Governo estuda sistema misto
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Proposta costurada na Fazenda tenta agradar aos três interessados no assunto: empresas, trabalhadores e Receita. Regra permitiria contratação de pessoas jurídicas em casos especiais
Da equipe do Correio
O governo está enfrentando muitas dificuldades práticas para encontrar uma fórmula que contente tanto os empresários como as centrais sindicais na polêmica em torno da tributação dos prestadores de serviços em caráter personalíssimo. A idéia em estudo no Ministério da Fazenda é a criação de um sistema misto, em que a regra seria a contratação de funcionários como pessoa física — de acordo com a legislação trabalhista em vigor — com a permissão para contrato com pessoas jurídicas em alguns casos especiais. O modelo substituiria a chamada Emenda n° 3.
O problema é chegar a uma fórmula que dê a liberdade contratual exigida pelas empresas, garanta os direitos trabalhistas para a maioria dos contratados e não retire totalmente o poder dos auditores da Receita Federal e do trabalho de fiscalizar os contratos e multar empresas envolvidas em eventuais irregularidades. Ainda por cima, a proposta não deve suscitar muita contestação política ou jurídica. Diante da complexidade de preencher todos esses requisitos, já há quem aposte em levar a discussão ao Supremo Tribunal Federal (STF), que daria a palavra final sobre o assunto.
“Acho muito difícil produzirmos um consenso. Estamos quebrando a cabeça para pensar numa solução, mas ouso dizer que será impossível contentar todo mundo”, admite um técnico da Fazenda envolvido na discussão. Para ele, o mais adequado para o governo seria deixar o Congresso derrubar o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Emenda n° 3 e entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no STF. O técnico acredita que, pelo menos em tese, o Supremo seria menos suscetível às pressões.
Segundo o técnico, a Fazenda está avaliando sugestões tanto de empresários como de sindicalistas para a elaboração do novo projeto. Uma das idéias em estudo é permitir que a contratação do prestador de serviços como pessoa jurídica só possa ser feita quando a remuneração for superior a determinado valor. Isso preservaria os grandes salários e os direitos trabalhistas de quem ganha menos. A sugestão é de centrais sindicais, mas até agora as empresas têm resistido a ela porque continuariam sujeitas às multas da Receita Federal.
Outra idéia em análise é permitir a contratação como pessoa jurídica apenas para alguns segmentos, como o de comunicações e a advocacia. Essa saída não agrada ao governo, pois criaria setores beneficiados com flexibilidade das regras trabalhistas e tributação menor, em detrimento dos outros, além de discriminar empregados por setores. Uma terceira sugestão é autorizar livremente a contratação, contanto que haja extensão de alguns direitos trabalhistas ao prestador de serviço. Além de enfrentar dificuldades jurídicas, a idéia desagrada as empresas, que alegam não haver vínculo empregatício na prestação de serviços.
A emenda, incluída pelo Senado no projeto de lei que criou a Super-Receita, impede que os fiscais possam desconsiderar os atos das empresas que contrataram prestadores de serviços organizados como pessoas jurídicas. Hoje, os auditores da Receita consideram que essa contratação tem como principal objetivo diminuir os encargos tributários — pessoas jurídicas pagam menos imposto do que físicas. As empresas e os defensores das emendas, entretanto, alegam que a ação dos fiscais da Receita ao desconsiderar as empresas e cobrar impostos como se houvesse o vínculo empregatício é totalmente arbitrária e ilegal. A emenda afirma que a desconsideração e o reconhecimento do vínculo só podem ser feitos pela Justiça, como determina o Código Civil. Além disso, a ação dos fiscais atenta contra a liberdade de associação empresarial, argumentam os parlamentares que querem derrubar o veto.
A negociação com o Congresso está a cargo do ministro das Relações Institucionais, Walfrido Mares Guia. Anteontem, ele informou que o governo vai apresentar novo texto para a análise dos parlamentares, “melhorando” o projeto de lei anteriormente enviado para substituir a emenda. A viagem do ministro da Fazenda, Guido Mantega, aos Estados Unidos, para reuniões com agências de classificação de risco, no entanto, deve manter o assunto em banho-maria pelos próximos dias.