ICMS antecipado cria impasse entre indústria e varejo
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Marta Watanabe
A ampliação da substituição tributária de ICMS no Estado de São Paulo acirrou a negociação de preços entre varejistas e indústrias. O comércio não aceita de forma pacífica a elevação de preço dos produtos em função da inclusão do imposto pago antecipadamente. Além do preço, a mudança tributária determinada pela Fazenda paulista trouxe outras complicações às relações comerciais no Estado. No setor de higiene pessoal, cosméticos e perfumaria, o não repasse de informações sobre preços ao varejista chegou a paralisar compras.
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Incluído na substituição tributária desde o início de abril, o setor de limpeza passa por uma nova rodada de negociação de preços entre fabricantes e varejistas, conta a diretora executiva da Associação Brasileira da Indústria de Produtos de Limpeza e Afins (Abipla), Maria Eugênia Saldanha. Isso acontece, diz, porque o preço chega mais alto até o varejista por já embutir o ICMS recolhido antecipadamente. “Tanto o varejo quanto a indústria estão num período de adequação ao novo sistema.”
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Segundo Maria Eugênia, a substituição foi aplicada a produtos que representam 95% do faturamento da indústria de limpeza. E algumas mercadorias, conta ela, estão com margens (definidas pela Fazenda paulista) bem mais altas que as praticadas. “Isso envolve produtos que significam entre 25% e 30% do faturamento do setor”, informa. Entre os itens está a esponja de limpeza. Maria Eugênia diz que o setor ainda avalia se pedirá novos estudos ou alteração de margens para a Fazenda. Ela explica, porém, que as negociações de preços são generalizadas e não se concentram somente nos produtos que estão com margem maior. A diretora diz que cada indústria faz as suas próprias negociações, sem intervenção da Abipla.
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A advogada Cíntia Ladoani, do Machado Associados, diz que a negociação entre varejistas e indústrias acontece em todos os novos segmentos que entraram na substituição este ano. “É uma queixa que chega de clientes de várias áreas”, conta. “A implantação da substituição gera quase sempre discussão de preços.” O fabricante quer repassar a antecipação de ICMS o mais rápido possível e o varejista resiste à elevação de valores, mesmo que a justificativa seja o imposto embutido.
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No segmento de higiene pessoal, cosméticos e perfumaria, o impasse acontece porque alguns fabricantes ou distribuidores não informaram ao varejista o valor sobre o qual foi recolhido o imposto antecipado. Dependendo da estrutura de distribuição que a indústria tem, o valor sobre o qual o ICMS foi pago revela a margem de lucro que a indústria tem com a mercadoria.
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“Nos primeiros dias aconteceu e ainda está acontecendo com alguns fornecedores uma crise de comércio”, diz Sérgio Mena Barreto, presidente executivo da Associação Brasileira das Redes de Farmácia e Drogarias (Abrafarma), referindo-se à paralisação de compra e venda. Os setores de higiene pessoal, cosméticos e perfumaria estão na substituição desde fevereiro.
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Segundo Barreto, não há risco de desabastecimento porque os estoques de produtos ainda estão altos. Ele diz que as redes de farmácias tiveram dificuldade maior com as companhias que possuem distribuidores cativos, como a Procter & Gamble, por exemplo. Os distribuidores cativos são aqueles que só comercializam os produtos do fabricante ao qual são ligados.
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Para os varejistas, o dado do ICMS recolhido por substituição é importante porque, caso o produto seja vendido ao consumidor final com margem inferior à usada para o cálculo do imposto antecipado, é possível solicitar a restituição do valor pago a mais. A devolução é pedida pelo varejista, que teoricamente pagou ICMS a mais embutido no preço da mercadoria. Procurada, a Procter & Gamble do Brasil informou, em nota, que cumpre a legislação e discrimina todas as informações necessárias para o cumprimento da substituição tributária nas notas fiscais. A empresa diz que passou por um processo de adaptação dos sistemas de faturamento para atender as recentes normas. O processo, diz a nota, já foi concluído.
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Para Barreto, da Abrafarma, as redes de farmácia poderão emitir notificação extrajudicial para solicitar as informações nos casos em que o impasse com a indústria persistir.
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Segundo advogados ouvidos pelo Valor, a questão chegou a levar algumas companhias a solicitar regime especial para a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Em nota, a Fazenda confirma que tem concedido regimes especiais para os casos de cosméticos, perfumes e produtos de higiene pessoal comercializados por meio de distribuidores cativos e também por distribuidores de medicamentos que concentram suas vendas para o setor público e estabelecimentos hospitalares. A Fazenda não informou qual foi o teor do regime especial e nem para quais empresas foram concedidas.
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A substituição tributária, na verdade, atingiu de forma diferenciada os setores que usam os distribuidores cativos, caso da higiene pessoal, perfumes e cosméticos. Esses distribuidores, explica o advogado Waine Domingos Perón, do escritório Braga & Marafon, fazem parte de uma estrutura usada para amenizar o peso da tributação federal.
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Esses segmentos pagam o chamado PIS/Cofins monofásico, o que é uma espécie de antecipação de imposto muito parecida com a substituição de ICMS. Em vez do recolhimento de 9,25% de PIS/Cofins não cumulativo em cada etapa de comercialização dos cosméticos, o fabricante recolhe 12,5% dos dois tributos, antecipando o que seria recolhido em toda a cadeia.
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A tributação concentrada no fabricante gerou a seguinte estratégia: as indústrias montaram as suas próprias distribuidoras (as cativas) para as quais vendem o produto ao menor valor possível, praticamente o preço de custo. Sobre essa base – preço de custo vendido ao distribuidor – é calculado o PIS/Cofins de 12,5%. “A margem de lucro, alta nesses produtos mais supérfluos, fica concentrada no distribuidor e não entra na base de cálculo do PIS/Cofins”, lembra Perón.
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Com a substituição tributária de ICMS em São Paulo, porém, os fabricantes paulistas passaram a antecipar não só PIS/Cofins como também ICMS. Ciente dessa estrutura, a Fazenda paulista estipulou margens maiores para os casos de venda a distribuidor cativo. Além disso, o distribuidor é obrigado a informar ao varejista o preço sobre o qual foi calculado o ICMS da substituição tributária. Como resultado, o varejista fica sabendo qual a margem de lucro concentrada no distribuidor. Isso explica a dificuldade de alguns varejistas de obter a informação.
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Procurada, a Abihpec, associação que reúne os fabricantes de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, não se manifestou.
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O presidente da Abrafarma, Sérgio Mena Barreto, diz que a substituição tributária também poderá afetar de forma significativa o fluxo de caixa das redes de farmácia. A legislação determina que os estoques de medicamentos comprados antes da implantação do novo regime deverão ter o ICMS calculado e recolhido pelas redes varejistas. O pagamento pode ser feito em seis parcelas. Isso, segundo ele, pode afetar o fluxo de caixa de algumas redes em até 14 meses. Barreto explica que nesse segmento é comum ter grandes estoques e há muitos medicamentos de baixo giro.
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