O julgamento de duas liminares no Supremo Tribunal Federal (STF) no fim do ano passado está sendo encarado por tributaristas e contribuintes como uma possível mudança de entendimento da corte em torno da incidência da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre receitas de exportação. As decisões, que imunizaram do tributo as vendas da Embraer e da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) ao exterior, já levam empresas a procurarem a Justiça para se verem livres da tributação.
O advogado Rogério Mollica, do escritório Demarest & Almeida Advogados, diz que após as decisões do Supremo já entrou com dez processos semelhantes contestando a CSLL incidente sobre as receitas de exportações de empresas clientes e tem mais cinco por ajuizar. Ele também conta ter sido procurado por outras três empresas multinacionais que estudam adotar a mesma medida. "A expectativa de ganhar está aumentando", afirma. A advogada Ana Cláudia Utumi, do escritório TozziniFreire Advogados, já tem cinco ações prontas para serem impetradas, e a tributarista Lívia Balbino Silva, do escritório Mattos Filho Advogados, tem três propostas em análise por clientes.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) confirma o aumento no número de ações judiciais de empresas em função dos julgamentos do Supremo no ano passado. Para o procurador-geral adjunto Luiz Dias Martins Filho, a liminar concedida pela corte à Embraer em setembro chamou a atenção das empresas por ter sido dada em uma decisão unânime do pleno.
"Com as liminares, o Supremo ressuscitou o assunto em favor dos contribuintes", diz o advogado Eduardo Diamantino, do escritório Diamantino Advogados Associados. Segundo ele, o grande volume de ações questionando a CSLL sobre as vendas ao exterior começou em 2003, pouco depois que a Emenda Constitucional nº 33, de 2001, inseriu, no artigo 149 da Constituição Federal, a imunidade das receitas de exportação em relação a contribuições sociais. "No início, saíram muitas liminares favoráveis às empresas, mas logo depois a jurisprudência se firmou ao lado do fisco", afirma.
A concessão das liminares pelos ministros começa a alterar também o entendimento da segunda instância da Justiça Federal. Os tribunais regionais federais (TRFs) da 1ª, 3ª e 4ª regiões já expediram decisões favoráveis aos contribuintes com base na mesma argumentação dos ministros do Supremo. O advogado Rogério Mollica, do Demarest, já comprovou a nova postura dos tribunais: obteve, em março, um acórdão do TRF da 1ª Região em favor da indústria Harnischfeger do Brasil. "O Supremo deu um sinal de que tende a julgar a cobrança inconstitucional e os desembargadores já começam a seguir o entendimento", afirma. No acórdão obtido pela Harnischfeger, os magistrados não acolheram o argumento da PGFN de que a CSLL tributa o lucro e não as receitas, o que excluiria a contribuição da imunidade prevista na Constituição. A PGFN entrou, no início do mês, com embargos de declaração contra a decisão.
No TRF da 4ª Região, a primeira e a segunda turmas já expediram, neste ano, pelo menos três acórdãos contra a incidência da CSLL. A Volvo do Brasil e a Famossul Indústria de Móveis estão entre as empresas beneficiadas. De acordo com o advogado Mauro Berenholc, do escritório Pinheiro Neto Advogados, que também obteve uma decisão favorável no tribunal, a unanimidade do Supremo ao conceder a liminar à Embraer é um forte argumento usado nas ações que defende. "Os ministros desceram ao mérito da questão", diz. Ele lembra ainda que os ministros Celso de Mello, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa já expediram decisões monocráticas favoráveis aos contribuintes sobre o assunto, três delas depois das liminares do pleno. Além do acórdão obtido no TRF, o advogado conseguiu outras três liminares em primeira instância.
Segundo a advogada Ana Cláudia Utumi, do TozziniFreire, embora o TRF da 3ª Região ainda não tenha nenhum acórdão que favoreça os contribuintes, já concedeu efeito suspensivo em três processos conduzidos por ela. "Em um dos casos, o desembargador citou uma das liminares do Supremo como base para conceder o efeito suspensivo", afirma. Rogério Mollica, do Demarest, acredita que as próximas decisões do tribunal comecem a reconhecer a imunidade – principalmente em relação aos 12 recursos que conduz e que ainda não foram julgados.
Para o advogado Andrei Furtado Fernandes, do Veirano Advogados, mais importante do que as liminares concedidas pelo Supremo foi o reconhecimento da repercussão geral da matéria pelos ministros. Em dezembro, a corte acatou um recurso extraordinário da indústria química Incasa declarando de interesse geral a discussão sobre a CSLL sobre receitas de exportação. Com isso, os demais recursos ficam suspensos até que o Supremo defina a questão definitivamente.
Para o procurador-geral adjunto Luiz Dias Martins Filho, da PGFN, no entanto, as liminares do Supremo deverão ser revistas pelos ministros, já que não contemplaram a questão da cronologia dos artigos que tratam das contribuições. A tese do fisco é a de que a imunidade para contribuições sociais prevista no artigo 149 da Constituição foi inserida em 2001, anos depois que a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, já havia instituído as contribuições de caráter tributário, que estão no artigo 195 da Constituição e incluem a CSLL. "Quando a imunidade foi criada, o legislador já sabia da diferença entre as contribuições alcançadas pelo artigo 149, que estão ligadas à seguridade social, e as contidas no artigo 195. O benefício só se aplica às do artigo 149", diz. Segundo ele, o fato de o país ser um grande exportador de commodities daria às exportadoras uma "superimunidade" em relação à CSLL.