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‘Falácia’: Brasileiro paga muito imposto? Pesquisadores dizem que não

Publicado em:

Mariana Desidério

Do UOL, em São Paulo

 

Os impostos são cerca de 32% do PIB brasileiro. Uma proporção similar à da Espanha ou do Reino Unido. Com isso, é comum ouvir que o Brasil tem uma carga tributária de país rico sem oferecer serviços com a mesma qualidade, e que precisa reduzir impostos para que o país cresça. Um levantamento elaborado por pesquisadores da área tributária usa dados de centenas de países para mostrar que não é bem assim. O tema é debatido no livro “Solidariedade Fiscal”, recém-lançado pela editora Contracorrente.

“Nosso objetivo é desmistificar algumas falácias do nível atual de carga tributária e incrementar o debate”, diz Pedro Humberto Carvalho, economista e pesquisador da área fiscal e um dos autores do livro, ao lado de Claudia De Cesare e Alexandre Cialdini. O estudo foi produzido com apoio do Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal).

Entenda

Peso da economia informal reduz a carga tributária brasileira. A carga tributária brasileira é de 32% se considerado o PIB oficial. Mas, a economia informal no Brasil é 33% do PIB, segundo um levantamento do Banco Mundial. Em 2018, ela representou R$ 2,3 trilhões, montante que não aparece no PIB oficial do país.

País está mais próximo da Tunísia que do Reino Unido. Se considerada a fatia da economia informal, nossa carga tributária sairia dos oficiais 32% do PIB para cerca de 24%. Com isso, o Brasil está mais próximo de países como Tunísia, Ucrânia, Bulgária e Lituânia. São nações que, assim como o Brasil, têm tributação entre 30% e 35% do PIB, mas nas quais o tamanho da tributação cai consideravelmente quando a economia informal é incluída na conta.

Quem está na economia informal também paga imposto quando compra alguma coisa. Mas a atividade dele não aparece na conta do PIB. Então, ao dividir a arrecadação pelo PIB oficial, usamos um denominador menor, e o resultado é um número de arrecadação agigantado.André Horta, diretor-institucional do Comsefaz, que assina o prefácio do livro.

Se considerada a arrecadação per capita, o Brasil fica na 53ª posição no ranking mundial de tributação. Na conta que compara apenas a arrecadação com o PIB oficial, o Brasil está em 27º lugar. “Embora a arrecadação em relação ao PIB oficial no Brasil seja semelhante ao desempenho observado inclusive em economias avançadas, a disponibilidade de receita para financiar o gasto público para cada cidadão é significativamente inferior”, escrevem os autores.

Arrecadação per capita está abaixo de outros países da América Latina. Como o Brasil é um país muito populoso, quando a arrecadação tributária é dividida pela população, ela fica bem abaixo da de países ricos e até mesmo de alguns dos nossos vizinhos. A comparação da arrecadação per capita foi feita em dólar por PPC (Paridade do Poder de Compra), usando dados de 2019. Nesta conta, a arrecadação per capita brasileira ficou em US$ 4,7 mil, ante US$ 6,2 mil da Argentina, US$ 5 do Chile e US$ 15,7 mil do Uruguai.

Brasil gasta com proteção social e juros

Brasil tem seguridade social pública, o que é raro na América Latina. O livro destaca que parte significativa da arrecadação brasileira vai para arcar com a seguridade social pública, cuja maior despesa é a previdência. No Brasil, 38% do gasto público tem essa finalidade. “Fica difícil nos comparar com países como os nossos vizinhos, que têm um sistema privado de seguridade, como Peru, Paraguai, Bolívia. São poucos os países na América Latina que têm um sistema público”, diz Carvalho.

País é o que mais gasta com juros entre todos os analisados. Em 2019, aproximadamente 15,3% do gasto público foi destinado ao pagamento de juros da dívida pública, a maior fatia dentre todos os países analisados. Naquele ano, o país destinou 7,1% do PIB para o pagamento de juros. A fatia é maior do que o destinado a temas como segurança, saúde e educação. “O gasto com juros é 7% do PIB, enquanto a média dos países é de 2%. Se conseguíssemos diminuir o pagamento de juros, esses 5% poderiam ser melhor utilizados”, diz Carvalho.

Imposto gera desenvolvimento humano

Quanto maior a arrecadação tributária, maior o IDH do país. Os pesquisadores analisaram também a relação entre arrecadação e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dos países. Os dados mostram uma “altíssima correlação” entre um indicador e o outro. Ou seja, quanto maior a arrecadação, maior a probabilidade de mais desenvolvimento humano. Há ainda uma tendência de redução da desigualdade no país com o aumento da arrecadação, ainda que essa relação não seja tão direta.

Se a arrecadação é um elemento que eleva o desenvolvimento, por que ela é tratada de forma desabonadora no debate público? É comum dizer que o Brasil tem que reduzir gastos. Mas o Brasil é tão desenvolvido assim para descartar investimentos? Vamos cortar com o quê? Estrada, hospital?André Horta, diretor institucional do Comsefaz

Maior arrecadação tributária não atrapalha o desenvolvimento econômico do país. Os pesquisadores também buscaram saber se existe uma correlação entre maior tributação e dificuldades de desenvolvimento econômico de um país. A conclusão foi que não há relação entre uma coisa e outra. “A principal conclusão é que não tem que diminuir a carga tributária para ter crescimento econômico e qualidade de vida para a população”, diz Carvalho.

Termo carga tributária é considerado pejorativo. Horta destaca que o termo carga, comumente usado para tratar da arrecadação pública, tem um viés negativo e pressupõe que o país tem uma tributação pesada. “Temos a arrecadação tributária, com a qual fazemos hospital, escola, estrada. E tratamos isso com um nome pejorativo e errado do ponto de vista técnico, porque está longe de ser uma arrecadação elevada”. O livro propõe em seu título um termo bem mais amigável: solidariedade. “A solidariedade fiscal é a obrigação de todos os cidadãos de recolherem impostos”, diz Horta.