Fim da desoneração eleva custo e ameaça 1 milhão de empregos
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CORREIO DO POVO
Adriano Gilioli, mestre em administração e negócios pela USP, diz que custo da contribuição do INSS vai superar recolhimento do FGTS
O possível fim da desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia deixará pelo menos 1 milhão de novos desempregados em 2021, na estimativa do contador Adriano Gilioli, mestre em administração e negócios pela USP e conselheiro do Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo.
O número representa parte significativa dos 6 milhões de trabalhadores que atuam nos setores beneficiados com a desoneração da folha, casos das áreas de call center, construção civil, transporte, indústrias de veículos e têxteis, entre outras.
A desoneração é um regime especial de tributação que permite uma redução de custos no recolhimento da contribuição ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) pelos patrões. Ela começou a ser implantada em 2011 para beneficiar setores que geram muitos empregos, mas a legislação prevê seu fim em dezembro de 2020. Deputados e empresários buscam derrubar veto do presidente Jair Bolsonaro ao artigo de uma lei que prevê a prorrogação até o final de 2021.
O contador Adriano Gilioli explica que as empresas normalmente conseguem economizar aderindo à desoneração. Dessa forma, elas deixam de recolher 20% sobre a folha de pagamento dos funcionários ao INSS e passam a pagar uma alíquota de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. “O contador precisa fazer os cálculos e ver o que compensa mais, muitas empresas acabam optando pela desoneração”, afirma.
Dessa forma, o recolhimento do INSS é hoje uma despesa que não tem um peso tão grande entre todas as obrigações tributárias das empresas que aderiram ao regime tributário especial. “É bem provável que recolhendo 1% sobre a receita bruta, no caso de uma empresa que optou pela desoneração, ela esteja pagando menos do que com o recolhimento do FGTS dos funcionários, cuja alíquota é 8% sobre a folha”, afirma.
Com o possível aumento dos custos, as empresas deverão optar por demissões. Gilioli estima que os setores de construção civil, transportes e infraestrutura estão entre os mais deverão ser afetadas. Isso porque boa parte de suas despesas está concentrada no quadro de funcionários.
“A construção civil acredito que será a mais afetada. Uma construtora é muito mais mão de obra do que qualquer outra coisa. É 60% de mão de obra aplicada, e o restante distribuído entre impostos e materiais. Ela tem muito mais gasto com funcionários”, explica o conselheiro do Conselho Regional de Contabilidade, órgão que tem em seus quadros mais de 150 mil profissionais ativos e mais de 19 mil empresas de serviços contábeis de todo o estado de São Paulo.
Dependendo das condições da economia em 2021, o impacto nos empregos pode ser ainda maior, avalia o mestre em avaliação e negócios. “Esse impacto de 1 milhão de demissões vem sendo auferido pelos profissionais da área contábil. É uma estimativa natural. Pode ser mais do que isso”, avalia.
Imposto
O ministro Paulo Guedes vem afirmando que pretende criar uma desoneração mais ampla e permanente. Esse benefício, no entanto, pode virar moeda de troca para a criação do novo imposto sobre transações digitais, chamado de nova CPMF, em alusão ao imposto sobre transações financeiras que vigorou entre 1997 e 2007.
Com alíquota de 0,2%, ele permitiria arrecadação de R$ 120 bilhões por ano, e desse montante, R$ 70 bilhões seriam usados para cobrir a perda de receita com a desoneração da folha.
Um modelo que vem sendo desenhado pelo governo prevê que patrões não precisem recolher INSS sobre a folha de funcionários que recebam um salário mínimo. Acima disso, o percentual sobre a remuneração cairia de 20% para 15%.
Dúvida é adotar desoneração ‘horizontal’ ou ‘vertical’
O imposto sobre transações digitais pretendido pelo governo pode aparecer em breve na continuação da reforma tributária – um primeiro projeto foi entregue ao Congresso em julho, tratando apenas de uma nova contribuição para substituir PIS e Cofins, e o governo espera o melhor momento político para enviar o restante da reforma.
Em razão das eleições municipais e da proximidade do fim do ano, cresce a probabilidade de que a reforma seja debatida e votada no Congresso apenas em 2021, quando a desoneração da folha já não estará valendo, caso o veto do presidente Jair Bolsonaro seja mantido.
Correndo contra o tempo, parlamentares tentam reverter o atual cenário. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), anunciou que marcou para o dia 4 de novembro a votação sobre a análise sobre o veto do presidente.
Protesto
Na última terça, lideranças sindicais, empresariais e políticos realizaram em Brasília um ato pela derrubada do veto. Eles se concentraram na frente do Ministério da Economia, na Esplanada dos Ministérios, e marcharam até a Praça dos Três Poderes.