Fazenda aponta ação ilegal de ex-auditores
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Fiscais demitidos da Receita usaram informações privilegiadas para beneficiar clientes de sua consultoria, diz parecer do ministério
Documento de procuradores da Fazenda relata caso de enriquecimento ilícito; ex-servidores negam e vão recorrer da demissão
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Na demissão dos auditores da Receita Federal Sandro Martins e Paulo Baltazar, o ministro Guido Mantega (Fazenda) entendeu que os servidores enriqueceram ilegalmente utilizando informações privilegiadas e estratégicas de seus cargos contra a própria Fazenda Nacional.
O ministro ratificou integralmente parecer assinado pelo procurador-geral da Fazenda Nacional, Luís Inácio Adams, que destacou que Martins e Baltazar agiram de forma "desleal" e "imoral" ao prestar consultoria a empresas privadas, na área tributária, ao mesmo tempo em que trabalhavam para a Receita.
No parecer, ao qual a Folha teve acesso, os procuradores da Fazenda destacaram que os auditores chegaram a simular empréstimos para ocultar o recebimento de recursos. Ressaltaram também que os dois embolsaram lucros distribuídos por sua empresa de consultoria, a Martins Carneiro, num período em que estavam em exercício no fisco.
O advogado de Martins e Baltazar, José Eduardo de Alckmin, disse à Folha que entrou com recurso na esfera administrativa na segunda-feira pedindo que Mantega reveja a demissão ou que então (se mantiver inalterada a decisão) encaminhe o caso para a apreciação do presidente Lula.
Martins e Baltazar eram considerados os principais assessores do ex-secretário da Receita Everardo Maciel. Os dois ex-auditores, demitidos por Mantega no mês passado, ocuparam altos cargos no fisco na gestão de Everardo (1995-2002). Ambos respondem a vários processos na Justiça, acusados de terem praticado "venda de legislação" a empresas privadas quando estavam na Receita.
"Não se admite que servidores do fisco federal, ainda em vínculo com a administração pública, utilizem os conhecimentos adquiridos no desempenho de suas funções e as informações privilegiadas e estratégicas da natureza de seus cargos contra a própria Fazenda Nacional. Tais atos perpetrados denotam não apenas a deslealdade e a imoralidade como também a improbidade administrativa", escreveram os seis procuradores da Fazenda que assinaram o parecer, incluindo Luís Inácio Adams.
No documento não há menção ao nome de Everardo. O ex-secretário da Receita disse à Folha que nunca tomou conhecimento da atuação de Martins e Baltazar na iniciativa privada concomitante ao trabalho no fisco. "Se eu soubesse de qualquer coisa dessa natureza, eles nem sequer começariam a trabalhar comigo."
O parecer da PGFN foi elaborado com base em trabalho realizado pela Corregedoria da Receita em duas etapas. Toda a investigação do caso foi feita por comissão de inquérito nomeada pelo ex-corregedor-geral do fisco Moacir Leão. Contudo, tanto Leão quanto os membros da comissão foram substituídos antes do fim da apuração.
A nova comissão de inquérito relatou o caso indiciando Martins e Baltazar somente pela prestação de serviços à iniciativa privada, deixando de lado as evidências relacionadas à chamada "venda de legislação" -casos em que empresas como a Fiat e o McDonalds obtiveram alterações nas regras tributárias favoráveis a elas após terem contratado a Martins Carneiro Consultoria.
Assim, a demissão dos dois se deu somente pelo conflito de interesses entre o trabalho na iniciativa privada e seus cargos na administração pública.
"Resta, portanto, evidenciada a participação ativa dos acusados na gestão e exploração do objeto social da empresa Martins Carneiro […], inclusive durante período em que estavam na Secretaria da Receita."
Contudo, diante dos elementos levantados pela primeira comissão de inquérito, a PGFN propôs que fosse aberta nova investigação pela Corregedoria Geral do fisco para concluir a apuração da "venda de legislação". A sugestão foi acatada por Mantega.
No parecer da demissão, os procuradores destacaram simulações de empréstimos feitos por Martins e Baltazar, no valor de R$ 825 mil, para disfarçar recebimentos da Martins Carneiro Consultoria.
"A percepção de valores de tão alta monta, simulada sob a forma de empréstimo, vem corroborar, neste caso como prova indiciária, o robusto arcabouço probatório que aponta em desfavor dos indiciados. Por que camuflar a percepção de valores contraprestativos?", questionaram os procuradores.
"A única resposta possível é a existência de ilicitude a justificar o recebimento dessa importância, presumivelmente, em cotejo com o conjunto probatório dos autos e considerando a atividade prestada pela sociedade Martins Carneiro, a prestação vedada de serviços de assessoria e/ou consultoria tributária", responderam.