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Farmacêuticas têm vitória contra o fisco no conselho

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Josette Goulart, de São Paulo
 

Por sete votos a três, a indústria farmacêutica derrotou o fisco na instância máxima de discussão de tributos da esfera administrativa – a Câmara Superior de Recursos Fiscais – no primeiro embate da história brasileira que discutia o chamado "preço de transferência" no Conselho de Contribuintes. Os laboratórios Merck Sharp & Dohme e Aventis conseguiram derrubar na câmara autuações sofridas entre os anos de 1997 e 1999 – e, pelas normas dos processos administrativos, a Fazenda não pode recorrer das decisões ao Poder Judiciário.

 

As regras de preço de transferência são usadas no mundo todo para impedir que empresas transnacionais desviem os lucros de um país para outro sem tributação travestindo estas operações de compra e venda de matérias-primas entre empresas coligadas. No Brasil, essas regras foram criadas em 1996 e a primeira leva de autuações foi feita basicamente contra a indústria química e farmacêutica, um dos setores que mais compra matéria-prima das matrizes.

 

As autuações foram feitas porque o fisco entendeu que o método de cálculo escolhido pelos laboratórios multinacionais – o preço de revenda menos o lucro (PRL) – para fazer o ajuste do imposto de renda em função das regras de preço de transferência não poderia ter sido utilizado. Isto porque o fisco entendia que, como a indústria farmacêutica importava apenas o princípio ativo dos medicamentos e agregava valor ao produto, em solo brasileiro não poderia usar este cálculo- teria que optar pelo método de preço comparado ou pelo método em que as matrizes são obrigadas a informar toda a sua planilha de custo.

 

A advogada Luciana Galhardo, do escritório Pinheiro Neto Advogados, que defendeu o laboratório farmacêutico Merck junto com o advogado José Roberto Pisani, explica que o grande embate surgiu porque a lei que criou as regras de preço de transferência – a Lei nº 9.430 – não trazia restrições ao uso do método PLR em casos em que se agregava valor ao produto no Brasil, mas o fisco editou uma instrução normativa que fazia restrições. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) alegava que a lei admite que o contribuinte escolha o método de cálculo de preço de transferência que lhe for mais favorável, mas somente se fosse lícita e possível a aplicação de mais de um método. Como a Instrução Normativa nº 38, de 1997, excluiu a possibilidade de uso do PRL, a escolha passou a ficar nas mãos do fisco.

 

No julgamento no Conselho de Contribuintes, os sete conselheiros da câmara superior que deram a vitória aos dois laboratórios entenderam que uma instrução normativa não poderia proibir o que a própria lei não proibia. O advogado da Aventis, Luiz Eduardo Schoueri, do escritório Lacaz Martins, Halembeck, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri, diz que havia a discussão sobre a escolha feita pelo fisco, do método de preço comparado, mas que como o método PRL foi aceito o conselho nem chegou a discutir esta questão.

 

O tema já tramitava na esfera administrativa desde 2003. Os primeiros casos, da Bristol-Myers e Novartis, foram julgados por unanimidade em favor dos contribuintes na primeira câmara do conselho. Com a unanimidade, os casos não poderiam ser levados à câmara superior, mas depois das duas primeiras derrotas a PGFN adotou uma nova estratégia para a discussão ao fazer sustentação oral e, em outros casos, conseguiu que pelo menos dois conselheiros da primeira câmara mudassem seus votos. Ao derrubar a unanimidade, a procuradoria conseguiu levar todos os casos à instância superior.

 

Os casos julgados agora no Conselho de Contribuintes abrem uma jurisprudência favorável para outras empresas autuadas, como a Schering, a AstraZeneca, a Bristol-Myers Squibb Brasil, a Pharmacia e a Novartis Biociências, entre outras. Todas escolhiam o método PRL, que na época previa para o cálculo uma margem de lucro de 20% – e com isso conseguiam não ter ajuste de preços de transferência. O advogado Daniel Bellan, também do escritório Lacaz, Martins, diz que o fisco autuava e aplicava o método do preço comparado nas operações das empresas. A advogada Luciana Galhardo afirma que o grande problema é que os preços usados para a comparação eram os de países como China e Índia, muito diferentes dos praticados nos Estados Unidos, por exemplo. Em 2000, a margem passou para 60% e no conselho já se enfrenta uma nova discussão. Segundo Luciana, o tema agora é a Instrução Normativa nº 243, que estabeleceu cálculos que majoram as alíquotas. Enquanto a indústria utiliza cálculos contábeis para expurgar da conta o custo local que agrega valor aos produtos, o fisco tem um método próprio.