Cálculo da Cofins
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Por que governo e contribuintes não se entendem
por Maria Fernanda Erdelyi e Aline Pinheiro
O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, já devolveu para votação a ação que discute a constitucionalidade da incidência do ICMS na base de cálculo da Cofins. O ministro pediu vista do processo no último dia 14. Com o voto-vista pronto, o julgamento pode ser retomado a qualquer momento, basta que o presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, marque nova data.
Depois de uma década em discussão, o julgamento do Recurso Extraordinário que já contava com seis votos a favor dos contribuintes foi substituído pela apreciação da Ação Declaratória de Constitucionalidade proposta pela União no ano passado. Por sete votos a três os ministros decidiram retomar a discussão – interrompida há mais de um ano por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes – na ADC que tem efeito vinculante e não atende apenas as partes do caso concreto.
Antes de entrar no mérito da discussão, os ministros votaram a preliminar para decidir se a ADC seria o instrumento adequado para discutir o tema. Com oito votos favoráveis ao julgamento pela ADC, o ministro Marco Aurélio pediu vista. O relator da ação é o ministro Menezes Direito. Ele permitiu a inclusão de 16 estados e do Distrito Federal no processo, bem como de entidades como a Confederação Nacional do Transporte (CNT), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Confederação Nacional do Comércio (CNC).
No recurso extraordinário, a empresa de autopeças Auto Americano já contava com os votos favoráveis dos ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Carlos Britto, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence (aposentado). Apenas o ministro Eros Grau havia se manifestado a favor da União. Segundo a empresa, o ICMS não tem natureza de faturamento e, por isso, não pode integrar a base de cálculo da Cofins.
A Fazenda Nacional, autora da ADC proposta no ano passado, tem pressa pela conclusão do julgamento, sobretudo, para estancar as decisões proferidas no Judiciário de todo o país, muitas vezes com entendimentos diversos. De acordo com dados da Receita Federal, em 2006, ingressou na Justiça de todo país 784 pedidos de Mandado de Segurança sobre o tema. Em 2007, o número subiu para 2.072. Por isso, a ADC tem pedido de liminar para paralisar todas as ações que tratam do tema até que o Supremo defina o mérito da questão.
Debate
O Consultor Jurídico fez as mesmas perguntas para os dois lados da disputa. O lado do contribuinte, que defende que não se pode incluir o ICMS na base de cálculo da Cofins, foi defendido pelo advogado Fábio Martins de Andrade, sócio do escritório Andrade Advogados Associados. O escritório representa a Confederação Nacional do Transportes, que entrou como amicus curiae na ADC. A posição da Advocacia-Geral da União, que defende a legalidade da inclusão do ICMS na base de calcula da contribuição, foi formulada no Memorial entregue aos ministros que julgarão a ADC.
O leitor poderá ler também a íntegra do Memorial da AGU (clique aqui) e o memorial do advogado que defende a CNT (clique aqui).
ConJur— O que é faturamento? De acordo com a jurisprudência do STF, faturamento deve ser entendido como sinônimo de receita bruta, ou seja, o produto de todas as vendas de mercadorias e serviços, considerando os elementos que compõem o custo e influenciam na formação do preço.
AGU —
Fábio Martins de Andrade — De acordo com a jurisprudência de mais de uma década do STF, faturamento é a receita auferida pela empresa com a venda de mercadorias e/ou da prestação de serviços.
ConJur — ICMS faz parte do faturamento? Por quê? Sim. A questão da inclusão do custo dos tributos indiretos — no caso, o ICMS — no preço dos produtos não encontra vedação no ordenamento jurídico pátrio, mas, ao contrário, revela-se plenamente conforme os princípios constitucionais.
AGU —
Fábio Martins de Andrade — O ICMS não integra o faturamento porque o ICMS não é receita do contribuinte, mas receita destinada aos estados.
ConJur — A Cofins tem de ser calculada em cima do ICMS? Por quê? Sim, porque o ICMS representa custo da produção e integra o faturamento. A Lei Complementar 70/01, que trata da cobrança da Cofins, diz claramente que esta não incide sobre o IPI quando destacado em separado no documento fiscal, mas não fala do ICMS. Como o ICMS não foi excepcionado, legitimou-se o entendimento de que ele está compreendido na base imponível da contribuição sobre o faturamento. O ICMS é parte integrante do preço da mercadoria ou do serviço e, dessa forma, está compreendido no faturamento. O ICMS compõe o custo do produto e, portanto, é agregado em seu preço.
AGU —
Fábio Martins de Andrade — Não, porque a Constituição Federal (artigo 195) determina que a Cofins incide sobre a receita ou o faturamento. O ICMS não integra o faturamento e também não é receita da empresa (contribuinte).
ConJur — A decisão do STF vai afetar também o ISS, hoje parte da base de cálculo da Cofins? Pergunta não respondida.
AGU —
Fábio Martins de Andrade — Não. O ISS não está em discussão nesse julgamento.
ConJur — Quanto as empresas e o governo ganham ou perdem com a decisão do Supremo? A Receita Federal estima que o impacto econômico nos cofres públicos da retirada do ICMS da base de cálculo da Cofins será de R$ 12 bilhões por ano. Se for dado caráter retroativo à decisão para os últimos cinco anos, o governo pode ter de devolver R$ 60 bilhões.
AGU —
Fábio Martins de Andrade — É difícil estimar, mas, caso o ICMS seja retirado da base de cálculo da Cofins, o valor a ser devolvido para os contribuintes é certamente inferior àquele que vem sendo alardeado na mídia pela Fazenda Nacional com o propósito de impressionar e pressionar os ministros do STF. O fato é que, independentemente dos valores envolvidos, este raciocínio sobre quanto não pode prevalecer sobre o exame do como. Se a inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins for declarada inconstitucional pelo STF hoje, o governo já terá se apropriado indevidamente de um montante astronômico de recolhimentos ilegítimos e dos quais não cabem qualquer ação do contribuinte, vez que transcorrido o lapso temporal para isso.
ConJur — A decisão do STF tem de ser política ou estritamente técnica? A União recorre a argumentos técnicos, baseados na legislação, para pedir a cobrança da Cofins também com base no ICMS, mas também usa argumentos políticos, “a fim de evitar prejuízo irreparável aos cofres públicos”. O Memorial diz que a perda de receita prejudicará o financiamento dos serviços de saúde, previdência e assistência social. “A perda de receita deverá ser compensada por novas majorações de alíquotas, o que acabará prejudicando os pequenos contribuintes, os consumidores e a sociedade como um todo.”
AGU —
Fábio Martins de Andrade — O nosso modelo democrático é bem preciso neste sentido. Embora o STF tenha uma função institucional fundamental no desenvolvimento do processo democrático, não cabe a ele ser político ou atender às eventuais conveniências políticas do governo. Por isso, espero que a decisão do STF seja estritamente técnica e que a ordem constitucional prevaleça sobre o interesse econômico do governo que, diga-se de passagem, está em ótima fase (registrou até aumento de arrecadação depois da extinção da CPMF).
RE 240.785 e ADC 18