Estados declaram guerra por impostos do comércio eletrônico
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Último Segundo – Economia
O ICMS das vendas pela internet é recolhido onde o produto sai, sem benefício para o local onde é entregue, por isso a disputa
Danilo Fariello, iG Brasília
O crescimento acelerado do comércio eletrônico no Brasil levou a uma guerra fiscal bilionária entre os Estados pelo recolhimento de impostos nessas vendas. Pela Constituição, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é recolhido no local onde o produto é despachado – no centro de distribuição da rede –, que não necessariamente é o Estado em que o bem foi adquirido. Só a Bahia e o Mato Grosso estimam poder perder R$ 400 milhões em arrecadação por ano com as compras feitas na internet.
Avanço das vendas online
Volume de compras pela internet dispara no ano passado
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Os Estados mais ricos concentram os principais centros de distribuição do País e, por consequência, a arrecadação do ICMS. Outros com economia menor, como o Tocantins, reduziram por meio de acordos a alíquota do imposto para atrair centros de distribuição das empresas e acelerar a economia local. Os demais Estados reclamam da perda de arrecadação e do menor ritmo econômico local com a transferência de vendas na região para o meio eletrônico.
Ou seja, o sujeito que compra um livro pelo computador em sua casa, pode estar adquirindo-o do Estado vizinho, em vez do seu próprio. Por isso, pelo menos Bahia, Mato Grosso, Ceará e Piauí já impuseram sobretaxas ao ICMS de produtos que vêm de fora. Outros Estados avaliam a decisão, principalmente na região Nordeste.
O argumento é de que um Estado que reduz o ICMS rouba arrecadação do outro, para quem não há alternativa, senão retaliar. A disputa já foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), onde a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra o Piauí. A OAB quer fazer com que o Supremo declare a inconstitucionalidade da norma piauiense que determinou o aumento na cobrança do ICMS para produtos que venham de fora do Estado.
Consumidor pode sofrer com atrasos e custos
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) avalia essa bitributação do ICMS como injusta e ilegal. Para a entidade, é o consumidor que, no fim das contas, acaba bancando essa diferença, mesmo que de maneira indireta no preço final pago. Além do comércio eletrônico, as leis de sobretaxação do ICMS também têm sido válidas para compras por catálogo ou telefone que são despachadas de outro Estado.
Se o vendedor não paga a diferença do ICMS cobrada no local da entrega, o produto fica retido na Secretaria da Fazenda do Estado. Por isso, atrasos nessas compras têm sido percebidos em alguns desses Estados onde vigora a sobretaxa.
No início deste mês, o governo do Piauí apresentou ao ministro Joaquim Barbosa, relator da Adin proposta pela OAB no Supremo, uma resposta em que defende o poder do Estado para legislar sobre o ICMS. O governo do Piauí destaca que ”a própria Constituição Federal é quem remete à legislação complementar a competência para dispor sobre normas gerais da instituição do ICMS, observadas, por óbvio, suas disposições”.
Mas, de acordo com o advogado tributarista Igor Mauler Santiago, sócio do Sacha Calmon Misabel Derzi Advogados, pela Constituição é muito claro que, quando um produto é vendido por empresa de uma Unidade da Federação para uma pessoa física de outra, o ICMS tem de ser recolhido no local de origem do produto. É com base nesse argumento que grandes empresas do ramo, como B2W (Submarino e Lojas Americanas), Renner e Marisa, têm conseguido liminares contra o pagamento extraordinário em alguns desses Estados.
Se aceita a tese da OAB pelo STF, os Estados que sobretaxam o ICMS poderão sofrer um revés definitivo e ter de rever suas leis de uma vez por todas. “O argumento desses Estados é justo, mas não é legal”, diz Almir Gorges, secretário-adjunto de Fazenda de Santa Catarina e autor do “Dicionário do ICMS de A a Z”. Para Mauler, não haveria a menor brecha para questionamentos: “essas leis que elevam o ICMS no comércio eletrônico são indiscutivelmente inconstitucionais.” O advogado, especialista no assunto, teme, assim como o Idec, que as taxas sejam transferidas, em algum momento, para os consumidores.
Bahia foi a última a elevar ICMS, no mês passado
A guerra fiscal teve sua batalha mais recente no mês passado, com a entrada em vigor na Bahia da lei que cobra um ICMS extra de até 10% dos produtos que vêm de fora. Por enquanto, os preços não subiram para os compradores para equiparar o custo maior dos vendedores, mas foram registrados atrasos em entregas. Claudio Meirelles, superintendente da Fazenda, diz que o Estado tem perdido até R$ 100 milhões por ano de arrecadação com as compras que chegam de outras regiões por comércio eletrônico, em vez de serem compradas nas lojas fisicamente instaladas na Bahia.
No Mato Grosso, a taxa cobrada desde outubro de 2008 é de 9%, mas ficam isentos os produtos de menor valor. Marcel Souza de Cursi, secretário-adjunto da Receita Pública do Estado, explica que a cobrança só é feita efetivamente, se percebida fraude na venda (remédios ilegalmente negociados, produtos roubados etc.) ou se houver incentivo fiscal na origem. “O que queremos cobrar não é a diferença de alíquota, mas queremos glosar (anular) um incentivo fiscal adotado à revelia da Constituição.” Na conta de Cursi, a perda de arrecadação do Estado, se não fosse adotada a medida, seria de até R$ 300 milhões neste ano.
Os produtos apreendidos por falta de pagamento de ICMS no Mato Grosso vão a leilão. O último ocorreu no dia 18 de fevereiro, quando um lote com 14 pares de tênis infantis de boa marca foi arrematado por apenas R$ 284,55.
Segundo Meirelles, apesar das seis liminares já concedidas pela Justiça para que empresas que vendem na Bahia não paguem o ICMS extra, diversas têm aceito pagar a diferença de imposto para liberar os produtos. “A nossa intenção não é elevar a carga tributária, mas não podemos ser passivos nessa guerra”, diz Meirelles.
Tocantins é criticado por incentivos tributários
Esses Estados que sobretaxam o ICMS alegam que o início dessa guerra está em incentivos fiscais destinados especificamente para atrair esse filão do comércio eletrônico. É o caso do Tocantins, que fez acordos com empresas de comércio online que instalarem seus centros de distribuição no Estado. Quem vai para lá pode ganhar a vantagem de pagar menos de 2% de ICMS sobre as vendas, enquanto a média nacional está em cerca de 6%.
Com essa medida, Tocantins atrai empregos e faz girar negócios no Estado. Empresas de venda eletrônica como a perfumaria Sack’s, a loja de vinhos Wine e a empresa de equipamentos esportivos Pedala foram para os arredores de Palmas, de onde despacham suas vendas para todo o Brasil. Esse movimento começou há quatro anos, conta Dannyel Filgueiras, um dos sócios da Pedala. Ele conta que a empresa firmou com o Tocantins um Termo de Acordo de Regime Especial (Tare) por dez anos para pagar ICMS de 1,7%, mas sem poder usar créditos para abater esse imposto. Assim, a Pedala levou para lá um centro de distribuição e usa a elogiosa infraestrutura do Estado para despachar boa parte de suas vendas.
A briga maior dos Estados que estão elevando o ICMS para produtos de fora, porém, não é com Tocantins, mas com Estados das regiões Sul e Sudeste, que concentram a maior parte dos centros de distribuição de produtos vendidos por comércio eletrônico e catálogo do País.
Quais as saídas para a guerra fiscal
Essa não é a primeira nem será a última guerra fiscal entre os Estados brasileiros. Com subsídios ou sobretaxas, eles concorrem pela instalação de fábricas, para receber produtos importados e até para ganhar passageiros em suas estradas, em vez de automóveis passarem pelos Estados vizinhos. Para evitar esses conflitos existe o Confaz, o Conselho das Secretarias de Fazenda nos Estados, onde já se definiu, por exemplo, que se um carro sai de determinado Estado para o comprador de outro, há um cálculo para dividir o ICMS entre os dois.
É uma saída desse tipo que poderia ser buscada para o caso do ICMS na compra eletrônica, diz Mauler, do Sacha Calmon Misabel Derzi Advogados. “O mundo caminha para esse novo modelo, e não adianta lutar para ficar fora dele.” Mas ocorre que as decisões no Confaz, segundo a Constituição, só podem ser tomadas em consenso entre todas as 27 Unidades da Federação.
Cursi, secretário do Mato Grosso, diz que já apresentou ao Confaz normas para resolver a guerra fiscal sobre a venda eletrônica, mas nunca conseguiu conquistar consenso dentro do grupo. Na sua proposta, cobraria-se o teto da tarifa de ICMS interestadual quando se cruzar uma fronteira, de 7%, daí os dois Estados dividiriam essa arrecadação.
Outra solução para a disputa seria uma reforma que passasse pelo Congresso, ou mudando a Constituição Federal, ou alterando as regras do Confaz para facilitar esse tipo de acordo entre os Estados. Um dos textos que trata disso é Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 227, mas não parece haver muita disposição para a aprovação do tema, parado desde 2008. Outras ações, como a reforma tributária em si, que tira poder dos Estados sobre a indicação de alíquotas de ICMS, também podem encerrar a guerra fiscal. “Não somos contra o comércio eletrônico, que é bom para todos, mas o prejuízo no final com essa guerra fiscal é do País, principalmente das regiões mais periféricas, que perdem empregos e arrecadação”, diz Cursi.