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Fabricantes de Autopeças Tributados pelo Lucro Presumido e os Créditos de Pis/Cofins em Face da Lei nº 10.485/2002

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Walmir Luiz Becker*

Sabem todos os que se dedicam ao Direito Tributário no Brasil que, de uns tempos para cá, este vem sofrendo toda sorte de atropelos e maus tratos por parte do "legislador tributário", em razão do que instalou-se entre contribuintes, intérpretes e aplicadores desse ramo do direito um clima de total insegurança e desordem jurídica, que beira o caos.

Porém, compreende-se logo o porquê desse estado de coisas quando se tem em vista que a sobredita expressão, "legislador tributário", no mais das vezes, não é designadora do labor legislativo de membros de Câmaras Municipais, Estaduais, Câmara Federal e Senado, senão que da atuação interesseira, em todos esses níveis governamentais, das próprias autoridades fazendárias encarregadas de administrar e arrecadar seus tributos.

A condenável omissão de quem realmente deveria legislar em matéria tributária, e não o faz, deu margem a essa usurpação de competência pela administração pública, de cujos gabinetes saem prontos e acabados os projetos de Leis e Medidas Provisórias que criaram e estão criando essa balbúrdia legislativa e explicam a carga tributária descomunal a que estão submetidos os contribuintes brasileiros.

Tome-se o exemplo da legislação das contribuições PIS e COFINS não cumulativas, em que a implementação dessa sistemática dá-se ao bel prazer do entendimento da Receita Federal. Propiciam direito a créditos, para desconto de débitos dessas mesmas contribuições, os insumos aceitos como tais pela administração tributária federal, onde, segundo ela, estariam incluídos apenas aqueles direta, intrínseca e umbilicalmente vinculados, conforme o caso, à produção, comercialização de bens ou mercadorias e à prestação de serviços.

Dentro desse panorama sombrio, lá vão os contribuintes formulando suas consultas ao Fisco Federal, que vai dizendo, casuisticamente, através de suas dez Regiões Fiscais espalhadas pelo País, quais os insumos que dão, ou não, direito a crédito, além de apresentar soluções para outras questões específicas situadas dentro do próprio sistema da não-cumulatividade das contribuições PIS e COFINS, como as relativas à incidência monofásica ou concentrada, ou à tributação diferenciada aplicável, dentre outros, aos fabricantes de autopeças (Lei nº 10.485/2002).

Pois é a propósito destes últimos que aqui se coloca a seguinte indagação: tratando-se o fabricante de autopeças de pessoa jurídica que optou pela tributação pelo lucro presumido no imposto de renda, há direito ao crédito das contribuições na aquisição de insumos e mercadorias? Afirmamos que, sim, há esse direito.

É oportuno registrar que, nos trabalhos jurídicos que temos lido a respeito do assunto, e nas inúmeras Soluções de Consultas expedidas pela Receita Federal sobre as mais diversas questões relacionadas com o desconto de créditos das contribuições PIS e COFINS, não conseguimos extrair uma resposta satisfatória. A Resposta nº 874 do Perguntão da SRFB, por exemplo, limita-se a esclarecer que as receitas obtidas com a venda dos produtos listados nos Anexos I e II da Lei nº 10.485/02 (autopeças e outros) estão sujeitas à incidência não-cumulativa para recolhimento das contribuições PIS e COFINS.

A rigor, tal esclarecimento fazendário sobre a incidência não-cumulativa do PIS e da COFINS, relativamente às receitas de vendas dos produtos relacionados nos Anexos I e II da Lei nº 10.485/02, deveria ser o suficiente para ter-se como certo o direito à fruição dos respectivos créditos também pela pessoa jurídica que, tributada pelo lucro presumido, esteja enquadrada nesse regime especial de tributação.

Não se pode, contudo, almejar essa certeza, porquanto, como já se disse antes, em matéria de créditos das contribuições PIS e COFINS não cumulativas impera total insegurança. Tanto é assim que já houve conclusão em sentido oposto, como se viu no Roteiro Federal – 2006/147, publicado no site Fiscosoft, em 23.01.2006.

Na verdade, a constatação de que, para os produtos relacionados nos Anexos I e II da Lei nº 10.485/02, o regime de pagamento das contribuições PIS e COFINS é o da não-cumulatividade advém da alteração feita ao art. 3º dessa Lei pelo art. 36 da Lei nº 10.865/04.

Com a referida alteração, o artigo 3º da Lei nº 10.485/02 passou a dispor que os fabricantes e importadores dos produtos relacionados em seus Anexos I e II ficam sujeitos às alíquotas de 1,65% (PIS) e 7,6% (COFINS), nas vendas para fabricantes, e às alíquotas de 2,3% (PIS) e 10,8% (COFINS), nas vendas para comerciantes atacadistas, varejistas, ou para consumidores. Ora, as alíquotas de 1,65%, no PIS, e de 7,6%, na COFINS, são as que vigoram para o regime da não-cumulatividade instituído pelas Leis nºs 10.637/02 (PIS) e 10.833/03 (COFINS).

Já as alíquotas de 2,3% no PIS e de 10,8%, na COFINS, incidem de forma concentrada (monofásica), mas ainda dentro do regime da não-cumulatividade, nas vendas realizadas por fabricantes ou importadores, para atacadistas, varejistas, ou consumidores finais dos produtos listados nos mencionados Anexos I e II. Essa tributação concentrada no fabricante ou importador de tais produtos implica na subseqüente incidência das contribuições PIS e COFINS, à alíquota 0 (zero), nas vendas efetuadas pelos comerciantes atacadistas ou varejistas (art. 3º, § 2º, da Lei nº 10.485/02, com a alteração da Lei nº 10.865/04).

É importante assinalar que o art. 3º da Lei nº 10.485/02 submete à não-cumulatividade das contribuições PIS e COFINS as pessoas jurídicas fabricantes e os importadores dos produtos listados nos Anexos I e II dessa mesma Lei, sem fazer qualquer distinção quanto ao regime (lucro real ou lucro presumido) pelo qual tais contribuintes são tributados no imposto de renda.

Logo, é possível concluir-se que, não estando excetuadas dessa norma jurídica, as pessoas jurídicas tributadas pelo lucro presumido também devem recolher as contribuições PIS e COFINS, dentro do sistema da não-cumulatividade, às alíquotas acima referidas, assim como lhes deve ser permitida a tomada dos correspondentes créditos, como ocorre em relação às pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real.

Não fosse assim, seria cumulativa a sistemática de recolhimento dessas contribuições para a pessoa jurídica fabricante ou importadora de autopeças tributada pelo lucro presumido, só que não com as alíquotas de 0,65% (PIS) e de 3% (COFINS), aplicáveis ao regime cumulativo, mas com as alíquotas mais elevadas da não-cumulatividade, de 1,65% (PIS) e de 7,6% (COFINS), nas vendas para fabricantes, ou, ainda, de 2,3% (PIS) e 10,8% (COFINS), nas vendas para comerciantes atacadistas, varejistas ou consumidores, sem direito a créditos.

Tal tratamento tributário, ao nosso modo de ver, configuraria nítida e frontal ofensa ao princípio constitucional da isonomia tributária (art. 150, II, da CF/88), na medida em que submeteria a tratamento tributário diferenciado contribuintes que estão na mesma situação jurídico-tributária, porque enquadrados num mesmo regime legal de incidência das contribuições PIS e COFINS, qual seja o regime especial da Lei nº 10.485/02.

Concluíamos, assim, que, por força do disposto no art. 36 da Lei nº 10.865/04, o fabricante de autopeças que tiver optado pela modalidade do lucro presumido, para efeito de imposto de renda, tem direito à apropriação de créditos das contribuições PIS e COFINS na aquisição de insumos utilizados na fabricação dos produtos relacionados nos Anexos I e II da Lei nº10.485/02.

 

Walmir Luiz Becker*