O governo obteve ontem a primeira vitória na longa caminhada a ser enfrentada para prorrogar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). No debate da constitucionalidade da proposta na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, os líderes governistas conseguiram demover o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), relator do texto, de aprovar seu substitutivo que previa a partilha da arrecadação da CPMF com Estados e municípios.
A vitória é mais significativa do ponto de vista político do que técnico. A CCJ apenas analisava a constitucionalidade das sete propostas de emenda à Constituição (PEC). Depois de aprovada a admissibilidade dos textos, será criada uma comissão especial que terá 40 sessões para decidir sobre o mérito da proposta. Lá, a batalha será muito mais complicada. "O recuo do Eduardo Cunha leva a briga toda para a comissão especial", disse ontem o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), integrante da CCJ. Cunha pretendia repassar 29% da arrecadação da CPMF para Estados e municípios.
O texto foi debatido até, aproximadamente, 18h00, quando a reunião foi interrompida para a ordem do dia da Câmara. Ainda há 23 inscritos para falar e a votação só deve terminar hoje à noite, com certeza de aprovação tranqüila pela base governista.
A certeza de aprovação apareceu logo pela manhã, quando Cunha recuou da proposta de divisão do bolo da CPMF. O deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) levantou questão de ordem contra o substitutivo apresentado pelo pemedebista. O maranhense argumentou que o fato de o relator apresentar um substitutivo implicava fazer juízo de valor sobre o conteúdo das propostas. "Se é por causa dessa questão, eu retiro o substitutivo e aprovo a admissibilidade de todas as PECs", disse Cunha.
Derrubado o empecilho criado pelo relator, o governo não teve mais dificuldade. Havia um acordo com a oposição: não haveria rolo compressor. Todos que quisessem se manifestar, poderiam fazê-lo. Mas a votação não poderia ser obstruída por DEM ou PSDB. Mais de 40 deputados falaram até a noite de ontem.
A vitória na CCJ, porém, foi mais difícil do que a aparente tranqüilidade de ontem. Eduardo Cunha demorou semanas para liberar seu relatório. Nesse período, seu grupo político no Rio de Janeiro exigiu do governo a indicação do ex-prefeito da capital carioca Luiz Paulo Conde para presidir Furnas. Ontem, surgiu a informação, na bancada do Rio, de que Eduardo Cunha indicaria outro aliado: Lutero de Castro Cardoso, ex-presidente da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), pode assumir a diretoria financeira da estatal. Mais ainda do que Conde, Cardoso seria da "cota pessoal" de Cunha. O governo negou a informação na noite de ontem.
Na comissão especial, o governo pode esperar mais problemas. A base aliada não se entende sobre o assunto. O "bloquinho" formado pelos aliados PSB, PDT e PCdoB, que conta com 77 deputados, se reuniu para fechar questão sobre a CPMF. Não houve acordo. O bloquinho tem sido bastante leal ao governo, mas o tema é tão espinhoso que foi convocado novo debate para a terça-feira, quando se tentará fechar questão.
O próprio líder do bloco, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), quer evitar a prorrogação pura e simples do imposto. Pretende aprovar a diminuição da alíquota até torná-la meramente fiscalizatória.
Na comissão especial, a PEC precisa ser aprovada em 40 sessões. O governo quer votá-la em dez. O vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS), crê que essas dez sessões servirão para "afinar" o discurso da base aliada. Ele reconhece que alguns aliados estão pressionando o governo em busca de cargos e emendas, cientes de que o Planalto precisa de 308 votos para aprovar a PEC na Câmara e no Senado, em dois turnos. "Eles têm de ter a noção de que, se uma votação como essa pode garantir cargos, também pode fazer com que algumas pessoas percam espaço no governo", ameaçou Beto.
Durante reunião da coordenação política, ontem, o governo mostrou confiança em aprovar a PEC da CPMF, "sem alteração de conteúdo". Na análise dos ministros presentes, as concessões a Estados e municípios já estão acontecendo nos recursos destinados ao PAC, em negociações isoladas de ampliação de limite das dívidas e serão aprofundadas na reforma tributária. "O governo concorda em conversar com a sociedade civil e a oposição sobre um tema que reconhece ser complexo", afirmou um assessor palaciano. O otimismo é tanto que até um cronograma foi estabelecido: aprovação na Câmara até o final de setembro. No Senado, a tramitação ocorre em outubro e novembro.