Criar tributo aumenta insegurança jurídica
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Por Raul Haidar
Com uma carga tributária próxima de 40% do PIB o Brasil não tem a mínima chance de competir com os demais emergentes, além de correr sérios riscos de perder muitas industrias e até mesmo ver a inflação retornar a níveis insuportáveis. Tudo isso pode anular os avanços sociais que verificamos nos últimos anos, com sérias consequências para todos nós: aumento da inadimplência, a volta do fantasma do desemprego, enfim, problemas e mais problemas.
Embora o início de um novo governo seja sempre uma nova esperança, parece-nos que na questão tributária as primeiras tentativas de encontrar soluções não estão sendo bem sucedidas.
Há muito tempo fala-se em desonerar a folha de pagamento como forma de reduzir o custo da mão de obra. Mas pelas notícias que vimos recentemente a proposta parece ser o samba confuso composto com diversos pedaços de histórias desconexas, elaborado por um sambista enlouquecido. É o antigo “Samba do criolo doido”, de autoria de Sérgio Porto, jornalista carioca que morreu por volta de 1970.
O governo quer cortar a aliquota do INSS de 20% para 14%, mas ao mesmo tempo criar um novo tributo, de cerca de 2% sobre o faturamento.
A idéia parece ridícula, pois aumenta os custos das empresas que investiram em tecnologia para substituir a mão de obra. Nessa marcha chegaremos em breve ao século 18 ou, quem sabe, ao 16 ! Isso parece ainda mais claro quando vejo que determinadas lideranças sindicais gostaram da idéia.
Ora bolas! Até os cisnes do lago Paranoá sabem que o grande problema do Brasil hoje são a carga tributária, a burocracia estúpida e a insegurança jurídica nas questões que afetam as empresas e os investidores. Se não enfrentarmos esses problemas não teremos futuro.
Se o governo pretende enfrentar a concorrência dos produtos importados, vai reduzir encargos trabalhistas e onerar o faturamento? Troca seis por meia dúzia, é isso?
No governo anterior o ministro da Fazenda, ao encaminhar a proposta de reforma ao então presidente da República, afirmou que os seus “objetivos principais” seriam:
“…simplificar o sistema tributário, avançar no processo de desoneração tributária e eliminar distorções que prejudicam o crescimento da economia brasileira e a competitividade de nossas empresas…”
Ora, se o propósito fosse simplificar o sistema, isso certamente não existe mais, quando se imagina criar novo tributo incidente sobre faturamento para reduzir a contribuição sobre a folha. Se hoje o empregador tem que cumprir certas burocracias para pagar os encargos, na melhor das hipóteses terá que cumprir outras para pagar a contribuição sobre o faturamento.
Há vários anos existe o consenso de que a carga tributária é elevada. Isso resulta de um exame muito simples, comparando-se o que pagamos e o que recebemos em troca, com aquilo que ocorre nos países que se parecem com o nosso. Isso nos leva a uma conclusão óbvia: nossa carga não pode passar de 25% do PIB, pois todos os contribuintes precisam ter disponibilidade para investir ou poupar alguma coisa.
Há impostos que devem ser eliminados, pura e simplesmente. Um deles é o IPVA, outro é o IPI. Já escrevi aqui na ConJur sobre ambos, verdadeiras aberrações jurídicas que jamais deveriam ter sido criadas. A eliminação pode provocar queda de receita, claro. Como é óbvio, não existe redução de carga tributária sem queda de receita. A supressão desses impostos ainda faria reduzir a burocracia. Milhões de brasileiros não teriam mais que se preocupar com um tributo idiota (IPVA) quando do licenciamento de seu veículo.
O preço dos automóveis embute quase 50% de tributos entre IPI , ICMS, IPVA, Cofins, PIS, Contribuição Social, licenciamento, IOF no financiamento e nos seguros, etc.- Essa carga varia conforme o modelo do carro (popular, luxo, etc) e o uso (táxis gozam de isenções), mas na média passa dos 40%. Eis aí a explicação para a enorme diferença de preço que se verifica em comparações com outros países. O mesmo BMW feito na Alemanha pode custar 30.000 dólares em Miami e mais que o dobro em São Paulo.
A eliminação do IPI também seria importante e favoreceria o país. Trata-se de um imposto federal sobre o consumo, cuja arrecadação já não tem relevância no orçamento da União, até porque nada menos que 57% de suas receitas são transferidas para estados e municípios.
A União não precisa mais do IPI, pois as receitas tributárias do PIS, da COFINS, da Contribuição Social sobre o Lucro e do imposto de renda já cresceram expressivamente nos últimos anos, compensando, com folga, a eliminação do IPI.
Os estados e os municípios também já não dependem tanto dos repasses desse imposto. Os estados aumentaram muito as receitas do ICMS e dos outros tributos de sua competência e os municípios já estão se favorecendo com o crescimento do IPTU, ISS, etc.
Como se percebe, a Reforma Tributária ainda vai dar grandes discussões. Será melhor para todos se essas discussões forem racionais, sem colocações preconceituosas, de preferência por pessoas habilitadas tecnicamente ao debate. Cada profissional da área tem, pois, o direito e o dever de encaminhar aos deputados ou senadores os resultados de seus estudos, seja através de entidades de classe ou mesmo na condição de simples eleitor.
Essa ideia estapafúrdia de reduzir os encargos da folha e compensar a redução com a criação de novo tributo é um novo samba: vamos reduzir aumentando e compensar o que foi reduzido com o aumento do que foi criado. Pensar em reduzir carga, simplesmente, nem pensar. Eis aí o novo enredo para o antigo samba.