Empresas com causa
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Organizações híbridas, na fronteira entre ONGs e iniciativa privada, derrubam os limites entre o lucro e a ação social e dão origem ao Setor 2,5.
Por Alexandre Teixeira
Trata-se de um fenômeno mundial relativamente novo, que deu origem à expressão Setor 2,5. O conceito, adotado por um grupo de alunos da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, que desenvolve um projeto sobre empresas sociais, identifica organizações híbridas. Elas buscam promover a transformação social e, ao mesmo tempo, obter retorno financeiro.
Historicamente, empresas e organizações sociais sempre andaram separadas. Nos últimos anos, porém, essa distância começa a diminuir. De um lado, as empresas buscam uma causa social ou ambiental – seja para dar sentido aos funcionários, seja para desenvolver novos mercados ou melhorar sua reputação. De outro, as organizações sociais procuram incorporar princípios de gestão para ganhar escala e atingir mais e mais pessoas. É dessa simbiose que resulta o Setor 2,5, objeto do interesse de um grupo de alunos dos cursos de administração de empresas e administração pública da FGV. Desde o ano passado, os autores do projeto, com idades entre 21 e 22 anos, têm entrevistado empreendedores e visitado empresas sociais. A maioria delas no eixo Índia-Bangladesh (veja exemplos no quadro). O objetivo do grupo é produzir um documentário sobre o tema.
O conceito de empresa social germinou sob a sombra de Muhammad Yunus, ganhador do Nobel da Paz de 2005, e seu Grameen Bank. Instalada em Bangladesh, a instituição é responsável pela mais bem-sucedida experiência de microcrédito do mundo. Para a turma da FGV, porém, o melhor exemplo de empresa social não é o "banco do povo", mas sua associação com a Danone. Fundada para oferecer alimento barato e nutritivo às crianças mais pobres de Bangladesh, a Grameen Danone criou um modelo único. "Das empresas que visitamos, é a mais preocupada com a comunidade", diz Nina Valentini, uma das autoras do Projeto 2,5. "A base do iogurte deles é leite e grãos de produtores locais. E parte da distribuição é feita por mulheres que recebem microcrédito."
Em dezembro de 2006, o guru Michael Porter escreveu sobre as vantagens de ter a responsabilidade social como estratégia central de negócios. Uma delas é vender produtos ou serviços que são realmente necessários para a população. Mais sutil, mas nada desprezível, é o ganho de legitimidade – ativo intangível dos mais valorizados. "O modelo é encantador, mas exige uma revolução no modo de fazer negócios", afirma Maria Fernanda Gayoso, do grupo da FGV. Para começar, o empreendedor não pode ver a base da pirâmide de consumo do modo convencional. Yunus mostrou que é possível incluir milhões de despossuídos no sistema financeiro, oferecendo-lhes empréstimos sem garantia – e fazer dinheiro no processo. "Não há mal nenhum se o cara que faz alguma coisa socialmente importante fica rico", diz Oliver Mizne, sócio-diretor da Ideal Invest. "Até porque, para atrair as melhores pessoas, uma empresa precisa de dinheiro."
Obviamente, há também desvantagens em ser uma empresa social. "Você provavelmente não vai ganhar dinheiro rapidamente", afirma Antonio Moraes Neto, outro participante do Projeto Setor 2,5. Em parte pelo custo do pioneirismo. "O microcrédito levou 30 anos para se consolidar como negócio. Daqui a uns 20 anos, empresas sociais farão parte de um setor comum." Neto do empresário Antonio Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim, Antonio acredita que, bem antes disso, surgirá um novo tipo de investidor. Um capitalista que escolha ações levando em conta não apenas a proporção retorno X risco, mas também o impacto social da empresa. A própria Ideal Invest já recebeu aportes de investidores de peso: a Gávea, gestora de fundos do ex-BC Arminio Fraga, e a Janos, que administra as fortunas dos três sócios-fundadores da Natura.
RETORNO COMBINADO
Negócios que conciliam ação social e resultado financeiro são referência para o Setor 2,5. A maioria deles está na Ásia
Grameen Bank | Bangladesh
>>> O banco popular criado por Muhammad Yunus subverteu a prática bancária convencional ao abrir mão de garantias para empréstimos. O Grameen provê crédito para os mais pobres trabalhadores rurais de Bangladesh. Com isso, combate a pobreza, catalisa o desenvolvimento local – e ganha dinheiro no processo.
Grameen Danone | Bangladesh
>>> A joint venture tem como missão servir diariamente alimento nutritivo para a população subnutrida de Bangladesh. Desde 2006, a Grameen Danone fabrica um iogurte especialmente criado para suprir as necessidades nutricionais das crianças do país. Cada copinho custa sete centavos, e todo o lucro é reinvestido. Em 2009, a Danone reaverá seu investimento inicial, de US$ 500 mil.
Aavishkaar Micro Fund | Cingapura
>>> Este fundo de capital de risco busca transformar inovações feitas em áreas rurais e semi-urbanas em negócios sustentáveis, que sejam socioambientalmente responsáveis e tenham grande potencial para promover transformação social. Desde 2002, esta firma injeta capital e conhecimento nos estágios iniciais de empresas com esse perfil. A palavra Aavishkaar significa inovação, em híndi.
Hindustan Lever | Índia
>>> Dois de cada três indianos consomem produtos da Hindustan Lever, que atua em 20 categorias dos ramos de cuidados para o lar, higiene, alimentos e bebidas. Os produtos são populares, mas capazes de suprir as necessidades de nutrição e higiene da população de baixa renda. A Unilever detém 51,55% do capital da empresa. O resto é pulverizado entre 380 mil acionistas locais.
Aurolab | Índia
>>> A Aurolab fornece produtos oftálmicos de alta qualidade, a preços populares, para países emergentes. Lentes intraoculares e agulhas para sutura, entre outros materiais, são vendidos prioritariamente para programas de saúde oftalmológica sem fins lucrativos. Desde 1992, a Aurolab forneceu mais de 5 milhões de lentes para seus clientes na Índia e em mais de 120 outros países.
"É uma idéia socialista que produzir lucros seja um vício. Eu considero que o verdadeiro vício é produzir prejuízos"
Winston Churchill (1874-1965), estadista e escritor, foi primeiro-ministro britânico durante a Segunda Guerra