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Governo cria barreira contra importações

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Ministério do Desenvolvimento impõe exigência de licença prévia a quase todos os produtos e retoma política abandonada nos anos 90

Nova medida burocrática pode atrasar importação em até 60 dias; ministério afirma que a intenção é realizar acompanhamento estatístico

 

 

Marcelo Justo – 2.jan.09/Folha Imagem
Contêineres no porto de Santos (SP); exportações brasileiras estão em queda

 

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

Em uma decisão que pegou de surpresa as empresas de comércio exterior, o governo passou a adotar desde ontem uma série de barreiras não-tarifárias ao ingresso da grande maioria de produtos importados. Na prática, a medida significa a volta do sistema de controle das importações adotado pelo país nas décadas de 70 e 80, quando o Brasil era um pequeno exportador e importava 80% do petróleo que consumia.

O que mais chamou a atenção foi a forma com que o governo comunicou a decisão ao setor. Em vez de uma portaria ou uma comunicação formal, o Ministério do Desenvolvimento anunciou a nova medida por meio de uma nota publicada na sexta-feira passada no Siscomex, o sistema usado para controlar o comércio exterior.

A nota no Siscomex informa que será exigida a partir da data de ontem a apresentação da licença de importação prévia, a chamada LI, para quase todos os produtos que entram no país. A lista é ampla e abrange praticamente toda a pauta de importações do país: produtos de moagem (trigo), plásticos, cobre, alumínio, ferro, bens de capital, material eletroeletrônico, autopeças, automóveis e material de transporte em geral, entre outros.

A exigência da LI tinha sido abolida no país nos últimos anos. A importação era praticamente automática. A única exigência era de uma declaração de importação (DI), que era feita pelo próprio importador, apenas para efeitos estatísticos.

Já as LIs podem demorar até 60 dias para serem concedidas pela Secex (Secretaria de Comércio Exterior) e se assemelham muito às guias de importação da época da Cacex (Carteira de Comércio Exterior), o órgão que era responsável pelo controle da entrada de produtos no país nas décadas de 70 e 80. A Cacex foi extinta em 1990 e, desde então, o Brasil sempre tem atuado no sentido de liberalizar o comércio exterior.

De acordo com o que a Folha apurou, a medida adotada pelo Ministério do Desenvolvimento não conta com o apoio dos técnicos da Fazenda. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, irá se reunir hoje com o ministro interino do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, para discutir a decisão.

No início da noite de ontem, a assessoria do Ministério do Desenvolvimento ligou à Folha para informar que o objetivo da medida foi fazer um "acompanhamento estatístico" de uma série de produtos importados pelo país, e as importações barradas ontem seriam liberadas rapidamente.

A decisão de barrar as importações com a adoção de medidas burocráticas demonstra, no entanto, uma preocupação evidente do governo com a acentuada desaceleração das exportações brasileiras no início deste ano. Segundo a Folha apurou, o governo chegou a promover reuniões na semana passada com o objetivo de estudar medidas para reverter o quadro, entre elas adotar algumas barreiras à importação.

O Ministério do Desenvolvimento pode ter até se precipitado e exagerado na dose e, por isso, poderá ser obrigado a voltar atrás, mas a medida não deixa dúvidas de que o governo está preocupado com a deterioração da balança comercial.

Ontem foram divulgados os números da balança comercial de janeiro até a semana passada. Pela terceira semana consecutiva, a balança registra déficit. Até o dia 25, o saldo negativo chegava a US$ 645 milhões.

Nesse mesmo período, as exportações somaram US$ 7,5 bilhões, uma queda de 21,8% em relação ao ano passado. Já as importações totalizaram US$ 8,2 bilhões, uma queda de 8,8% em relação a 2008.

Segundo o vice-presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro, o déficit de janeiro ficou bem acima das previsões. Ele mesmo esperava um pequeno superávit, mas isso não justifica a adoção pelo Brasil de medidas protecionistas, segundo ele, já que o país possui reservas de US$ 202 bilhões, mais do que suficientes para cobrir esse déficit.

De acordo com Castro, até se esperava que essas medidas fossem adotadas por alguns países, como a Argentina e o Equador, mas nunca pelo Brasil. Ele teme que, a partir dessas medidas, os outros países adotem medidas de retaliação contra a exportação brasileira. "Essa medida significa uma mudança significativa de rota da política de comércio exterior do Brasil", afirma.

 

Remessas crescem, e contas externas têm 1º déficit sob Lula

NEY HAYASHI DA CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O agravamento da crise financeira e a desaceleração da economia observada nos últimos meses não foram suficientes para frear o crescimento das remessas de lucros ao exterior feitas por multinacionais estrangeiras instaladas no Brasil. Segundo o Banco Central, essas operações responderam pela saída de US$ 3,146 bilhões do país em dezembro, o dobro do valor registrado em novembro.

Com isso, as remessas feitas ao longo de 2008 atingiram o valor recorde de US$ 33,875 bilhões -alta de 51% ante 2007. Os setores automotivo, metalúrgico e financeiro -que estão entre os mais afetados pela recente crise- foram os que mais enviaram recursos para suas matrizes no ano passado.

Esse movimento foi um dos principais fatores a explicarem a piora nas contas externas ocorrida em 2008. A conta de transações correntes -que considera o fluxo de bens e serviços entre o Brasil e outros países- teve um déficit de US$ 28,3 bilhões, valor que corresponde a 1,78% do PIB do período. Foi o pior resultado desde 2001, quando essa proporção ficou em 4,19%, e o primeiro déficit do governo Lula.

Para 2009, a projeção oficial é a de um déficit de US$ 25 bilhões, ou 1,75% do PIB. Segundo o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, a expectativa é que a alta do dólar ocorrida nos últimos meses ajude a manter o equilíbrio das contas externas.

Com o real desvalorizado, o lucro em dólar das empresas instaladas no Brasil tende a cair, o que, em tese, ajuda a reduzir o volume de remessas.

Para a economista-chefe do banco ING, Zeina Latif, a situação das contas externas como um todo não deve ser fonte de grandes preocupações neste ano, ainda que possa haver piora em alguns itens específicos, como a balança comercial. "O país vai continuar crescendo mais que o resto do mundo, fazendo com que as importações cresçam mais que as exportações. Então o saldo da balança deve continuar encolhendo."

Em 2007, a balança comercial teve superávit de US$ 40 bilhões. No ano passado, o saldo caiu para US$ 24,7 bilhões, e, para este ano, o BC projeta US$ 14 bilhões.

Na avaliação de Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Investimentos, as remessas de lucros e dividendos ao exterior também devem perder força neste ano, o que ajudaria a compensar o menor saldo comercial.

"A situação [de 2008] obrigou as multinacionais a rasparem o fundo do tacho para mandar dinheiro para as matrizes. Provavelmente isso não vai se repetir."

Quando consideradas todas as entradas e saídas de capital externo registradas em 2008 -exportações, importações, investimentos estrangeiros, empréstimos externos, gastos com viagens internacionais, entre outros itens-, o saldo apurado pelo BC no balanço de pagamentos foi positivo em US$ 2,969 bilhões, forte queda em relação ao superávit de US$ 87,484 bilhões de 2007.

O resultado daquele ano, porém, havia sido inflado pelas elevadas compras de dólares feitas pelo Banco Central no mercado de câmbio, que são computadas como ingresso de recursos nas contas externas.