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Ataque ao caixa dois

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Sonegação de impostos, informalidade e pirataria são marcas atavicas do Brasil arcaico. Mas as aberturas de capital na bolsa de valores estão ajudando a corroer esses velhos vícios

Daniella Camargos e Carolina Meyer

As únicas coisas certas nessa vida", escreveu certa vez o filósofo, inventor e estadista americano Benjamin Franklin, "são a morte e os impostos." No Brasil, a frase de Franklin sempre teimou em estar certa apenas pela metade. Pagar impostos por aqui é, tradicionalmente, uma questão de vontade: o Brasil é um dos países mais informais do mundo, espécie de reino do caixa dois. Estima-se que apenas 1% das empresas brasileiras tenham seu balanço auditado por firmas independentes. O principal motivo para isso é econômico — aqui, vale a pena arriscar. A balança de vantagens e desvantagens entre pagar e não pagar sempre pendeu para o lado da sonegação, tornando nosso ambiente de negócios uma espécie de faroeste caboclo. Uma miríade de taxas, o caos tributário e uma fiscalização inepta tornaram quase impossível enquadrar empresas sonegadoras, fazendo com que um punhado de companhias arque praticamente sozinho com a sufocante carga tributária. Nos últimos anos, porém, os pesos do lado da formalidade começaram a equilibrar a balança. A revolução do mercado de capitais faz com que empresas que cresciam às margens da formalidade vejam inequívocas vantagens em entrar para o grupo de pagadoras de impostos. O motivo, de novo, é simplesmente econômico: para ganhar as centenas de milhões de reais oferecidos pela bolsa de valores, é preciso entrar na linha — num ataque sem precedentes ao que se pode chamar de Brasil arcaico. "O desenvolvimento do mercado de capitais está mudando a cara da nossa economia", diz Armando Castelar, diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Esse fenômeno já começa a se refletir na arrecadação. Segundo levantamento exclusivo feito pela Receita Federal a pedido de EXAME, o pagamento de impostos em setores que têm empresas indo à bolsa cresce num ritmo muito maior que a expansão no faturamento das companhias. Isso vale principalmente para mercados conhecidos pelo imenso grau de informalidade. Enquanto as vendas de frigoríficos caíram quase 5% de 2003 a 2006, a arrecadação do setor cresceu 19,4% em termos reais (gigantes como Marfrig e Friboi abriram o capital). As empresas de seguros e planos de saúde tiveram expansão de 6,4% no mesmo período. Já a arrecadação do setor, impulsionada pela abertura de capital de companhias como Porto Seguro e Amil, cresceu 53% (veja quadro ao lado). "As empresas estão descobrindo que vale a pena pagar impostos para captar em condições vantajosas e, assim, ganhar competitividade", diz Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal e um dos maiores especialistas do país em tributação.

O maior exemplo da transformação causada pelo mercado de capitais é o setor de construção civil. Nada menos que 28 construtoras ou incorporadoras foram à bolsa desde que a pioneira Cyrela abriu o capital, em 2005. A conseqüência é que esse mercado, hoje, nada tem a ver com o medievalismo antes reinante. Dez anos atrás, era praticamente impossível comprar um apartamento sem que fosse oferecida ao futuro proprietário a chance de pagar por fora, sem nota fiscal — o que fazia do setor uma autêntica caixa-preta. Hoje, depois dos 28 IPOs e dos 9,5 bilhões de reais captados, práticas como essa são raras. Para conquistar o investidor, essas companhias foram obrigadas a adotar medidas transparentes, auditar seus balanços e, claro, fechar os ralos da sonegação de impostos. Tome-se como exemplo a construtora paulista Even. Para ser aprovada no teste do mercado de capitais, a companhia foi forçada a passar uma borracha em seu método de gestão e adotar mecanismos rígidos de controle de gastos. Cada obra é fiscalizada em busca de fraudes que poderiam ser cometidas por vendedores. Antes, essa preocupação inexistia. "A profissionalização inibe fraudes comuns do setor", diz Carlos Terepins, presidente da Even. "É praticamente impossível comprar ou vender imóveis por fora quando se é uma companhia aberta." A Even captou 460 milhões de reais em janeiro. E a arrecadação do setor cresceu 39% em três anos, enquanto as vendas aumentaram pouco mais de 11% no período.