Fatura das dívidas adiadas começa a chegar para empresas
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FOLHA de PERNAMBUCO
Prazo das parcelas começa a vencer em outubro. Para as empresas que conseguiram o Pronampe, pagamentos devem acontecer entre fevereiro e março do ano que vem
Com o faturamento ainda aquém dos níveis pré-pandemia e a demanda baixa, empresários priorizam o controle de custos e novas renegociações de crédito para sobreviver até o ano que vem. Além dos débitos que os bancos prorrogaram por até 180 dias – prazo que já começa a vencer a partir de outubro –, parcelas dos tributos adiados pelo governo e a volta do pagamento integral de aluguéis e da folha de salários também podem coincidir nos próximos meses e, segundo especialistas, aumentar os níveis de inadimplência.
Para as empresas que conseguiram pegar a primeira leva do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), entre junho e julho, os primeiros pagamentos devem acontecer entre fevereiro e março do ano que vem, quando acabam os oito meses de carência do programa.
José Ernesto Betteli, responsável pela área financeira do Mumbuca Buffet, em Palmas (TO), conseguiu tomar recursos do Pronampe, e a empresa deve ter fôlego para seguir com razoável tranquilidade até o fim deste ano. “A boa notícia é que a maioria dos nossos clientes não cancelou os seus eventos, só os adiou para 2021. Continuamos a segurar custos, e o Pronampe vai servir de capital de giro por um tempo”, disse.
Segundo a consultora de negócios do Sebrae-SP (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) Leidiane Lima, as medidas anunciadas pelo governo de acesso ao crédito para companhias, como o próprio Pronampe ou o crédito para pagar o salário de funcionários, foram positivas e ajudaram uma parcela importante de empresas a ter caixa para superar a crise, mas a maioria não terá recursos para cobrir as despesas dos próximos meses.
“A maior parte dos negócios não está com o caixa preparado. Todo o mundo fez o que pôde, mas muitos terão que partir para uma nova renegociação e, infelizmente, ainda vamos ver algumas empresas fechando as portas”, afirmou.
Mesmo aqueles que conseguiram se preparar ainda enfrentaram dificuldades. Gerson Higuchi, dono do restaurante Apple Wood, no Jardim Anália Franco (zona leste de SP), afirma que se planejou com base em dois cenários: um otimista, que considerava que a pandemia terminaria entre junho e julho, e um pessimista, que projetava que a crise duraria até o fim do ano.
“Logo no começo eu já comecei a enxugar custos e cheguei a tentar quatro linhas de crédito. Negociamos boletos e aluguéis, aproveitei a deixa para adiar o pagamento de impostos, cancelei contratos com parceiros e prestadores de serviços e desliguei 15 das 20 pessoas da equipe”, disse. “Também precisei afastar outras duas funcionárias essenciais, uma gestora e outra cozinheira, cujos cargos eu acabei assumindo.”
Atualmente, Higuchi abre o salão do restaurante apenas de sexta a domingo. Seu faturamento está entre 10% e 30% dos níveis pré-pandemia. “Temos um planejamento para a fase de final de ano, mas, se eu disser que consegui fazer caixa, é mentira. É tudo baseado em negociação de contas, e o movimento não é constante: tem dias em que faço R$ 10, outros em que faço R$ 200. E eu já começo a ter receio de pegar crédito porque vou criar mais uma dívida. Pelo menos por enquanto, ainda que aos trancos e barrancos, a empresa está caminhando.”
Para Vilson Borgmann, presidente do Sipcep (Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria no Paraná), a maior preocupação é com aqueles que pegaram crédito bancário, com prazos menores e juros mais altos do que os oferecidos pelas linhas do governo. “Muitos tomaram crédito bancário porque ou pegava ou fechava. Nosso setor conseguiu se antecipar para a redução da jornada, o que ajudou a economizar, mas não existe sobra de dinheiro. Todos estão trabalhando no fio da navalha, e o medo é que as prestações comecem a chegar e que não haja faturamento para cobrir esses gastos.”
Segundo o 11º boletim de tendências do Simpi (Sindicato da Micro e Pequena Indústria) com dados do Datafolha, 38% dessas empresas afirmam que não têm capital suficiente para fazer o giro dos seus negócios –e o acesso a crédito ainda afeta 8 em cada 10 micro e pequenas indústrias no estado de São Paulo. Apesar de os últimos dados da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) apontarem que as instituições financeiras emprestaram cerca de R$ 1,8 trilhão de 1º de março a 21 de agosto, incluindo contratações, renovações e suspensão de parcelas, o acesso a esses recursos foi diferente para os diversos setores da economia, o que deve afetar a obrigação de pagamentos de parte considerável das empresas.
“O crédito demorou a vir e, quando veio, não atendeu a todos que precisavam dos recursos”, disse o presidente da Alshop (Associação Brasileira dos Lojistas e Shopping), Nabil Sahyoun.
Nenhum dos quatro maiores bancos do país (BB, Bradesco, Itaú e Santander) havia se pronunciado até a publicação desta reportagem. “A maioria das empresas ainda precisa buscar capital de giro, renegociar contas, dívidas vindouras e até o aluguel da loja. Mas, com o faturamento ainda longe dos níveis pré-pandemia, a tendência é de aumento da inadimplência”, disse Sahyoun. Isso inclui a quitação de tributos, apesar de o impacto ser menor em alguns setores, dado que o imposto é pago sobre o faturamento –que está baixo.
“Algumas empresas já começam a pagar os tributos adiados, mas, em muitos casos, não há preparo do caixa. É claro que, se há restrição de recursos, aspectos sociais, como salários, têm de ser privilegiados. Mas é preciso lembrar que a obrigação tributária não é flexível e traz multa, juro e correção”, disse Eduardo Natal, sócio tributarista da Natal e Mansur Advogados.
Jorge Caetano, dono de dois restaurantes na zona norte da capital paulista, afirma que, mesmo tendo reduzido seu estoque pela metade, precisou aproveitar todas as oportunidades que teve para não diminuir o quadro de funcionários.
“Reduzimos jornada e antecipamos férias. Também peguei o crédito para pagamento da folha e o Pronampe, o que deu um fôlego. Agora, se conseguirmos pegar mais uma leva de recursos, vamos usar para antecipar o 13º [salário].”
Segundo o assessor econômico da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens e Serviços de São Paulo) Guilherme Dietze, o que chega de crédito ao mercado tem ido principalmente para empresas que já começam a apresentar algum faturamento e possuem garantias. “Mas há discrepâncias. No varejo, por exemplo, uma coisa é falar do setor de vestuário, que não teve receita suficiente nos últimos meses. Outra é o setor de móveis e construção, cujo desempenho foi muito bom ante a adoção do home office”, disse.
Para o vice-presidente da CDL (Câmara dos Dirigentes Lojistas) do Bom Retiro, Nelson Tranquez, o setor de varejo de roupas (predominante na região) tem uma expectativa mais otimista sobre os últimos meses do ano, com Black Friday, Natal e Ano-Novo.
“Estamos começando a retomar a produção, e a venda, gradativamente, e já começamos a ajustar os custos aos pouquinhos”, afirmou. Alguns segmentos específicos, como turismo e serviços, que sentiram forte impacto da crise e ainda não retomaram completamente as atividades, devem sofrer por mais tempo.
Associações afirmam que ainda há uma grande preocupação em relação à sobrevivência dos pequenos negócios a médio e longo prazo.
Segundo João Emílio Padovani Gonçalves, gerente-executivo de política industrial da CNI (Confederação Nacional da Indústria), parte dessa preocupação também vem da heterogeneidade da retomada. “Falta sincronia. Muitas das empresas que querem ou precisam retomar agora não têm fornecedor ou porque fecharam ou porque ainda não estão em condições de produzir. Isso traz dificuldade de acesso à matéria-prima e custos mais elevados para o setor”, disse.
Ainda de acordo com o levantamento do Simpi, 84% das micro e pequenas indústrias enfrentaram dificuldades com a alta de preços de matérias-primas e insumos. Além disso, 30% das companhias afirmaram que tiveram algum fornecedor que faliu ou entrou em recuperação judicial desde o início da pandemia.
Empresas de diversos setores têm se queixado de escassez ou reajustes excessivos de insumos. O aço, por exemplo, subiu até 35% desde julho, e uma nova alta é esperada para outubro. A alta do algodão já ameaça deixar as roupas mais caras, e o setor calçadista teme que falte produto para as vendas de fim de ano.
Pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que 47,6% das empresas consultadas relataram algum problema para obter insumos, matérias-primas ou mercadorias, principalmente devido à parada total ou parcial da produção no início da pandemia e à explosão de demanda com a volta gradativa das atividades.
No caso do material de construção civil, a falta de insumos atinge 55% das empresas do setor, e empresários já são obrigados a adiar a entrega de obras devido à escassez de itens como louça sanitária.
“Há uma sensação de que o cenário melhora em relação ao que era, mas ainda estamos longe do nível pré-pandemia. Com todo esse cenário de acúmulo de dívidas, a tendência é que vejamos níveis maiores de desemprego e um cenário ainda mais preocupante no fim deste ano e no começo de 2021”, afirmou o presidente do Simpi, Joseph Couri.