Estudo mostra falta de transparência em julgamento administrativo fiscal
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Por Bárbara Pombo | De Brasília – Valor Econômico
Uma pesquisa inédita do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta um cenário preocupante para o contribuinte brasileiro: a falta de divulgação de autos de infração e de transparência em julgamentos de recursos. Criado pelo NEF, o Índice de Transparência do Contencioso Administrativo (iCAT) da União, Estados, Distrito Federal e capital paulista ficou abaixo dos 60 pontos (em uma escala de 0 a 100). A maioria teve menos de 40 pontos. "É uma verdadeira caixa preta. A situação é histórica, mas não tem sido questionada", afirma o coordenador do NEF, Isaías Coelho, ex-secretário adjunto da Receita Federal.
O desempenho foi medido a partir de dez critérios, dentre os quais a divulgação dos autos de infração questionados pelos contribuintes, das decisões dos órgãos administrativos responsáveis pelo julgamento dos recursos e até de informações básicas, como o número de um processo em andamento, a pauta e o tempo médio dos julgamentos. Segundo a pesquisa, apenas os Estados de São Paulo e Santa Catarina publicam as decisões administrativas de primeira instância.
Responsável pelo recolhimento de 70% dos tributos, a União ficou em quarto lugar no ranking, com 34 pontos, especialmente porque não divulga os autos de infração lavrados pelos auditores e as decisões das delegacias da Receita Federal. As sessões de julgamento, inclusive, não são públicas e os advogados não podem fazer a defesa oral.
De acordo com a Receita, os documentos não são divulgados porque contêm informações financeiras e operacionais dos contribuintes, protegidas pelo sigilo fiscal. O artigo 198 do Código Tributário Nacional (CTN) proíbe os servidores da Fazenda Pública de tornarem públicos esses dados.
Para os pesquisadores do NEF, porém, o sigilo fiscal tem sido usado como "escudo" pela Receita para não abrir informações de interesse público. Com base na Lei de Acesso à Informação, defendem que os governos busquem formas de divulgar, por exemplo, os autos de infração, excluindo dados sigilosos.
As empresas têm interesse em abrir as informações fiscais, segundo advogados. "Eles podem apagar o valor da cobrança. O que importa é que todos saibam o fundamento legal da exigência do tributo", diz o tributarista Luiz Roberto Peroba, do Pinheiro Neto Advogados. Melhor colocado na pesquisa, o Estado de São Paulo já pensa em formas de divulgar os autos de infração. "Não há nada fechado, mas vamos arrumar um meio alternativo de divulgação", afirma Fábio Henrique Galinari Bertolucci, diretor-adjunto do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), da Fazenda do Estado de São Paulo.
Os pesquisadores e advogados de contribuintes concordam que mais do que a alta carga tributária e o complexo sistema de arrecadação de impostos é a falta de transparência da fiscalização que atrapalha o ambiente de negócios e a atração de investimentos. "Não conhecer o que pensa a Receita sobre a legislação tributária é um dos maiores problemas do país", diz Peroba.
O acesso aos dados, segundo os pesquisadores, seria a única forma de diminuir a litigiosidade, legitimar as cobranças, além de controlar os atos dos fiscais. "Só assim posso saber se o Fisco passou a tributar determinada operação sem que houvesse alteração da lei e me defender contra isso", afirma o professor Eurico de Santi, que também coordena o NEF, citando o caso da exigência pelo Estado de São Paulo de ICMS sobre publicidade na internet, que gerou autuações milionárias. "Em 2010, o Fisco paulista passou a exigir o imposto sobre os últimos cinco anos. Mas não havia cobrança nos anos anteriores e a legislação não mudou", diz. Sobre a mesma operação, os fiscais também estariam aplicando multa de 50% sobre o valor do imposto para um determinado contribuinte e de 150% para seu concorrente.
No Estado de Santa Catarina, segundo melhor colocado no ranking, as decisões administrativas são divulgadas sem o nome da empresa e os valores discutidos. Segundo João Carlos Von Hohendorff, presidente do Tribunal Administrativo Tributário (TAT), a transparência não teve efeito na redução dos litígios, mas na uniformização da atuação da administração. "Quando firmamos uma posição a favor do contribuinte, a fiscalização muda o encaminhamento", diz.
A presidente do Conselho de Contribuintes de Minas Gerais, Maria de Lourdes Medeiros, discorda da posição do Estado no ranking, em sétimo lugar. Segundo ela, todas as decisões são publicadas e o estoque de processos e o tempo médio de julgamento passaram a ser divulgados nos últimos meses. "Nos preocupamos com a transparência porque isso se reflete em investimentos no Estado", afirma.
Natura defende divulgação de dados
A divulgação dos autos de infração contra contribuintes – que incluem os valores das cobranças fiscais – já é uma hipótese aceita por companhias de grande porte. Para elas, seria um meio de evitar insegurança jurídica e acabar com desigualdades entre concorrentes.
Para a diretora jurídica da Natura, Lucilene Prado, a lógica do sigilo fiscal gera uma "assimetria de informações" no mercado. Com ações negociadas na BM&FBovespa, a Natura é obrigada a divulgar ao mercado o valor, período e motivo da autuação. As indústrias concorrentes, de capital fechado, não. "A assimetria não existe apenas para o investidor, prejudica também a competitividade", diz. "O tributo deve ser neutro. O preço será diferenciado por outros fatores", completa.
A diretora jurídica ainda defende a ampla transparência das decisões administrativas fiscais para garantir estabilidade na aplicação da complexa legislação tributária. "O investidor precifica segurança. É isso que ele busca, muito mais do que benefícios fiscais", afirma.
Segundo Lucilene Prado, aumentar os índices de transparência também é necessário para melhorar o controle sobre a interpretação do Fisco e acabar com situações vivenciadas pela Natura. A indústria de cosméticos recebeu, em dezembro, uma autuação de R$ 627,8 milhões, acrescidos de juros e multa, por diferenças no recolhimento do IPI, PIS e Cofins em 2008. Três anos antes já havia sofrido multas pelo mesmo motivo, mas conseguiu cancelar a cobrança do IPI no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), do Ministério da Fazenda. "Não é só que os julgadores mudam de entendimento. A empresa ganha e a Receita continua autuando", diz. (BP)