Fisco tem de justificar execução de administrador
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A Procuradoria da Fazenda Nacional amenizou, de certa forma, critérios para inclusão de sócios e administradores na Certidão da Dívida Ativa (CDA), para execução de dívidas tributárias da empresa. Essa conclusão pode ser extraída da Portaria PGFN nº 180, publicada no Diário Oficial da União em 26 de fevereiro deste ano, destinada a prestar orientações aos procuradores da Fazenda Nacional.
Trata-se do ônus da prova quanto aos requisitos para redirecionamento da responsabilidade em processo de execução fiscal, nos termos do artigo 135 do Código Tributário Nacional (CTN), combinado com o artigo 134. Tais requisitos são: prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos e dissolução irregular da pessoa jurídica. Com beneplácito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), bastava ao procurador fazer constar o nome do sócio ou administrador como corresponsavel na CDA, cabendo ao acusado a dor de cabeça da prova em contrário. Era aplicação exacerbada do conceito de presunção de certeza e liquidez da CDA.
Com a nova orientação da PGFN, a inclusão como responsável solidário na CDA da União “somente ocorrerá após a declaração fundamentada da autoridade competente” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) ou da PGFN acerca da ocorrência de alguma das situações configuradoras da corresponsabilidade.
A situação do malfadado sócio ou administrador não ficou amenizada como deveria, porque é muito fácil para a RFB ou a PGFN preparar uma declaração como a prevista. E declaração, mesmo fundamentada, não é o mesmo que prova, cujo ônus deveria ser do acusador, como postulado da Justiça. Mas a autoridade ter que fundamentar a acusação, diferentemente da situação anterior, que bastava a pura e simples inclusão na CDA, não é pouca coisa. Agora, o contribuinte terá a oportunidade de se defender também a partir da declaração da autoridade, atacando seus fundamentos. Antes, uma vez incluído na CDA sem qualquer justificativa somente lhe restava a missão quase impossível de buscar provas de que não tinha culpa pelas dívidas tributárias da empresa.
Na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica, os sócios-gerentes e os demais administradores à época da dissolução ou dos fatos geradores serão considerados responsáveis solidários, independentemente da configuração de sua participação efetiva na irregularidade. O STJ editou súmula, em Boletim publicado hoje (22/04/10), definindo que “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.
O paliativo oferecido pela PGFN tem limitação para os casos de débitos previdenciários. A necessidade de declaração fundamentada de autoridade competente, no caso de pessoa jurídica por cotas de responsabilidade limitada, somente teria aplicação a partir da publicação da Medida Provisória nº 449, de 3 de dezembro de 2008, convertida na Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009, a qual revogou o artigo 13 da Lei nº 8.620/93. Esse dispositivo estabelecia que "o titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social". Trata-se de responsabilização automática, independente de configuração de participação no ato ilícito.
Entende a PGFN que o dispositivo revogado autorizava o redirecionamento da execução fiscal independentemente de comprovação de qualquer das situações configuradoras do envolvimento do sócio ou administrador com a dívida tributária da empresa. E entende que a lei nova não alcança fatos geradores ocorridos antes do início de sua vigência. Essa postura não tem fundamento sólido, por várias razões. O STJ firmou entendimento de que não cabe a lei ordinária alargar a responsabilidade de sócios e gerentes, uma vez que a normatização sobre obrigação tributária é reservada a lei complementar, por imposição constitucional (artigo 146, inciso III, b, da Constituição Federal). Imprestável, pois, a invocação da Lei 8.620/93, para justificar tal alargamento. Além disso, o novo Código Civil veicula, no artigo 1016, a norma de que os administradores respondem solidariamente somente por culpa e quando no desempenho de suas funções.
Outra razão para repúdio à postura da PGFN é que a lei nova produz efeitos sobre fatos anteriores quando implica em exclusão de penalidade e quando deixa de definir algum ato como infração, nos termos do artigo 106 do CTN. Embora esse dispositivo se refira, literalmente, a aplicação de penalidade e a desconsideração de ato como infração, numa interpretação teleológica e sistemática, pode-se concluir que tem aplicação para situações, como a aqui enfocada, que levariam a aplicação de penalidades e a exigência de pagamentos de débitos tributários por fato antes considerado configurador de corresponsabilidade automática.
De toda forma, o contribuinte sócio ou administrador passou a ter mais força para combater a arbitrariedade da responsabilização automática pelo passivo tributário da empresa e do tormento da produção de prova negativa.