Antecipação tributária do ICMS e o Simples Nacional
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Jornal da Paraíba
Em síntese, a regra geral da antecipação se refere à diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual.
Em meio à complexidade tributária brasileira é comum nos depararmos com o termo ANTECIPAÇÃO TRIBUTÁRIA, ICMS ANTECIPADO, ICMS GARANTIDO, ICMS FRONTEIRA, ANTECIPAÇÃO SEM ENCERRAMENTO DA FASE, SEM LIBERAÇÃO DA FASE etc. Estes termos se resumem a uma única situação: o contribuinte antecipa parte do pagamento do ICMS antes da operação interna, normalmente, no momento do ingresso da mercadoria adquirida de outros Estados da Federação.
Em síntese, a regra geral da antecipação se refere à diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual, logo, o ICMS antecipado é utilizado como crédito fiscal na apuração mensal do ICMS pelas empresas do lucro real e lucro presumido. Na prática, significa que o fisco exige o pagamento do ICMS na entrada das mercadorias no Estado e, em contrapartida, é possível a dedução destes valores na apuração mensal do ICMS.
Ocorre que, embora tenha previsão legal, tal antecipação traz uma série de problemas para os contribuintes, seja de ordem financeira ou operacional. Sob o ponto de vista financeiro, compromete o fluxo de caixa e controle das empresas porque o contribuinte tem que antecipar o pagamento de um imposto cujo fato gerador ainda não foi realizado, sem falar que muitas vezes a mercadoria fica em estoque de um mês para o outro. Ou seja, sem gerar riqueza para arcar com o custo antecipado.
O fato é que a carga tributária não é quando se quer ir ao cinema, paga-se antecipado o ingresso e a felicidade se estampa no rosto. É custo, é oneroso, e sai caro manter essa antecipação para facilitar a vida de sabe lá Deus de quem!
Sob o aspecto operacional, para viabilizar a antecipação, especificamente relacionado ao “Custo Brasil”, o contribuinte tem que despender com mão de obra qualificada para cálculo do imposto a ser antecipado, controle tributário para correta realização desse crédito e com a análise pormenorizada do valor cobrado de acordo com a origem da mercadoria adquirida, visto que as alíquotas do ICMS interestadual variam de região para região do nosso imenso Brasil.
A figura da antecipação tributária fica ainda mais complexa quando o contribuinte está enquadrado no Simples Nacional, sistemática tributária instituída pela Lei Complementar nº 123/2006 que reúne sob uma única alíquota e em uma só guia o recolhimento de vários tributos, inclusive o ICMS.
Para os optantes do Simples Nacional, quando o assunto é ICMS antecipado, o valor do imposto devido a título de antecipação tributária não está contemplado naquela alíquota única sobre o faturamento. O imposto é cobrado “por fora”, o que eleva a carga tributária, vez que não há opção de creditamento do ICMS que foi antecipado pelos contribuintes optantes pelo Simples Nacional, o que denota um desvirtuamento do tratamento diferenciado, simplificado e favorecido às micro e pequenas empresas.
A questão é que esses contribuintes, mês a mês, pagam valores de ICMS antecipadamente que são impossíveis de creditamento, prejudicando a concorrência com empresas que, em tese, deveriam ter regimes mais onerosos (lucro real e presumido). Em verdade, verifica-se, em relação ao ICMS, uma concorrência desleal entre os optantes pelo Simples Nacional com os optantes pelos demais regimes, pois tudo implica no preço final ao consumidor.
As empresas enquadradas no Simples Nacional são oneradas de forma demasiada com a sistemática da ANTECIPAÇÃO TRIBUTÁRIA, sendo, portanto, uma forma desarrazoada de aumento da carga tributária.
Por oportuno, destacamos que parte do plenário do Supremo Tribunal Federal, assim como a Procuradoria Geral da República defendem que a cobrança antecipada de ICMS para optantes do Simples Nacional está eivada de inconstitucionalidade por não estar amparada por lei complementar federal, porquanto não observa o regime constitucional do aludido imposto, tampouco respeita o princípio da não cumulatividade e o postulado do tratamento favorecido para as microempresas e empresas de pequeno porte.
O Recurso Extraordinário 970821-RS que tornou a matéria repercussão geral, TEMA 517, tem como relator o Min. Edson Fachin, que vem sendo voto vencido pelo fato de que os Ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski decidiram que, na hipótese da cobrança do diferencial de alíquotas (DIFAL) das empresas do Simples, há inconstitucionalidade. O julgamento final está pautado para ocorrer entre os dias 30/04 e 07/05 do corrente ano.
A parte disso, alguns Estados começaram a entender que essa antecipação não é nada saudável para as empresas, a exemplo do Estado do Rio Grande do Sul, o qual, por meio da Lei nº 15.776/2020, chamada de Boas Práticas Tributárias, regulamentou o Fim do Imposto de Fronteira. Um pleito histórico dos contribuintes, de modo que a partir de 01/04/2021 extinguiu a cobrança do ICMS Diferencial de Alíquotas (DIFAL), chamado de “imposto de fronteira”. Para proteger as empresas gaúchas, a Receita Estadual cobrará o DIFAL apenas quando um produto de outro Estado vier com alíquota efetiva inferior à do RS para o mesmo produto, como é o caso de importados.
Exemplos assim demonstram uma visão econômica e estratégica, proporcionando a otimização do fluxo de caixa das empresas e maior retorno em investimentos e fomento da economia.
*Dayse Chaves é advogada especialista em Direito Tributário e diretora fundadora do (IPF – Instituto de Pesquisas Fiscais)