O Estatuto Geral das Micro e Pequenas Empresas completa um ano neste mês, mas até agora a maior parte dos Estados e municípios brasileiros ainda não regulamentou ou aplicou o tratamento diferenciado previsto na Lei Complementar nº 123 para estes empreendimentos. De acordo com o Sebrae, apenas São Paulo, Minas Gerais, Sergipe, Rio Grande do Norte e Amapá editaram normas próprias para as compras públicas previstas na nova legislação federal. Entre os 5.564 municípios brasileiros, menos de 100 publicaram novas regras para desburocratizar a abertura de micro e pequenas empresas e facilitar seu acesso às compras governamentais em licitações.
O Estatuto Geral das Micro e Pequenas Empresas garantiu às micro e pequenas empresas vantagens como a redução de burocracias de abertura e encerramento, participação exclusiva em licitações de valores inferiores a R$ 80 mil e benefícios competitivos nos casos de disputa com empresas de maior porte – além do recolhimento unificado de tributos previsto no Supersimples, já em vigor. Segundo o Fórum Permanente das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, e o Sebrae, 99% das empresas no país são micro ou pequenas – um universo de 3,2 delas, responsáveis por 24% do total da receita bruta privada e por 55% dos empregos formais.
Com exceção dos benefícios tributários, caberia à União, Estados e municípios a criação de normas que regulamentassem as vantagens previstas na nova lei. De acordo com o consultor da unidade de políticas públicas do Sebrae, André Spínola, das três esferas, os municípios são os mais omissos até agora e poucas prefeituras regulamentaram os benefícios. Segundo ele, há alguns exemplos a serem seguidos, como os municípios de Belo Horizonte, em Minas Gerais, Petrópolis, no Rio de Janeiro, e o Distrito Federal, locais onde as empresas que não tenham atividades que envolvam riscos sanitários podem obter o alvará de funcionamento pela internet. Em relação às compras públicas, as cidades de Manaus, no Amazonas, Caruaru, em Pernambuco, e os municípios paulistas de Presidente Prudente, Santa Fé do Sul e Itararé se tornaram modelos ao editarem normas que destinam parte das licitações às micro e pequenas empresas. Mas, de acordo com Spínola, a grande maioria dos municípios ainda não deu atenção à questão. "Há prefeitos que dizem nem mesmo conhecer o estatuto", afirma.
A diretora do Fórum Permanente das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, Cândida Cervieri, diz que o grupo tem trabalhado em parceria com Estados, municípios e entidades para que as regulamentações necessárias sejam feitas. "Estamos trabalhando para alinhar as políticas nacionais e estaduais primeiro", diz. Segundo ela, os trabalhos já estão na segunda fase, que é a regulamentação das regras estaduais. A maior dificuldade, diz, é o desconhecimento da lei por parte dos pequenos empresários, que não pleiteiam seus direitos.
Para o advogado Márcio Minoro Garcia Takeuchi, consultor de políticas públicas do Sebrae, o administrador público que deixar de assegurar o tratamento diferenciado determinado pela nova lei poderá incorrer em improbidade administrativa, por não respeitar os princípios da administração pública previstos na Constituição. "As empresas prejudicadas podem procurar o Ministério Público para que proponha uma ação civil ou mesmo entrar com mandados de segurança contra as unidades coatoras para que cumpram a lei", afirma.
Mas, de acordo com o advogado Carlos Pinto Coelho Motta, do escritório Pinto Coelho Motta e Bicalho Advogados, no que se refere às licitações o estatuto não necessita de qualquer regulamentação regional para que seja aplicado. Segundo ele, todas as contratações públicas do país já deveriam estar seguindo os parâmetros do estatuto. "Estados e municípios não podem ter legislações contrárias à legislação federal. O estatuto já é uma norma regulamentadora", afirma. O advogado diz que falta às micro e pequenas empresas manifestarem-se na Justiça contra licitações que não contemplem a nova lei.
Sob esse entendimento, o Tribunal de Contas da União (TCU) proferiu em agosto um acórdão em favor de uma microempresa que ficou em segundo lugar em uma licitação da Fundação Universidade Federal da Grande Dourados, no Mato Grosso do Sul. O ministro relator, Aroldo Cedraz, argumentou que as regras do estatuto têm aplicação imediata e que a empresa vencedora, se não estivesse enquadrada na nova lei, perderia o certame para a microempresa.