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Identidade eletrônica

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Fonte: Valor Econômico

Mais do que trazer segurança e atestar transações realizadas no mundo virtual, o uso de certificados digitais envolve mudança cultural brusca. "Desmaterializar" operações comerciais, financeiras, fiscais e jurídicas é tarefa de substituir o hábito milenar de registrar tudo em papel pela confiança irrestrita na tecnologia.

Na prática, o processo de certificação digital funciona como um tabelião eletrônico, que autentica a assinatura de quem possui o certificado (ou identidade) durante o envio de dados ou documentos por meio de redes de comunicação, dando validade jurídica ao mundo eletrônico. É ainda ferramenta que certifica a operação remota de sistemas. "A emissão de documentos digitais traz resultados diretos na economia.

As instituições tornam-se mais eficientes e a sociedade ganha com a transparência", afirma Renato Martini, presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), autarquia federal vinculada à Casa Civil da Presidência da República.

Para usufruir a tecnologia e ter acesso remoto aos mais diversos serviços, o usuário precisa instalar em seu computador um cartão com chip, acompanhado de leitora, ou token – dispositivo portátil capaz de gerar e armazenar as chaves criptográficas do certificado digital. Pela internet, pode baixar os softwares necessários para as operações, que serão cedidos pelas instituições que utilizam a certificação. O chamado e-CPF ou e-CNPJ, no caso de pessoa jurídica, é adquirido em agências certificadoras cadastradas e autorizadas pelo governo federal. O custo para o e-CPF varia de R$ 110,00 a R$ 380,00 e as empresas pagam, em média, R$ 250,00 pela assinatura digital. O primeiro pacote envolve licença de uso de um a três anos e o usuário precisará renovar sua assinatura do serviço quando vencer o prazo. O custo anual de utilização é de R$ 150,00, segundo a Receita Federal do Brasil. O desafio será o de popularizar a ferramenta.

Martini lembra que, além de ser uma atitude sustentável, aposentar o papel significa reduzir a burocracia e os custos com emissões e armazenamento de documentos, notas fiscais, contratos, processos, prontuários médicos, entre outros. "O acesso aos documentos também é mais rápido, aumentando a produtividade."

O melhor exemplo de uso de informações certificadas é o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), que interliga operações das instituições bancárias no país. A solução é caso de sucesso em todo o mundo, está consolidada e revela as vantagens da automação. No mercado financeiro, os contratos eletrônicos de câmbio também aboliram o papel e as assinaturas convencionais. "O processo virtual neste caso é 50% mais barato."

A certificação digital não é solução nova. Em 2001, foi instituída a infraestrutura brasileira de chaves públicas (ICP-Brasil) – que utiliza métodos de criptografia assimétrica para autenticar o detentor de uma chave privada. A tecnologia utiliza algoritmos complexos e garante segurança ao processo. Desde então, o segmento de certificação digital tem crescido e o mercado é de R$ 3 bilhões por ano. "Quando avaliamos o potencial total do setor de tecnologia da informação (TI), percebemos que há muito espaço para a certificação digital. Hoje, as soluções de informática movimentam entre 3% e 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Em países desenvolvidos, a participação está entre 6% e 7%", afirma Antonio Carlos Rego Gil, presidente da Brasscom, associação que congrega as empresas de TI.

De acordo com ele, o avanço na adoção de tecnologia vai promover maior utilização de informações autenticadas. Dados da Camara-e.net confirmam a tendência de crescimento. No final de 2010, o Brasil possuirá 2,5 milhões de empresas usuárias e cerca de 7 milhões de certificados emitidos. A previsão da instituição é que, até 2012, serão emitidos 25 milhões de novos certificados. A conta inclui as pessoas físicas.

A evolução do setor nos próximos anos é consequência direta das exigências feitas pelo fisco. A Receita Federal do Brasil tem investido recursos significativos em informatização. Agora, exige que os contribuintes certifiquem as informações que são enviadas para seus sistemas. A partir de junho, apenas as empresas enquadradas no Simples estão liberadas do envio de informações digitais. Às empresas declarantes pelo lucro real e arbitrado – que desde 2007 fazem uso da ferramenta na comunicação com a Receita – somam-se as do regime de lucro presumido, o que deve somar à base de clientes das certificadoras 1,8 milhão de pessoas jurídicas. De acordo com Receita, 166.800 empresas enviaram dados certificados para os sistemas federais em 2009. "Lidamos com informações contábeis e precisamos de segurança e confiabilidade", resume Marcelo de Albuquerque Lins, coordenador geral de arrecadação e cobrança.

Ele enxerga a automação dos processos como uma forma de reduzir a burocracia, combater a corrupção, ampliar a arrecadação, garantir o sigilo e facilitar a vida do contribuinte. "São efeitos colaterais benéficos que serão ampliados com a obrigatoriedade da certificação", diz. Segundo ele, há potencial de estender o uso da ferramenta a todas as empresas e incluir a pessoa física no processo.

O presidente de negócios de identidade digital da Serasa Experian, Igor Ramos Rocha, considera inexorável o avanço das transações eletrônicas, com aumento do uso de identidade eletrônica. Atualmente, 5% dos negócios da Serasa Experian estão relacionados à emissão de certificados digitais. A meta é atingir 15% em curto prazo.

Ele destaca o aumento do uso de nota fiscal eletrônica (NF-e), impulsionado pelo Sistema Público de Escrituração Digital (Sped). As as empresas serão obrigadas a transmitir dados de seus livros contábeis em meio digital para a Receita. Neste ano, o Ministério da Fazenda ampliou para 240 mil o número de companhias que precisam se adaptar ao Sped. Atualmente, entre 175 mil e 180 empresas emitem NF-e. Desde a implantação do sistema, há dois anos, 976,6 milhões de notas eletrônicas foram emitidas, movimentando o equivalente a R$ 49 trilhões.

Outros setores que têm avançado na utilização são os de seguros e jurídico. Os corretores utilizam assinatura digital para fechar negócios com as seguradoras. Na área jurídica, a modernização e a informatização do Judiciário obrigam os advogados a terem certificado digital para obter informações e dar entrada em processos. "O volume de papel movimentado pela justiça é enorme. A saída é informatizar", diz Marini

Por conta da demanda crescente, na Certisign, os negócios têm crescido 65% ao ano desde 2003. A empresa pretende faturar R$ 100 milhões neste ano, o que significa dobrar a receita bruta de 2009. "Esperamos avanços do uso de certificação digital na área da saúde", afirma Julio Cosentino, vice-presidente. Ele se refere ao projeto de lei que instaura o Prontuário Eletrônico de Paciente (PEP) para os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), aprovado no Senado em março. Ambição dos médicos, o PEP vai facilitar o acesso a informações dos cidadãos e melhorar a gestão da saúde. Entre as exigências está a utilização de certificado digital.