A Perigosa Praticidade na Contabilidade Trabalhista
Publicado em:
Marcio Adriano Caravina
As atitudes realizadas pelos escritórios de contabilidade visando à praticidade, agilidade, economia de tempo, papel e tinta, podem causar danos a seus clientes.
Muitos escritórios de contabilidade costumam, por medida de praticidade, aglutinarem mais de uma verba trabalhista sob a mesma rubrica (nomenclatura, denominação, nome, tópico, item etc.) nos holerites (contra-cheque de pagamento de remuneração).
Exemplificando, para ser mais didático e para se ter um melhor entendimento, suponhamos que o empregado tivesse que receber mais de um tipo de abono. Em vez do escritório de contabilidade discriminar individualizadamente cada um, somou todos os valores e inseriu-os conjuntamente sob a rubrica “Abonos”.
Do mesmo modo, se o empregado tivesse direito a mais de um tipo de auxílio (viagem, hospedagem, refeição, cursos etc.) e o escritório em vez de constar na folha de pagamento cada item separadamente, os colocou conjuntamente sob o item “Auxílios”.
O recibo deve conter, especificadamente, a natureza de cada parcela paga ao empregado, com seu valor discriminado, sendo válida a quitação apenas em relação a essas parcelas, pois no âmbito das relações de trabalho, disciplinadas por legislação própria, a quitação é sempre relativa, valendo apenas quanto aos valores e parcelas constantes do recibo de quitação.
Em outras palavras, para a quitação ser considerada válida, deve haver a especificação de cada parcela/verba.
A quitação não abrange parcelas não consignadas no recibo de quitação e, conseqüentemente, seus reflexos em outras parcelas, ainda que essas constem desse recibo.
Precedentes Normativos da SDC do TST (PNSDC). Resolução Administrativa TST nº 37/92. PNSDC nº 93:
“Comprovante de pagamento (positivo): O pagamento do salário será feito mediante recibo, fornecendo-se cópia ao empregado, com a identificação da empresa, e do qual constarão a remuneração, com a discriminação das parcelas, a quantia líquida paga, os dias trabalhados ou o total da produção, as horas extras e os descontos efetuados, inclusive para a Previdência Social, e o valor correspondente ao FGTS.” (Ex-PN 153).
PNTRT3 Nº 69 – COMPROVANTE DE PAGAMENTO – FORNECIMENTO – DISCRIMINAÇÃO DOS VALORES – TRABALHADORES URBANO E RURAL
“As empresas fornecerão comprovantes de pagamento de salários aos seus empregados, contendo a identificação do empregador e do empregado, bem como discriminarão os valores pagos, os descontos efetuados com seus respectivos títulos, especialmente os relativos à previdência social, e o recolhimento do FGTS”.
SDCTRT12 nº 10 – COMPROVANTE DE PAGAMENTO
“O pagamento do salário será feito mediante recibo, fornecendo-se cópia ao empregado, com a identificação da empresa, e do qual constarão a remuneração, com a discriminação das parcelas, a quantia líquida paga, os dias trabalhados ou o total da produção, as horas extras e os descontos efetuados, inclusive para a Previdência Social, e o valor correspondente ao FGTS.”
Desse modo, o empregado pode postular em juízo parcelas de natureza salarial não compreendidas no recibo de quitação, que possui eficácia restrita.
“PLANO DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA – RESCISÃO CONTRATUAL TRANSAÇÃO EFEITOS – A adesão ao Programa de Demissão Incentivada não importa em quitação total do contrato de trabalho. O empregado pode postular em juízo parcelas de natureza salarial não compreendidas no recibo de quitação, de eficácia restrita, consoante o artigo 477, § 2º, da CLT e o Enunciado nº 330 desta Corte. Logo, a quitação é exclusivamente das parcelas recebidas e discriminadas. Recurso conhecido e provido.” (TST – RR 75167 – 3ª Turma – Relª Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi – DJ 19.03.2004).
“PLANO DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA RESCISÃO CONTRATUAL TRANSAÇÃO EFEITOS – A adesão ao programa de demissão incentivada não importa em quitação total do contrato de trabalho. O empregado pode postular em juízo parcelas de natureza salarial não compreendidas no recibo de quitação, de eficácia restrita, consoante o artigo 477, § 2º, da CLT, e o Enunciado nº 330 desta Corte. Logo, a quitação é exclusivamente das parcelas recebidas e discriminadas. O v. acórdão regional contraria o entendimento inserido na Orientação Jurisprudencial nº 270 da SBDI-1. Recurso conhecido e provido.” (TST – RR 1308 – 3ª Turma – Relª Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi – DJ 27.02.2004).
Num caso verídico, o escritório de contabilidade, por sinal renomado contando com mais de trinta anos de atividade, constou cumulativamente na rubrica “Horas Extras”, a indenização pela falta de intervalo intrajornada (horário para refeição e descanso), a qual é remunerada como se fosse hora extra (mesmo cálculo), mas não se trata de hora extra e nem gera os reflexos desta.
Ocorre que no juízo trabalhista, como não constava expressamente no holerite que foi paga a devida indenização, o empregador foi condenado a pagá-la novamente, pois em Direito, quem paga mal, paga mais de uma vez. Explica-se. Quem não paga da forma exigida pela lei, não exige recibo, não cumpre as formalidades burocráticas, não coloca no papel o “preto no branco”, etc, terá que pagar novamente e novamente até que pague da forma prescrita em lei para aquela situação/caso, pois enquanto assim não o fizer, não existirá o pagamento perante a lei.
Em a lei exigindo determinado procedimento, este deve ser cumprido fiel e detalhadamente. Não podemos fazer as coisas ao nosso modo, do nosso jeito, ao nosso bel prazer, por outro modo qualquer. Não podemos querer inventar, inovar ou personalizar a exigência legal, pois não irá ser a mesma coisa e, pior, a lei considerará como não tendo sido realizado o ato (exigência legal).
Desse modo, de nada adiantou na Contestação (petição de defesa processual) argumentar que a indenização foi paga conjuntamente com as Horas Extras, pois para a juíza o Reclamado (empregador) deveria ter apresentado uma planilha minuciosa comprovando inequívoca e categoricamente o afirmado.
Nas palavras da Dra. Nelma Godoy Sant´anna Ferreira, juíza do trabalho substituta, às fls. 219, no Feito 1489/2005 da 2ª Vara do Trabalho de Presidente Prudente – SP:
“Se é que pagou verba sob denominação de outra, deveria demonstrar de forma clara que satisfez integralmente uma e outra, o que não fez.
Importante ressaltar que não está o julgador atribuindo ao empregador a incumbência de demonstrar diferenças postuladas de verbas já pagas, o que, sem dúvida, é Ônus do empregado. No caso em tela a situação é outra: exigência de comprovação de pagamento de verba que o empregador alega ter feito com outra denominação.”
Ocorre que é humanamente impossível ao Reclamado fazer, em questão de poucos dias, a discriminação (cálculos) que o escritório de contabilidade não fez em anos. Mas vivemos num mundo de presunções. Presume-se tudo! Vive-se e aplica-se uma verdade alternativa forjada e não a real. Faz-se de conta que tal fato aconteceu ou não, pouco importando a verdade/realidade. A Justiça não tem tempo para buscar a verdade (prefere ser prática) e, por isso, contenta-se com as presunções como fosse uma fábrica onde não há controle de qualidade na linha de produção e presumissem que absolutamente todos os produtos estivessem OKs. Presume-se que o Reclamado e o seu advogado não teve outros compromissos, obrigações, deveres, afazeres, prazos, etc nesse período; que o prazo para localizar e juntar os documentos, realizar os cálculos e redigir a petição de Defesa foi mais do que suficiente; etc e, assim, há a ficção de que a Justiça é aplicada.
Em o holerite constando cada crédito trabalhista de forma isolada, haverá a presunção legal de que o empregado recebeu aquelas verbas e naqueles respectivos valores. Dessa forma, o empregado terá o ônus/encargo de provar o contrário. Já no caso verídico acima exposto, como não constava a rubrica em questão (indenização pela falta do intervalo intrajornada), o ônus da prova incumbiu ao empregador. Mas aí se pergunta: como poderia o empregador provar que pagou se não tem recibo e os demais funcionários também não possuem ciência se receberam ou não a verba?
Resumindo, se o escritório de contabilidade tivesse redigido corretamente os holerites, o empregador teria os recibos de pagamentos exigidos pela Justiça do Trabalho e seria obrigação do empregado em provar o contrário.
O Empregador teria três opções de conseguir provar que já pagou referidas verbas que não constam expressa e isoladamente nos holerites: 1) Prova testemunhal; 2) Apresentação de cálculos desmembrando os valores aglutinados na mesma rubrica e, 3) Perícia contábil:
CLT, Art. 852-H. Todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, ainda que não requeridas previamente.
(…)
§ 4º Somente quando a prova do fato o exigir, ou for legalmente imposta, será deferida prova técnica, incumbindo ao juiz, desde logo, fixar o prazo, o objeto da perícia e nomear perito.
A razão da exigência legal de que absolutamente todos os pagamentos/créditos trabalhistas (salários, abonos, auxílios, gratificações, indenizações, etc) devem ser minuciosamente discriminados e transparentes é para evitar o chamado salário complessivo, por meio do qual mediante um valor total, restariam quitadas outras tantas rubricas, sem qualquer discriminação.
A complessividade do salário não advém apenas da ausência de discriminação nominal da parcela quitada, mas também dos valores em si que estão sendo pagos, de forma que o empregado não tem como facilmente e rapidamente identificar, conferir, constatar se seus direitos estão sendo pagos corretamente ou não.
Assim, mister se faz a especificação do pagamento, com a discriminação de seu valor, sem o que não será considerado como pago. Logo, a quitação é exclusivamente das parcelas recebidas e discriminadas, pois a quitação outorgada pelo empregado tem eficácia liberatória em relação às parcelas expressamente consignadas no recibo e nos precisos limites dos valores consignados.
Súmula nº 91 do TST – “Nula é a cláusula contratual que fixa determinada importância ou percentagem para atender englobadamente vários direitos legais ou contratuais do trabalhador.” (RA 69/1978, DJ 26.09.1978).
“Verbas Rescisórias – Quitação Genérica – Pagamento Complessivo – O chamado pagamento complessivo não é admitido pelo fato de possibilitar a fraude. A elaboração dos cálculos dos direitos trabalhistas deve ser clara e expressa, de modo que se possa verificar se todas as parcelas estão incluídas. As parcelas pagas a cada título devem necessariamente ser pagas separadamente. Se os recibos não discriminarem as parcelas e valores pagos a cada título não podem ser aceitos aos fins colimados, posto que a complessividade impede a verificação da exatidão das parcelas pagas, ensejando, um possível prejuízo para o trabalhador. Para que surtam efeitos no mundo jurídico devem elencar individualizadamente as rubricas a que se referem.” (TRT 10ª R. – RO 3.638/97 – 2ª T. – Rel. Juiz Jaime Martins Zveiter – DJU 16.01.1998).
“SALÁRIO COMPLESSIVO. PARCELAS. QUITAÇÃO. NÃO RECONHECIMENTO. Não é válida a quitação de parcelas pagas ao empregado quando não discriminada a natureza e o valor de cada uma destas, porquanto caracterizado o salário complessivo, o qual é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio. Recurso ordinário parcialmente provido.” (TRT 13ª R. – RO 3300/2003 – Ac. 74.767 – Relª. Juíza Ana Nóbrega – DJPB 25.09.2003).
“Recibo – Discriminação – Os recibos de salários deverão conter a discriminação da parcela paga, sob pena de se obrigar o empregador a novo pagamento.” (TRT 3ª R. – RO 12.264/97 – 2ª T. – Rel. Juiz Antônio Ferreira – DJMG 20.02.1998).
Assim, aqui fica o aviso, a advertência, a todos àqueles que confiam no trabalho e na competência de seus contadores, contabilistas, escritórios de contabilidade ou em seu departamento pessoal de que aquilo que a eles proporciona pouco trabalho e economia resulta em muito trabalho e prejuízo aos empregadores.