Do dia 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a atual Constituição Federal, até seu 19º aniversário, neste ano, foram editadas no Brasil 3.628.013 milhões de normas. Ao longo dos anos, emendas constitucionais, leis delegadas e complementares, medidas provisórias originárias e reeditadas, decretos federais e complementares foram algumas das ações de que os governos federais, estaduais e municipais lançaram mão para regulamentar a vida dos cidadãos.
Os números fazem parte de um levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). No período referente ao estudo, foram editadas aproximadamente 34 normas tributárias por dia, ou 1,42 por hora.
As normas tributárias correspondem a 6,50% do material editado no período analisado. São 25.854 normas tributárias federais (18,07% do total), 72.029 normas tributárias estaduais (7,53% do total) e 137.017 normas tributárias municipais (5,43% do total). Conforme o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, o tributarista Gilberto Luiz do Amaral, o grande número gera uma insegurança jurídica para todos os cidadãos. "O brasileiro não tem certeza sobre toda essa legislação que regulamenta qualquer uma das diversas atividades. Essa sensação é muito ruim para o País."
Mesmo nações emergentes, que tradicionalmente concorrem com o Brasil no cenário internacional, não têm uma quantidade de legislação tão ampla. De acordo com Amaral, essa é uma característica própria do sistema brasileiro e deve-se ao fato de que, em matéria tributária, o poder executivo edita a maioria das normas. Transformando, desta forma, o assunto em um tormento para as empresas e o cidadão comum.
A quantidade de legislação existente no Brasil traz efeitos colaterais: excesso de burocracia, dificuldade de execução e alto custo para seu acompanhamento, gasto com pessoal preparado e equipamento, formulários etc. "É um valor que, muitas vezes, não é percebido pelo empresário mas que está presente no seu cotidiano e, certamente, acaba por onerar os seus custos." Para as empresas, é um preço muito alto. Entretanto, quem acaba pagando a conta é o consumidor, uma vez que as companhias repassam suas despesas para o valor final das mercadorias e produtos.
Os municípios apresentaram 20 normas, estados criaram dez, e governo federal editou quatro. Do total de 3.628.013 normas gerais editadas, 12,54% ou 454.953 estavam em vigor quando a Constituição Federal completou 19 anos. Das 235,9 mil normas tributárias lançadas, 7,28% ou 17.173 estavam em vigor em 5 de outubro deste ano.
Em média, cada norma tributária editada tem 11,23 artigos, cada artigo tem 2,33 parágrafos, 7,45 incisos e 0,98 alínea. Assim, foram editados neste período 2.649.157 artigos, 6.172.536 parágrafos, 19.736.220 incisos e 2.596.174 alíneas. Estão em vigor 192.853 artigos, 449.347 parágrafos, 1.4360.753 incisos e 188.996 alíneas.
Quantidade de regras editadas de 5/10/1988 até 5/10/2007
Normas federais Gerais Tributárias Constituição Federal 1 1 Emendas Constitucionais de revisão 6 – Emendas Constitucionais 55 13 Leis delegadas 2 – Leis complementares 69 32 Leis ordinárias 3.792 949 Medidas provisórias originárias 1.012 173 Medidas provisórias reeditadas 5.491 973 Decretos federais 9.240 1.510 Normas complementares* 128.909 23.203 Total 148.577 26.854 Média por dia 21,41 3,87 Média por dia útil 31,35 5,67
Legislação já tem mais de 200 mudanças este ano
Os governos federal e estaduais editaram nos primeiros nove meses deste ano cerca de 250 normas tributárias, sem contar os atos declaratórios. O dado faz parte de um estudo divulgado pelo escritório Martinelli Advocacia Empresarial, que atua em dez cidades. "O Brasil sempre teve um grande número de alterações na legislação. Com o PIS/Cofins não-cumulativo houve mais ainda", afirma o consultor Denilson Utpadel. Com a necessidade do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) lançado pelo governo, uma série de legislações foi modificada para possibilitar que os benefícios sejam atendidos e atinjam também os contribuintes.
O estudo do escritório Martinelli mostra que o grande número de normas editadas, em torno de 250, compreende medidas provisórias, decretos e instruções normativas, desconsiderando outros atos como portarias. "Muitas das alterações foram feitas procurando beneficiar o contribuinte em forma da redução da carga tributária. Entretanto, isso acaba gerando uma obrigação acessória maior, com um maior número de informações a ser fornecido ao governo, à Receita Federal e a outros órgãos", explica. Essas informações seriam protocolos de regimes especiais e declarações cada vez maiores a serem prestadas. Conforme Utpadel, essa é uma forma de controlar melhor o contribuinte.
As modificações constantes exigem investimentos das empresas que, muitas vezes, têm de ampliar sua equipe da área administrativa e fiscal para atender às obrigações acessórias emitidas pelo governo e Receita Federal. O funcionário, além de suas atividades diárias normais, precisa acompanhar toda a legislação que muda freqüentemente. As mudanças trazem, em alguns casos, benefícios, mas para obtê-las é preciso gerar uma obrigação acessória, o que tem aumentado nos últimos anos. O consultor diz que os índices recordes de arrecadação tributária registrados podem representar a melhor rentabilidade das empresas. "São mais informações para o Fisco, menos empresas na informalidade que possibilitam o cruzamento de informações para a Receita."
Enquanto mudam as normas, cresce o setor de prestação de serviços e softwares, com o surgimento de programas específicos para atender à necessidade. "Hoje, as consultorias e empresas de software trabalham para se adaptar às normas e achar alternativas que reduzam custo, e não aumentem como tem ocorrido. O foco da empresa é produzir, e não atender às obrigações geradas pelos governos."
Criação do IVA trará melhora
O presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), Gilberto Luiz do Amaral, critica a demora do governo federal em apresentar sua proposta de reforma tributária. Segundo ele, o governo havia prometido encaminhar o projeto no início deste semestre. "Estamos em outubro e até agora nada, o que nos impede de fazer uma análise do que teremos pela frente."
A implantação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) deve representar um avanço para o sistema tributário nacional. "A unificação de tributos no IVA dispensará tantas legislações para acompanhar as regulamentações, sendo necessária apenas uma, o que melhorará o regime de impostos no Brasil", afirma.
Nos últimos anos, as alterações colocadas em prática pelo governo equivaleram a 13 reformas tributárias. Amaral ressalta que o contribuinte deve estar consciente de que todas essas mudanças serviram apenas para criar novos impostos. "Nesse momento em que se fala na renovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e reforma tributária, não podemos esquecer que tiveram como propósito apenas majorar os já existentes ou suprimir direitos dos contribuintes."
Na opinião do tributarista, se não houver vigilância por parte da sociedade, certamente uma nova reforma virá em contraponto com os anseios da população brasileira. "Será somente para aumentar a arrecadação da União, dos estados e dos municípios. O cidadão, as empresas e entidades precisam estar alerta, participar e exigir dos seus representantes – deputados e senadores – uma atenção maior com relação aos seus direitos."
O estudo apresentado pelo IBPT mostra que apenas 7,28% das normas tributárias editadas desde 1988 estão em vigor. As demais foram alteradas com o passar dos anos. Como a média das empresas não realiza negócios em todos os estados brasileiros, a estimativa de normas que cada uma deve seguir é de 3.203, ou 55.767 artigos, 33.374 parágrafos, 23.497 incisos e 9.956 alíneas. O valor corresponde a 5,5 quilômetros de normas, se impressas em papel. Em decorrência dessa quantidade, as empresas gastam cerca de R$ 30 bilhões por ano para manter pessoal, sistemas e equipamentos no acompanhamento das modificações da legislação.
Profissão requer atualização permanente
O grande número de normas editadas dificulta o acompanhamento diário para o profissional da contabilidade e para aqueles ligados à área tributária, já que o trabalho dedicado aos clientes absorve o tempo integral. A advogada tributarista, diretora-responsável da consultoria Lefisc – Legislação Fiscal, Angela Izidro Macedo, diz que a questão pode ser vista também de forma positiva. "Valoriza aquele profissional que está atualizado com tais normas, uma vez que acompanhar a vasta legislação divulgada nos diários oficiais dos entes federativos torna-se obrigatória."
Qualquer descuido do profissional poderá ocasionar perda de algum benefício ou prazo de pagamento. Ao se manter constantemente atualizado, o contador poderá obter maiores vantagens no mercado de trabalho. Segundo ela, o excesso de normas causa uma grande insegurança jurídica para quem investe ou empreende, tanto para os grandes quanto para os pequenos empresários.
Angela ressalta que a carga tributária não é majorada em função da edição de muitas normas, mas sim da vontade deliberada dos governos de arrecadar. Em tese, as normas tributárias são necessárias para a completa regulamentação de cada matéria editada. Não basta criar, por lei, um tributo.
É preciso disciplinar a forma como este será cobrado e pago. "É verdade que muitas destas normas representam aumento de impostos ou contribuições. Mas não somente aumento de tributos e sim de obrigações acessórias, que em geral sobrecarregam os profissionais das áreas contábil, fiscal e tributária."
A alta carga tributária de impostos eleva o preço final do produto ou serviço oferecido e a conseqüente diminuição da capacidade de investimento no negócio. Angela lembra que todos os projetos de reforma tributária já discutidos no Brasil têm cunho de aumento de carga tributária. "A briga pela distribuição da arrecadação acaba sempre prevalecendo. Portanto, parece que está longe de acabar com a sistemática edição de normas."
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