a instituição, no caso de indústria extrativista, de uma tributação sobre exportações pela União. Isso só aconteceria, porém, em ocasiões em que os preços do mercado internacional permitissem essa cobrança. Esse valor seria arrecadado pela União e repassado aos Estados. "É preciso estudar isso com cuidado, mas talvez o minério de ferro, por exemplo, pudesse ser tributado hoje."
Ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) do Estado de São Paulo, como representante dos contribuintes, Costa lembra que a solução para os conflitos entre os Estados, inclusive a guerra fiscal, precisa ser resolvida por meio da elaboração de um novo sistema tributário. O Judiciário, para onde muitos Estados têm levado a batalha de alíquotas, não comporta a discussão. A Justiça faz o seu papel de declarar inconstitucional alguma norma que fere o direito de outros Estados, diz, mas ela não tem instrumentos para coibir a guerra fiscal.
O jurista também vê com reservas a proposta de, futuramente, formar uma IVA federal que deverá incluir também o ISS hoje recolhido pelos municípios. Para ele, nem todo o ISS pode ser integrado ao IVA. "É possível incluir nessa cadeia de tributação o ISS sobre serviços, destinados a uma indústria, que fazem parte do processo produtivo, mas não o ISS devido pelo barbeiro ou por outro pequeno prestador." Costa vai além. "É preciso levar em consideração que os impostos municipais não são adequados para todos os municípios e que nem todas as prefeituras são capazes de fazer política tributária."
O também professor de direito do Mackenzie olha com desconfiança para a atual discussão de reforma. "Várias vezes o debate surgiu quando governo tinha intenção de aprovar a CPMF. Mas, aprovada a prorrogação, a discussão desaparecia", lembra. "Não sei se isso acontecerá dessa vez, mas não me espantaria se acontecesse."
Costa tem uma opinião bem-formada sobre a contribuição provisória. "Não se leva em conta uma coisa muito simples: a CPMF não é um tributo só. É um número indefinido de tributos que incidem sobre salários, honorários, faturamento dos comerciantes e indústrias, entre outros." Os efeitos econômicos desse tipo de tributo, altamente regressivo, diz, são difíceis de mensurar. "Por isso, o tributo tem uma grande tendência de repasse ao preço. Até mesmo quem ganha Bolsa Família paga a CPMF." Exatamente em função da extensão de sua cobrança, diz Costa, a CPMF deveria ser mantida, defende, apenas para a fiscalização, sua "única virtude". "Mas para isso não precisava ser 0,38% , podia ser 0,001%."
A discussão da CPMF como instrumento de fiscalização sempre traz o debate sobre o sigilo bancário e a necessidade de medida judicial. O jurista tem uma opinião polêmica a respeito. "Nesse assunto eu remo contra a maré. Eu não ligo a mínima para o sigilo bancário. O fisco pode ter acesso a todas as contas sem necessidade de ordem judicial, mas quero uma contrapartida para isso", argumenta. "Quero que algumas organizações da sociedade civil tenham acesso à movimentação bancária dos agentes que fiscalizam os tributos." Sem essa contrapartida, esclarece, a quebra de sigilo só pode ser obtida com autorização da Justiça.
Com a experiência de quem viu os impactos tributários dos pacotes econômicos dos últimos 50 anos, Costa diz que algumas alterações no campo dos impostos ainda são feitas de forma "destrambelhada". Um exemplo recente fica por conta da não-cumulatividade das contribuições sociais PIS e Cofins. "Essa lei não deveria ter sido publicada no Diário Oficial e sim na revista de palavras cruzadas e enigmas", brinca. "Geralmente se adota a não-cumulatividade feita em base contra base ou imposto contra imposto. No PIS/Cofins, houve uma solução híbrida, o que não deixou de ser hábil." Lembra, porém, que há muitas restrições para o crédito. "E os tributos não se tornaram não-cumulativos. Está longe disso", arremata.