Cruzamento dos dados da movimentação financeira
Publicado em:
Marcelo da Silva Prado
Afora os altos valores carreados aos cofres federais, a Receita Federal sempre explicitou que uma das funções da CPMF seria o de facilitar o trabalho da fiscalização, ao permitir o conhecimento da movimentação bancária de todos os contribuintes, e a partir desses dados conhecer o total da movimentação bancária, facilmente obtidos por uma simples conta aritmética com base no valor arrecadado a título de CPMF com cada contribuinte. Com base nesses dados a Receita Federal pode cruzar essa informação com outros dados, como, por exemplo, o faturamento declarado pela empresa ou o total de rendimentos declarados pelo contribuinte, e percebendo indícios de sonegação, iniciar o procedimento de fiscalização contra o contribuinte. A utilização da CPMF como espiã do contribuinte começou, oficialmente, em janeiro de 2001, com a edição da Lei 10.174/2001, que alterou o artigo 11, parágrafo 3º, da Lei 9.311/96, que antes dessa alteração vedava o uso das informações obtidas com a cobrança da CPMF. A redação dada pela lei nº 10.174/2001, alterando o artigo 11, parágrafo 3º é a seguinte:
Com a alteração efetuada, a Receita Federal começou a utilizar os dados da CPMF fornecidos pelas instituições financeiras, identificando os contribuintes e os valores globais das suas respectivas operações, nos termos do art. 11, parágrafo 2º, da Lei 9.311/96. Não obstante a alteração da redação da lei 9.311/96 ter se dado apenas em 2001, a Receita Federal aplicou a alteração retroativamente, atingindo anos-calendário anteriores a 2001 e gerando cobranças que agora estão sendo discutidas em juízo. Infelizmente, a jurisprudência do STJ (Superior Tribunal Justiça) vem admitindo como válida essa retroação, ou seja, a Receita Federal poderia usar as informações que antes eram vedadas expressamente, sob o argumento de que se trata de alteração de norma procedimental, em consonância com o artigo 144, parágrafo 1º, do CTN (Código Tributário Nacional):
Não discordamos de que o artigo 11, parágrafo 3º, da Lei 9.311/96, com redação dada pela Lei 10.174/2001, é uma norma procedimental (ou formal) e, portanto, poderia ter aplicação imediata, nos termos do artigo 144, parágrafo 1º do CTN. Os questionamentos, porém, nessa questão não podem se encerrar apenas nesse ponto. A redação original<a style="FONT-SIZE: 10px; COLOR: blue; TEXT-DECORATION: underline" onclick="function anonymous() Dessa forma devemos analisar a diferença entre (i) uma lei que amplia os poderes da administração tributária —sem a revogação de nenhuma lei, mas apenas com a ampliação de competências antes limitadas simplesmente pela omissão da lei— e (ii) outra situação bastante diversa, na qual ocorre a revogação de norma que dispunha expressamente em sentido contrário. Por sua vez, o princípio da irretroatividade das leis em geral, presente no artigo 5º, inciso XXXVI, serve como uma barreira protetora do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. O escopo do princípio da irretroatividade é assegurar no futuro o que se adquiriu no passado, em face das modificações legislativas ou mesmo judiciais, ou seja, assegurar segurança às relações jurídicas. Percebe-se que o princípio da irretroatividade das leis é corolário do princípio da segurança jurídica, que encontra guarida no “caput” do artigo 5º, não sendo demais lembrar que a efetividade desse princípio garante todos os demais direitos.<a style="FONT-SIZE: 10px; COLOR: blue; TEXT-DECORATION: underline" onclick="function anonymous() Com base nessas premissas, devemos reforçar a diferença apontada: uma coisa é uma lei nova que amplie os poderes de investigação, institua novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, sem revogar nenhuma outra lei. Situação bem diversa é a ocorrida com a Lei 10.174/2001, que revogou a lei anterior, na qual havia expressa proteção ao contribuinte de que os dados da CPMF não poderiam ser utilizados para outros fins, ou seja, revogou-se uma garantia do contribuinte. Aceitar essa mudança equivaleria a suprimir os efeitos irradiados por uma lei válida ao tempo dos fatos e que, repita-se, dispôs de forma expressa no sentido de proibir o lançamento tributário com base na CPMF, como se fosse possível passar uma borracha nas situações ocorridas sob a vigência da redação original da Lei 9.311/96 e redesenhar os fatos com as disposições da nova redação. O oposto seria se a redação original da Lei 9.311/96 tivesse silenciado a possibilidade do uso da CPMF nos lançamentos tributários de outros tributos, nesse caso não teríamos nenhum impedimento para o uso das informações da CPMF na constituição do crédito tributário e a lei seguinte que criasse a possibilidade do seu uso poderia inclusive retroagir a fatos pretéritos, sem qualquer ferimento da segurança jurídica e da irretroatividade. A toda evidência, a Lei 10.174/2001 acabou por atingir uma situação consolidada à luz de expressa garantia legal, e que se aplicada retroativamente, atinge situação consolidada à luz da lei anterior, abalando seriamente a segurança jurídica e até a certeza do direito. Fazendo uma metáfora, a mudança perpetrada pela Lei 10.174/2001 seria mais grave do que mudar as regras do jogo no meio da partida, esta lei na verdade estaria alterando o próprio resultado do jogo depois da partida ter sido encerrada. |